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Cobertura midiática sobre migração no Uruguai associa fenômeno a conflitos e falta de controle, segundo pesquisadores

Depois de examinar mais de 1.200 notícias sobre migração humana em meios de comunicação uruguaios, dois pesquisadores do observatório de mídia MigraMedios descobriram que a maioria das notícias se concentra nos aspectos negativos do fenômeno da migração, fazendo associações com problemas e conflitos.

Ao examinar as manchetes das notícias, o pesquisador e professor Mauricio Olivera descobriu que as principais metáforas usadas para falar sobre migração estão relacionadas a água, guerra, árvores e animais.

"Todas imagens que nos convidam a estar atentos a um fenômeno que tende à desordem e à falta de controle", explicaram Olivera e a pesquisadora Pilar Uriarte em sua recente pesquisa, na qual analisaram notícias sobre migração humana nos seis meios de comunicação impressos mais lidos no Uruguai de 2014 a 2020.

Além do fato de que as contribuições positivas da migração, como os aspectos sociais e culturais, não são consideradas na mídia, Olivera disse que o fenômeno também não é analisado em profundidade.

O pesquisador também alertou que, em geral, isso acontece porque jornalistas trabalham em altos níveis de precariedade e porque não têm as ferramentas ou a consciência para lidar com o tratamento jornalístico desse fenômeno.

Seguindo as manchetes

Olivera e Uriarte apresentaram os resultados de sua pesquisa em 1º de setembro na sede da organização Idas y Vueltas em Montevidéu.

Woman with glasses and scarf looks at the camera. She's a researcher who specializes in migration and media.

A professora e pesquisadora uruguaia Pilar Uriarte (Cortesia / Alessandro Maradei)

Ambos os pesquisadores se dedicam a estudar o fenômeno da migração em um país que transformou profundamente sua dinâmica de mobilidade humana nas últimas décadas.

repositório de notícias relacionadas à mobilidade humana do MigraMedios data de 2014.

Depois de analisar 1.224 notícias dos meios de comunicação El País, El Observador, Búsqueda, La Diaria, Caras y Caretas e Brecha, eles descobriram que o jornal El País foi o que mais publicou artigos sobre migração (44%). Em termos de gênero jornalístico, artigos ou informações (78%) prevaleceram sobre os demais.

A pesquisa mostra que 2015 e 2016 foram os anos com o maior número de notícias relacionadas ao fenômeno da migração, devido à cobertura da chegada de famílias sírias e das pessoas detidas em Guantánamo. Em 2016 e 2017, o número de notícias aumentou devido a conflitos entre beneficiários de esquemas de reassentamento e as autoridades.

Depois, entre 2017 e 2018, houve uma diminuição significativa no número de notícias sobre migração no país, mas a cobertura da migração latino-americana foi predominante. Em 2019, a construção das notícias se baseia em questões de moradia e documentação.

Para 2020, e com a pandemia da Covid-19, mostram que houve um aumento na cobertura jornalística sobre mobilidade humana, devido à entrada de pessoas pelas fronteiras com a Argentina e o Brasil e ao impulso dado pelo governo à chegada de cidadãos argentinos, explicam no site MigraMedios.

Metáforas e narrativas sobre migração na mídia

Nas últimas décadas, o Uruguai deixou de ser um país de origem para se tornar um país de trânsito e assentamento de populações migrantes e refugiadas.

Embora a principal origem dos estrangeiros no país tenha sido tradicionalmente a Argentina e o Brasil, desde 2013 houve um aumento da população de outros países latino-americanos, como República Dominicana, Cuba e Venezuela.

Em 2017, a população venezuelana chegou a superar a população argentina no número de residências concedidas. Conforme detalhado no site do projeto, essas novas tendências migratórias têm gerado desafios para "garantir condições adequadas para o exercício dos direitos garantidos na Lei de Migração", como acesso à moradia, saúde, educação e trabalho em condições dignas.

Man with dark hair stands next tot a dark wall and looks at the camera, hands in his pockets. He specializes in migration and media.

O professor e pesquisador uruguaio Mauricio Olivera. (Cortesia)

Naturalmente, esses desafios são detectados pela imprensa e são fonte de notícias, artigos, colunas editoriais e opiniões de jornalistas. Nesse sentido, o observatório busca analisar como a mídia uruguaia constrói narrativas sobre a migração. De acordo com Pilar Uriarte, a mídia influencia as políticas de migração dos países e os discursos sociais sobre o fenômeno.

Na apresentação da pesquisa, Olivera explicou que a análise das notícias sobre migração se baseia principalmente nas manchetes, porque elas desempenham "um papel fundamental" na apresentação das notícias e "é a informação com a qual a maioria dos leitores fica".

Com relação à metáfora, os pesquisadores disseram que ela é um recurso por meio do qual se argumenta, molda e constrói "um conjunto de símbolos coletivos que estabelecem estruturas cognitivas e interpretativas na opinião pública sobre o fenômeno da migração no Uruguai".

As principais metáforas usadas para falar sobre migração, de acordo com Olivera, são aquelas relacionadas à água (corrente, onda, torrente, avalanche); metáforas de guerra (invasão, conquista, hostilidade); metáforas fitomórficas (como a árvore, com suas raízes e desenraizamento); e metáforas zoomórficas (como pássaros, referindo-se ao nomadismo e ao movimento permanente).

"La ola que sobrepasó al sistema" (“A onda que sobrecarregou o sistema”) foi o título de um artigo publicado no jornal El País em 4 de novembro de 2018 sobre as pessoas de origem cubana que procuraram o Ministério das Relações Exteriores para solicitar seus vistos naquela época. Olivera leu as primeiras linhas do artigo: "A chegada maciça de cubanos, especialmente no último mês, transbordou as portas da Chancelaria e colapsou o sistema". De acordo com o pesquisador, "a imigração cubana, identificada com essa onda, é retratada como responsável pelo que, na realidade, é uma incapacidade de gestão do Ministério das Relações Exteriores do Uruguai".

Olivera também falou de uma "alusão a quantidades", ou seja, quando é relatado um aumento de imigrantes ou de um determinado número de pessoas. Para ele, "a quantificação apenas despersonaliza e objetifica" as pessoas, mas também magnifica o número de imigrantes que chegam ao país sem explicar ou aprofundar seu contexto. Ele deu algumas manchetes como exemplo: "Há 48% mais estrangeiros nas escolas do Centro" (El País) ou "Chancelaria rejeitou 24 de 34.800 residências em quatro anos" (El Observador).

"Restaurante multado em US$ 7.000 por empregar imigrantes ilegais", foi a manchete de um artigo no El Observador em 17 de março de 2016.

"A forma como a notícia é apresentada é perversa", disse Olivera. “Na manchete, se referem à punição e à quantia. Além disso, quem comete o ato ilegal é a empresa que contratou trabalhadores que estão em situação irregular, mas na manchete parece que a culpa recai sobre os 'imigrantes ilegais'.”

Ao mesmo tempo, o pesquisador ressaltou que "não existem pessoas ilegais, o que existem são atos ilegais. Pode haver pessoas que não regularizaram sua situação, mas não ilegais".

Outra das manchetes a que ele se referiu é do El País: "As duas correntes migratórias que estão renovando o mercado de trabalho uruguaio". Para Olivera, essa manchete mostra uma mudança na narrativa da mídia uruguaia sobre migração, na qual a preocupação com a chegada de estrangeiros não é o foco. Ele até enfatizou a palavra "renovar" como algo positivo. No entanto, ele considerou que essa mudança se baseia em uma "visão utilitarista".

Parece que os dois motivos pelos quais as migrações latino-americanas são vistas de forma positiva no Uruguai são o fato de que elas "renovam o mercado de trabalho ou porque aumentam a taxa de natalidade" no país, acrescentou Uriarte.

Entretanto, os especialistas apresentam o outro lado dessa visão: "isso mostra que aqueles que não renovam o mercado de trabalho não contribuem em nada, portanto podem ser excluídos" da sociedade.

A pesquisadora também destacou que é muito comum na imprensa uruguaia mostrar o conflito, e explicou com um exemplo: "Em 2014, foi imposto um visto para pessoas da República Dominicana, mas a mídia só falou sobre as 42 pessoas que chegaram da Síria. Parecia que os únicos imigrantes eram sírios".

Para melhorar a cobertura da mídia sobre migração, Olivera recomendou consultar o manual de recomendações sobre o tratamento da mídia em relação a migrantes e refugiados do Conselho Audiovisual da Catalunha.

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Florencia Pagola é uma jornalista freelancer do Uruguai. Ela pesquisa e escreve sobre direitos humanos e liberdade de expressão na América Latina.

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