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Após êxodo de jornalistas, defensores da imprensa em El Salvador também são forçados ao exílio

A principal associação que monitora as agressões a jornalistas em El Salvador se tornou a última vítima da controversa Lei de Agentes Estrangeiros do país.

Associação de Jornalistas de El Salvador (APES) anunciou em 1º de outubro que vai para o exílio em decorrência da lei que exige que organizações que recebem fundos estrangeiros se registrem no governo e que impõe multas pesadas a quem não cumprir a determinação. A APES disse que mudará seu status legal para outro país na região, cujo nome eles preferem manter em sigilo por enquanto.

"Estamos saindo juridicamente para podermos continuar sendo úteis aos colegas que estão lá dentro", disse Sergio Arauz, presidente da APES, à LatAm Journalism Review (LJR).

O anúncio recente ocorreu após a APES informar sobre o fechamento de suas operações em El Salvador devido à obrigatoriedade de se inscrever no Registro de Agentes Estrangeiros (RAEX). A organização informou que durante os últimos 90 dias suspendeu, liquidou e encerrou todos os projetos financiados no exterior.

Trata-se da quarta ONG a fechar suas operações no país após a aprovação da lei, segundo informou a Associated Press. Isso se soma aos 43 jornalistas que haviam se exilado até junho deste ano, segundo relatório recente da APES.

Em seus mais de 80 anos de existência, a APES conseguiu defender o jornalismo em um país cada vez "mais hostil", como disse à LJR Angélica Cárcamo, ex-presidente da APES e atual diretora executiva da Rede Centro-Americana de Jornalistas (RCP). Com sua saída, disse ela, os jornalistas que estão em campo ficarão mais expostos e com poucos mecanismos de proteção.

"Embora seja verdade que a APES vai tentar continuar exercendo seu trabalho, será um desafio porque não é a mesma coisa trabalhar no seu país como organização sindical do que sair porque é o mesmo Estado que está perseguindo você", disse Cárcamo. "[Será um desafio] tentar manter os canais de comunicação com seu povo porque é justamente isso que eles querem: evitar que a organização continue fazendo seu trabalho para terminar de enfraquecer o pouco que está restando do jornalismo independente em El Salvador".

 

Uma lei controversa

A Lei de Agentes Estrangeiros de El Salvador foi aprovada pela Assembleia Legislativa do país em 20 de maio de 2025. Desde que o projeto de lei foi enviado ao legislativo pelo presidente Nayib Bukele, a lei acendeu alertas de diferentes organizações nacionais e internacionais por considerarem que o objetivo era criminalizar o espaço cívico.

A lei obriga todas as pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, que recebam fundos do exterior a se inscreverem no RAEX. Lá deverão informar sobre os projetos, atividades e objetivos, que deverão ser autorizados pelo governo. Também estabelece um imposto de 30% sobre todos os recursos recebidos, entre eles doações, pagamentos ou outros itens.

Os agentes estrangeiros registrados também estão proibidos de participar de "atividades com fins políticos ou outros" com o objetivo de "perturbar a ordem pública" ou que "ameacem a estabilidade social e política do país".

Quem não se inscrever pode receber multas entre US$100 mil e US$250 mil, assim como o cancelamento do seu status legal, e poderá até enfrentar processos administrativos ou criminais.

"Acreditamos que, se nos submetêssemos às regras da Lei de Agentes Estrangeiros, iríamos morrer ou seríamos forçados a permanecer em silêncio e calados. E nesse sentido, nosso trabalho não ia ser o que é necessário nestes tempos para defender nossos colegas e o sindicato", disse Arauz.

Tanto Bukele como a Assembleia defenderam a lei como uma tentativa de fortalecer a “transparência”.

No entanto, entidades como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Human Rights Watch e Anistia Internacional, entre outras, se pronunciaram contra a lei.

"Não há dúvida de que a Lei de Agentes Estrangeiros busca silenciar aqueles que denunciam a corrupção, as violações de direitos humanos e as negociações secretas entre os líderes das gangues e o governo de Bukele", disse Juanita Goebertus, diretora da Divisão das Américas da Human Rights Watch, em um comunicado.

A CIDH mencionou, por exemplo, os altos impostos que podem "inviabilizar a sustentabilidade financeira" de organizações e veículos de comunicação, e a discrição sobre quem estaria isento dessas medidas.

 

Defesa de jornalistas e direito à liberdade de expressão

Prestes a completar 90 anos de existência, a APES é considerada uma das associações de imprensa mais antigas da América Latina. Fundada em 1936 com o propósito de "defender jornalistas e o direito à liberdade de expressão", é a primeira vez que terá que desempenhar suas funções fora de El Salvador.

O "cérebro e coração" dos serviços da APES, disse Arauz, é o registro das agressões e violações à liberdade de expressão no país. Isso é feito através de um centro de monitoramento e um telefone aberto (também disponível pelas redes sociais) onde jornalistas reportam as violações a seus direitos.

Segundo esses registros, 2024 se tornou o ano com o maior número de agressões (789 no total) desde 2018, quando foi criado o Centro de Monitoramento de Agressões contra Jornalistas. No entanto, Arauz disse que os relatos em 2025 aumentaram. Em apenas três meses, a Clínica de Assistência Jurídica da APES registrou quase a mesma quantidade de deslocamentos forçados que havia registrado em toda sua existência.

Arauz disse que esse monitoramento continuará do exílio.

A APES tem também uma clínica de assistência jurídica que acompanha legalmente os casos "graves", disse Arauz. Entre eles, estão prisões arbitrárias, buscas policiais, confisco de equipamentos de trabalho, entre outros. O acompanhamento jurídico também podia ser dado a um veículo ou jornalista que queira "blindar" legalmente alguma matéria jornalística.

A área de treinamento "foi, infelizmente, a que foi suspensa de forma mais abrupta", disse Arauz, devido ao fato de ser a que recebia maior financiamento estrangeiro. Como parte do treinamento, a APES conectava veículos de comunicação de El Salvador com mentores especializados que orientavam reportagens complexas. Nos últimos dois anos conseguiram produzir pelo menos 300 matérias jornalísticas, disse Arauz.

A APES também oferece a seus jornalistas consultoria em segurança digital e apoio psicoemocional.

"[O exílio] é uma decisão difícil, claramente, mas de que adianta existir legalmente sem poder ajudar em El Salvador?", disse Arauz. "Lutamos por nossa sobrevivência não só pelo direito de existir. [...] É uma opção obrigatória permanecer vivo, manter a cabeça acima da água e flutuar para sobreviver, ou seja, salvar a nós mesmos para salvar outras pessoas.”

Diante deste panorama, o chamado de Arauz à comunidade internacional é para continuar com a cooperação e o financiamento a organizações como a APES e veículos que tiveram que ir para o exílio.

 

O exílio e a 'escalada de maio'

A APES é apenas a mais recente organização a anunciar seu exílio. Após a prisão de Ruth Eleonora López, chefe da unidade de combate à corrupção e justiça da organização não governamental Cristosal, em 18 de maio, essa organização também foi para o exílio. López continua detida, enquanto sua família e representantes legais disseram que não conseguiram se comunicar com ela. No último dia 22 de setembro, a CIDH concedeu medidas cautelares a López.

Pelo menos outros três ativistas foram presos em maio, e nesse mês o número de jornalistas exilados chegou a 40. Isso faz parte da chamada "escalada de maio", expressão utilizada para descrever a perseguição do governo a pessoas e organizações, principalmente defensores de direitos humanos e jornalistas.

Recentemente o veículo FocosTV anunciou a mudança de operações para a Costa Rica, assim como o veículo investigativo El Faro fez anos atrás.

"O exílio forçado de qualquer associação de jornalistas em qualquer país do mundo deveria alarmar a comunidade internacional, incluindo governos democráticos, porque sua saída evidencia a atual ausência de instituições democráticas em El Salvador”, disse Cárcamo. "Estamos diante de um governo que entrou pela via democrática mas que caminha rapidamente para a consolidação de uma ditadura.”

 

Traduzido por Marta Szpacenkopf
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