"A tirania venezuelana poderia libertar um preso político todos os dias e ainda assim nunca acabar", escreveu em sua conta no X o jornalista venezuelano Rory Branker, em dezembro de 2024. A publicação coincidiu com o anúncio de uma rodada de libertações de presos políticos, que incluía um grupo de jornalistas detidos durante protestos contra a questionada reeleição do presidente Nicolás Maduro em julho de 2024.
Dois meses depois, em 20 de fevereiro de 2025, Branker foi detido em sua residência em Caracas por agentes do serviço nacional de inteligência.
Branker é editor de uma das mídias digitais mais lidas do país há mais de 10 anos, La Patilla, e também diretor de conteúdo do El Farandi, um portal sobre notícias de entretenimento.
La Patilla informou que após a prisão, funcionários não identificados voltaram à residência de Branker para apreender três laptops e três celulares.
Após uma semana sem informações sobre seu paradeiro, o Ministro do Interior da Justiça e Paz, Diosdado Cabello confirmou em seu programa semanal de televisão que o jornalista foi detido por suposta extorsão por publicar notícias falsas. Até o momento, os familiares não sabem o local de seu confinamento.
O Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Imprensa (SNTP, na sigla em espanhol) e outras organizações de direitos humanos denunciaram que as detenções de presos políticos, incluindo jornalistas, têm um efeito de porta giratória e procuram funcionar como uma "punição como advertência".
"O que importa para o regime é continuar a ter presos políticos, já que os usam como moeda de troca e como válvulas de controle de pressão", disse à Latam Journalism Review (LJR) Génesis Dávila, advogada e fundadora da organização de direitos humanos Defiende Venezuela. "Eles libertam durante o Natal para que seja visto como um 'presente' do regime benevolente ou libertam no meio de 'negociações' para mostrar que 'estão cedendo'".
Os dados parecem confirmar esta perspectiva. Segundo informações coletadas pelo Instituto de Imprensa e Sociedade da Venezuela (IPYS, na sigla em espanhol) e analisadas pela LJR, entre 2024 e 2025, 16 jornalistas foram detidos na Venezuela.
Destes, metade permanece na prisão enquanto o restante foi libertado. De acordo com o SNTP, cinco dessas libertações ocorreram na época do Natal: Yousnel Alvarado, Paúl León, Daysi Peña, Ana Carolina Guaita e Fernando Chuecos.
"Outro caso claro de que existe um efeito de porta giratória é o do jornalista Roland Carreño", disse à LJR Marianela Balbi, diretora executiva do IPYS Venezuela. "Ele ficou preso por três anos, de 2020 a 2023. Ele saiu em uma das negociações e no contexto eleitoral o colocaram novamente na prisão."
Ipys Venezuela em seu Relatório Anual 2024: "A imprensa cativa: terror, silêncio, prisão e exílio" diz que a prisão de jornalistas é um mecanismo de censura brutal que geralmente é explorado politicamente como "punição como advertência".
Além disso, segundo o relatório, tem um efeito coletivo de aprofundar o ceticismo e a desesperança sobre a legítima aspiração dos cidadãos de recuperar as liberdades democráticas no país.
"A punição como advertência também ajuda [o regime] a controlar a pressão interna", disse Dávila. "Se eu colocar um jornalista na prisão, outros jornalistas terão medo de fazer o seu trabalho. Ninguém quer ser o próximo."
A LJR conversou com dois jornalistas venezuelanos que, por medo de represálias, preferiram permanecer anônimos. Ambos garantiram que estas detenções os levaram a reconsiderar se deveriam continuar exercendo a sua profissão. Por enquanto, eles optaram por não assinar suas matérias e por se manter discretos nas redes sociais.
A autocensura não é a única consequência. Segundo o relatório do Ipys, 22 jornalistas foram deslocados à força após as eleições presidenciais de 28 de julho.
Ou seja, os jornalistas foram obrigados a abandonar os seus locais de residência após terem sido vítimas de ameaças ou ataques físicos ou verbais (11), após receberem informação sobre um mandado de prisão contra eles (6) e devido a avisos de possível prisão (5).
Além do mais, relatos de anulação de passaportes de pelo menos 40 jornalistas e ativistas de direitos humanos, após as eleições presidenciais de julho de 2024, também têm sido considerados uma forma eficaz de neutralizar e silenciar vozes críticas, de acordo com o grupo de direitos humanos Laboratório da Paz.
Segundo Balbi, em todas as prisões de jornalistas o devido processo judicial não foi seguido. Portanto, disse ela, são detenções arbitrárias ou forçadas.
Em março, o jornalista policial Román Camacho foi preso após cobrir o assassinato de uma pessoa no bairro José Félix Ribas de Petare, na capital venezuelana. De acordo informou o SNTP, o jornalista foi acusado de supostos crimes de “incitação ao ódio, obstrução da justiça e divulgação de notícias falsas” e solto após 48 horas.
"Eles não fornecem informações aos familiares, não permitem acesso a advogados e os acusam de crimes como terrorismo", disse Balbi.
De fato, 11 dos 16 jornalistas detidos entre 2024 e 2025 foram acusados de terrorismo e incitação ao ódio, segundo dados do Ipys.
O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) alertou que a Venezuela liderou a lista de países da América Latina e do Caribe com maior número de prisões de jornalistas em 2024, superando a Nicarágua e a Guatemala, onde também foram registrados casos semelhantes.
“Nunca tivemos tantos jornalistas presos, nunca”, disse Balbi. "Os jornalistas defendem o direito à liberdade de imprensa, o direito à informação, o direito à liberdade de expressão e ao acesso à informação, que são direitos civis e políticos. Portanto, todos os jornalistas detidos podem ser considerados presos políticos".