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Avançar sem medo e sem teto: mulheres líderes de meios nativos digitais na América Latina

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  • 10 abril, 2023

*Por Florencia Alcaraz

Esta é uma versão editada de um artigo publicado originalmente no site da SembraMedia.

"Não sou mandona, sou a chefa", dizia uma campanha que circulou há alguns anos como tradução da frase em inglês “I’m not bossy, I’m the boss”. O slogan serve como uma resposta aos estereótipos de gênero que ainda rondam empresas e organizações quando quem está no comando é uma mulher, uma lésbica, uma pessoa não binária ou trans. Embora as empresas de mídia na América Latina não tenham conseguido se livrar completamente desses estigmas, a crescente liderança das mulheres nas organizações da região já apresenta lições que servem para multiplicar um impulso que não conhece medos ou tetos.

As barreiras sexistas, que questionam a capacidade das mulheres em cargos de maior responsabilidade ou hierarquia, estão em toda parte. O problema é muito mais sério quando essas barreiras não só são normalizadas no ambiente de trabalho, mas também afetam a percepção das mulheres líderes ou gestoras sobre si mesmas, suas capacidades e méritos.

É sabido que esta matriz de desigualdade é transversal a todas as indústrias, mas o que dizer dos meios digitais na região? Na América Latina, quase 38% das pessoas que fundaram as 100 organizações pesquisadas para o estudo da SembraMedia Punto de Inflexión em 2021 eram mulheres. Falamos com várias delas e eis o que encontramos.

Uma luta contra a síndrome da impostora

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Carmen Riera (abaixo à esquerda), junto à equipe de RunRun.es na Venezuela. (Foto: Cortesia SembraMedia)

Carmen Riera é venezuelana, diretora de projetos em Runrun.es e integrante do Conselho Editorial de TalCualdigital.com. Desde 2020 ela tem sido mentora no programa METIS da SembraMedia e tem acompanhado várias jovens fundadoras de meios digitais. Ela se define como "uma torre de controle que ajuda, acompanha e apoia projetos em sua decolagem, aterrissagem e vôo".

Uma das batalhas que Riera empreende com as líderes é torná-las capazes de romper com a síndrome da impostora, um fenômeno psicológico que produz naquelas que sofrem com ela a sensação de que nunca estão à altura da tarefa, de que duvidam de si mesmas ou de que são incapazes de aceitar que merecem o que obtiveram como resultado de seu trabalho.

Afeta a todas as pessoas, mas tem um impacto particular sobre as mulheres em cargos de direção. Para elas, se traduz em falta de confiança, sensação de insegurança e a falsa crença de que são uma fraude. "A luta contra a síndrome da impostora é dia após dia", diz Riera.

Liderança feminista e aprendizagem solidária

"Quando você lidera um meio abertamente feminista, um dos principais desafios é ser levada a sério no ambiente jornalístico. No contexto centro-americano – pelo menos – há uma discussão muito forte, uma demanda por mulheres jornalistas que nos posicionamos como feministas", diz Laura Aguirre, diretora do meio digital feminista Alharaca em El Salvador e também parte da equipe de mentoras da METIS.

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Laura Aguirre, diretora de Alharaca, de El Salvador. (Foto: Cortesia SembraMedia)

Para ela, em certos espaços de representação ou liderança ainda é necessário que elas escolham entre jornalismo e ativismo quando as mulheres se autodenominam jornalistas feministas, e ela identifica uma operação construída por seus colegas homens que muitas vezes estigmatizam e degradam seu trabalho. "Tiram qualquer possibilidade de credibilidade, ou de exercer a profissão com rigor e verdade, pelo fato de sermos ativistas. Isto implica que os colegas homens que têm influência no ecossistema não nos convidam para redes de jornalistas, para fazer parte de iniciativas ou atividades".

De Porto Rico, Cristina del Mar Quiles, fundadora da Revista Todas, concorda que existe um obstáculo estrutural: "O menosprezo e a desvalorização de nosso trabalho é um desafio que persiste e vem muito antes de decidirmos fundar um meio de comunicação. Minhas colegas e eu estudamos jornalismo. Ninguém nunca nos disse no caminho que poderíamos ser donas de nosso próprio meio e que poderíamos decidir como contar as notícias. Foi ao ver experiências na região que vimos que isso era possível.”

Ela continua: "Há pessoas que, apesar do que fizemos, apesar de nossas contribuições, não nos levam a sério e preferem continuar privilegiando a suposta validação da mídia hegemônica em nosso país. É mais difícil para nós realizar estes projetos porque ainda há pessoas que acreditam que o fazemos como um hobby ou voluntariamente. Empresas, fundações e pessoas que poderiam nos apoiar favorecem estilos de comunicação hegemônicos que são sexistas.”

Esta subestimação não se dirige apenas a meios visivelmente feministas. Da Guatemala, Alejandra Gutiérrez Valdizán, diretora e fundadora da Agência Ocote, reflete sobre a questão: "Há desafios em termos de experiência e conhecimento que têm que ser aprendidos a passos largos quando se trata de dirigir um meio de comunicação. Não há muitas escolas de gestão de mídia e nós vamos nos virando com ferramentas e receitas. Isto afeta tanto mulheres quanto homens. Entretanto, (...) há uma percepção social generalizada de que a gestão de uma mulher não é levada tão a sério como a de um homem".

Malabarismo entre liderar e maternar

Juanita León é fundadora de La Silla Vacía, um dos meios digitais pioneiros da América Latina na cobertura de política e poder. Quando La Silla nasceu na Colômbia, era uma novidade no ecossistema da mídia regional, e ter uma mulher no comando também era parte de seu apelo. "Tinha o gancho das mulheres diretoras. Suponho que isso tornava [o meio] menos ameaçador para a mídia tradicional", lembra León, que atualmente é uma das diretoras da SembraMedia.

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Juanita León, fundadora do meio digital colombiano La Silla Vacía (Foto: Cortesia SembraMedia)

Para ela, há um antes e um depois de ser mãe em sua jornada como líder de um meio. "O nível de trabalho é exponencial. Mesmo quando [os homens] fazem sua parte no trabalho de paternidade e corresponsabilidade, os primeiros anos são muito difíceis e demandantes", diz ela. E acrescenta: "Eu me sentia com metade da inteligência que tinha antes. Se costumava levar 15 minutos para editar uma história, agora levo duas horas. Isso não acontece com os homens. Há uma carga mental extra sobre nós. Há uma parte do meu cérebro que está sempre pensando em tarefas relacionadas a cuidados.”

A economia feminista tornou visível como o cuidado é o motor oculto da economia e é realizado em sua maioria por pessoas com identidade feminizada. Trabalho não é apenas emprego, mas também trabalho reprodutivo, doméstico, de cuidado e comunitário. A assimetria na distribuição dessas tarefas é uma das maiores fontes de desigualdade entre homens, mulheres e outras identidades: algo que vai além da brecha salarial.

Segundo a CEPAL, em média, na América Latina e no Caribe, as mulheres gastam duas vezes mais tempo no trabalho doméstico e de cuidado do que os homens. Esta sobrecarga e a especificidade da maternidade é uma variável obrigatória quando se pensa na liderança de mulheres, lésbicas e pessoas trans no ecossistema de mídia: elas estão fazendo malabarismos entre maternidade e liderança.

Líderes cada vez mais visíveis, mas também mais vulneráveis

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Parte da equipe de Revista Todas. (Foto: Cortesia SembraMedia)

Liderar projetos jornalísticos trazem visibilidade na internet, um território que pode ser muito hostil. Nos últimos anos, a violência machista online cresceu exponencialmente e as formas pelas quais ela se manifesta se multiplicaram. Agências internacionais e organizações de direitos humanos têm desenvolvido trabalhos e relatórios sobre sua dimensão e as consequências na vida de jornalistas, defensoras de direitos humanos, ativistas e políticas.

O estudo regional “Violencia de género en línea hacia mujeres con voz pública. Impacto en la libertad de expresión” (“Violência de gênero online contra mulheres com voz pública. O impacto na liberdade de expressão”) afirma que "as mulheres com influência na opinião pública sofrem ataques persistentes que têm impactos negativos na liberdade de expressão, participação no debate público e, consequentemente, na qualidade da democracia. (...) As consequências são pessoais (danos à saúde mental ou risco ou medo de perder o emprego são apenas alguns exemplos), e sociais: as atacadas se retiram da conversa e do debate público".

Para esta pesquisa, realizada pela Aliança Regional para a Livre Expressão e Informação e ONU Mulheres, foram realizadas 15 entrevistas em profundidade nas quais mulheres relataram o viés de gênero na violência que sofrem nas redes sociais e na internet: mais crueldade e mais desqualificações do que seus colegas homens e, fundamentalmente, ameaças de estupro dirigidas a elas e suas filhas e seus filhos.

"A ameaça mais frequente de dano físico é o estupro. É a ação disciplinadora por excelência. Basta dizer que a ameaça opera com base na crença de que é possível. As mulheres sabem que são mais propensas a serem – efetivamente – agredidas. Todas as entrevistadas, em maior ou menor grau, percebem que isso é possível fora do mundo virtual", diz o relatório.

Em busca de liderança com selo próprio

Outra das frases que ressoam na cabeça de Carmen Riera quando ela pensa nas mulheres fundadoras de meios que acompanhou durante este tempo é: "Não quero ser chamada de chefa. Não quero mandar".

"Quando elas se reúnem e criam coletivos ou cooperativas de trabalho, a liderança como tal não existe, ela é compartilhada, e isso torna as coisas mais difíceis porque tem que haver alguém que tome a decisão final. Muitas vezes, por trás dessas formas mais coletivas, há um medo de liderar como homens. Mas a liderança não tem necessariamente que ser do jeito que eles lideram", diz Riera.

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Equipe da Agencia Ocote. (Foto: Cortesia SembraMedia)

O medo de reproduzir formas autoritárias e patriarcais de liderança gera repúdio e, ao mesmo tempo, coloca um desafio que é um horizonte para muitos: outra forma de liderança é possível.

Para Laura Aguirre, "um desafio como líder é não repetir as dinâmicas tradicionais dentro das redações. É uma pergunta que me faço todos os dias: como construir redações e equipes livres de violência, respeitosas, éticas, coerentes não só por fora, mas também por dentro".

Quanto à existência de "liderança feminista", ela diz que ela existe: "É preciso estar aberta a cometer erros, questionar, testar e recomeçar. Democratizar os processos de comunicação é importante, abrindo espaços para a conversa, para a resolução de conflitos. Em Alharaca, organizamos uma sessão quinzenal de perguntas e respostas entre o comitê de coordenação e a equipe de repórteres e designers. Tento sentar-me uma vez por semestre com cada uma delas para conhecer suas necessidades e expectativas", diz ela.

Aguirre compreende a necessidade de reconhecer que hierarquias, organogramas, estruturas, responsabilidades legais e financeiras seguem existindo, e que "elas não são as mesmas para aqueles que lideram como para o resto da equipe. Mas é possível encontrar outras formas de liderar".

Cristina del Mar Quiles, da Revista Todas, concorda: "Não é fácil, porque requer desaprender os estilos autoritários que aprendemos em nossas experiências de trabalho anteriores e o discurso de produtividade excessiva que esta sociedade exige. O compromisso e a consciência feminista não podem ser impostos a toda a equipe. Mas tem que haver um compromisso diário da liderança para deixar os estilos antigos para trás e criar espaços de empatia e compreensão, de reconhecimento de privilégios e opressões, de autocuidado coletivo e de luta".

O processo não tem a ver apenas com transformar a liderança, mas também "existem outras lógicas de colaboração, de compartilhar conhecimentos, de conceber competência", diz Alejandra Gutiérrez Valdizán, da Agência Ocote. "Há uma generosidade na liderança feminina que se traduz em apostar na liderança de mulheres, lésbicas, pessoas não binárias e trans na mesma equipe. Mesmo que seja devido a uma lógica de cotas, o feminismo nos proporciona uma participação equitativa para termos espaços de trabalho e redações mais diversas", explica ela.

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