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Chatbot conta história de mulher presa no Paraguai por tráfico de drogas

“Oi, eu sou Eva. Estou aqui na prisão há dez meses. Sou acusada de tráfico internacional e crime organizado, embora me sinta mais como uma vítima do que qualquer outra coisa.”

É assim que começa a conversa com Eva, um chatbot alimentado por inteligência artificial (IA) desenvolvido pela equipe do meio paraguaio El Surti.

Embora ela use um nome fictício, por trás de cada palavra do chatbot existe uma pessoa real. Ela não é uma assistente virtual. Eva é, na verdade, uma mulher de 28 anos presa no presídio Buen Pastor, em Assunção, Paraguai, acusada de servir como mula para uma rede de tráfico de drogas. O chatbot é um veículo para manter seu anonimato.

“Meu advogado disse que a sentença será de 10 anos. E eu disse a ele que não posso aceitar algo que não corresponde a mim”, continua Eva, ”O que eu tive foi uma tentativa, mas não houve término, o trabalho nunca foi concluído. Então, por que vou ser julgada por essa medida?”

Como seus criadores explicaram à LatAm Journalism Review (LJR), o chatbot da Eva tem a capacidade de dar mais de 118 respostas por texto. O usuário pode digitar suas perguntas, mas ao mesmo tempo há opções que facilitam a conversa.

A história de Eva representa as mais de 400 mulheres privadas de liberdade no Paraguai por tráfico ilícito de drogas. Mulheres que estão na base da cadeia do narcotráfico e que acabam sendo condenadas a anos de prisão, longe de suas famílias e, no caso de Eva, sofrendo de depressão.

“Essa foi uma oportunidade para Eva narrar a si mesma e para o público abordar a história de outro ângulo e por meio de uma comunicação mais direta”, disse Juliana Quintana, repórter do projeto, à LJR.

Não é comum ver o uso de chatbots para contar histórias jornalísticas na América Latina. A maioria dos chatbots criados na região são assistentes virtuais que ajudam a combater a desinformação. Por exemplo, Fátima do Aos FatosLa tía de WhatsApp do Efecto Cocuyo, e Chequeabot do Chequeado.

“O público tem muito treinamento no uso de chatbots”, disse Sebastian Hacher, designer conversacional do chatbot do El Surti, à LJR. “No entanto, no jornalismo, isso ainda não foi totalmente explorado. Pelo menos não nesse formato de contar uma história de não ficção.”

Rentabilidade dos chatbots nos meios

Para criar o Eva, a equipe do El Surti processou horas de entrevistas com a fonte e as dividiu em pequenos fragmentos para simular um diálogo fluido.

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Juliana Quintana, repórter de El Surti. (Foto: Ramiro Chanes/Media Party)

O design foi aprimorado com o uso de IA, especificamente o ChatGPT 3.5 turbo.

“Usamos a IA como treinamento para o chatbot para que ele possa entender o que está sendo dito e direcionar uma resposta”, disse Hacher.

Diferentemente de outros chatbots criados por meios latino-americanos, Eva não funciona por meio da plataforma de mensagens WhatsApp.

O motivo é monetário. A Meta, empresa proprietária do WhatsApp, cobra por conversa realizada. Portanto, ter um plano padrão de chatbot no WhatsApp pode custar US$ 500 por mês – “um custo que pode ser difícil para um meio de comunicação independente”, disse Hacher.

Para criar o chatbot, El Surti recebeu o apoio da Fundação Gabo como uma das 14 propostas selecionadas para a 5ª edição do Fundo para Investigações e Novas Narrativas sobre Drogas (FINND). O subsídio foi de 5 mil dólares para a realização do projeto.

No primeiro mês após o lançamento, o chatbot teve 10 mil interações e um alto ranking de permanência.  “Isso é muito, se compararmos com o tempo de permanência em uma notícia normal”, disse Hacher.

Os chatbots de meios de comunicação, em geral, não são criados para obter retorno financeiro, mas para melhorar o conteúdo e a forma como as informações são transmitidas.

De acordo com Laura Zommer, cofundadora e CEO da Factchequeado, uma iniciativa para combater a desinformação em espanhol nos Estados Unidos, os chatbots fornecem insights sobre as necessidades de informação dos usuários.

“Não vamos monetizar nosso chatbot, na verdade estamos investindo dinheiro para fazê-lo”, disse Zommer sobre o chatbot da Factchequeado, que será lançado em outubro. “Para o nosso modelo de jornalismo, ele pode ser rentável, mas não necessariamente por dinheiro, e sim porque, se pudermos descobrir quais são as lacunas de informação, poderemos evitar que a bola da desinformação siga rolando.”

Protegendo a fonte

O projeto de Eva levou quatro meses para ser concluído. Enquanto uma parte da equipe trabalhava no desenvolvimento da ferramenta, outra era responsável pelas entrevistas com a fonte.

Quintana disse que eles cuidaram de cada palavra que aparece nas conversas com Eva e permaneceram fiéis às suas declarações. Apenas omitiram alguns detalhes para proteger sua identidade.

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Sebastián Hacher, designer conversacional do chatbot de El Surti. (Foto: Ramiro Chanes/Media Party)

“Ela ainda está em um processo judicial”, disse Quintana. “Não queremos que ela seja exposta ou identificada na prisão. Há muitos conflitos que é importante ter em mente ao trabalhar com populações vulneráveis.”

Os chatbots não só permitem manter a identidade das fontes em segurança, como também podem fazer com que o público se sinta mais à vontade para fazer perguntas.

“As pessoas são incentivadas a fazer perguntas que talvez tenham vergonha de fazer pessoalmente”, disse Zommer.

Tão à vontade que, como explicaram os desenvolvedores do Eva, eles se depararam com mensagens provocativas, ofensivas ou fora de lugar que buscavam boicotar o bate-papo. O que a equipe tem feito é treinar a ferramenta para dar respostas cada vez mais assertivas e se conectar melhor com o público.

“O chatbot não é apenas uma forma de inserir a inteligência artificial em nossa dinâmica de trabalho”, disse Quintana. “O chatbot serve à história, serve para aproximar a vida da protagonista e cria uma ponte com o público que normalmente não tem muita empatia com questões como essas”.

Traduzido por Carolina de Assis
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