Atualização (1 de julho de 2016): Os processos e audiências contra os profissionais do jornal Gazeta do Povo foram suspensos temporariamente nesta quinta-feira, 30 de junho, pela ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, conforme noticiado pelo O Estado de S. Paulo.
Em sua decisão, a ministra afirmou que a continuidade das ações resultaria em prejuízo financeiro e pessoal aos profissionais da imprensa.
“Considerado o número de demandas já ajuizadas, que ultrapassa quarenta, espalhadas por dezenove cidades do Paraná, e tendo em vista o teor do áudio mencionado, não se pode afastar o risco de dano, decorrente do comprometimento, cada vez maior, do pleno exercício do direito de defesa nas ações em trâmite, que se diz efetuado com grave prejuízo financeiro e pessoal aos reclamantes, compelidos a se deslocar por todo o Estado para comparecimento em audiências”, escreveu a ministra.
Os casos ficarão paralisados até que o tribunal julgue o mérito da reclamação apresentada pela Gazeta do Povo, ainda sem data definida.
Notícia original (9 de junho de 2016): Jornalistas brasileiros estão sendo vítimas de "assédio judicial", em retaliação a reportagens publicadas em fevereiro deste ano divulgando rendimentos de juízes e promotores do Paraná. Cinco profissionais do jornal Gazeta do Povo são alvo de 37 ações judiciais por danos morais movidas por membros do Judiciário. Somados, os pedidos chegam a R$1,3 milhão em indenizações.
Por se tratarem de ações individuais ajuizadas em diferentes cidades, os jornalistas Chico Marés, Euclides Lucas Garcia e Rogério Galindo, além do infografista Guilherme Storck e o analista de sistemas Evandro Balmant, já percorreram mais de seis mil quilômetros para comparecer às audiências de conciliação.
Em entrevista ao Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, Rogério Galindo falou dos impactos sofridos no cotidiano dos profissionais.
“Dos cinco dias úteis na semana que vem, a gente vai passar quatro na estrada. Tiraram metade da editoria de política do jornal com isso. Fica parecendo que há uma orquestração, uma vontade não só de conseguir uma indenização mas de prejudicar o trabalho da gente mesmo, de fazer com que a gente tenha que correr o Estado”.
Ele disse que as audiências começaram a ficar mais tensas depois que o jornal ingressou com um pedido no Supremo Tribunal Federal para tentar unificar os processos, alegando que os juízes não seriam isentos para julgar causas de seus pares. O pedido foi rejeitado pela ministra Rosa Weber.
As reportagens da Gazeta do Povo mostram que cada um dos magistrados paranaenses recebeu, em média, R$ 527,5 mil em 2015. Segundo o jornal, o valor está 28 por cento acima do teto constitucional que estabelece que magistrados não podem receber mais do que 90,25 por cento do salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal.
No caso dos promotores, o rendimento médio foi de R$ 507 mil, 23 por cento acima do teto. A notícia esclarece que mais de um terço dos valores se refere a auxílios, indenizações e pagamentos retroativos – valores não afetados pelo teto constitucional.
Outra reportagem mostra que a média de vencimentos brutos em dezembro de 2015 aumentou em 77,5 por cento em comparação ao mesmo período do ano anterior.
A remuneração de juízes e promotores é considerada informação de interesse público e pode ser acessada por qualquer cidadão, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público. Os dados estão disponíveis no Portal da Transparência, mantido pelo governo federal.
Logo após a divulgação das reportagens, o presidente da Associação dos Magistrados Paranaenses (Amapar), Frederico Mendes Júnior, orientou magistrados a ingressar com ações individuais caso julgassem conveniente, usando modelo de petição criado por associados para esse fim. O áudio da conversa com os juízes foi divulgado pelo blogueiro Zé Beto.
À época, a Amapar também emitiu uma nota de esclarecimento em conjunto com a Associação Paranaense do Ministério Público (APMP) afirmando que as notícias continham “fatos distorcidos e inverídicos”, e que os valores pagos ao juízes e mencionados na reportagem não eram habituais.
“São, na realidade, verbas de natureza indenizatórias, decorrentes principalmente de férias ou licenças não usufruídas ou da denominada Parcela Autônoma de Equivalência, resultante do não pagamento oportuno de verbas devidas no passado, não se tratando, assim, de subsídio mensal, sujeito ao teto constitucional”, afirmaram em comunicado.
Na ocasião, o jornal conferiu direito de resposta às duas associações.
Estes processos judiciais contra os jornalistas somam-se a outros casos de censura e assédio judicial reportados anteriormente pelo blog do Centro Knight e entidades de defesa à liberdade de informação, como a Repórteres sem Fronteiras.
Nesta segunda-feira, 6, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) emitiu nota de repúdio à retaliação imposta por juízes e promotores. A entidade afirma que a atuação dos juízes configura assédio judicial.
“Os processos na Justiça não buscam a reparação de eventuais danos provocados pelas reportagens, mas intimidar o trabalho da imprensa e, por isso, são um atentado à democracia”, afirmou a entidade em comunicado.
A Abraji divulgou um link com a compilação das notícias publicadas em fevereiro deste ano pela Gazeta do Povo e sugeriu que as reportagens sejam compartilhadas nas redes sociais usando a #foraassediojudicial, em solidariedade aos profissionais processados.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.