“Ela fazia jornalismo de freios e contrapesos. Ela própria se tornou um contrapeso”, disse um colega e amigo íntimo de Regina Martínez Pérez, a correspondente da revista mexicana Proceso assassinada em Veracruz.
Nove anos após seu assassinato, jornalistas que não abandonaram o caso continuam exigindo justiça para Martínez. Recentemente, uma investigação realizada por uma coalizão de organizações internacionais de direitos humanos revelou várias pistas sobre o crime e listou diretrizes urgentes para a justiça mexicana reabrir o caso.
Essa coalizão, A Safer World for the Truth, é formada pelo Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), Repórteres Sem Fronteiras (RSF) e Free Press Unlimited (FPU). O objetivo deste novo projeto colaborativo é buscar justiça para casos de crimes contra jornalistas. Seu primeiro caso investigativo foi o de Martínez, que foi brutalmente assassinada em sua casa em Xalapa, Veracruz, em 28 de abril de 2012.
“Veracruz tem sido um lugar tão violento para jornalistas e acho que o assassinato de Regina Martínez representa ou é um problema muito maior”, disse Jos Midas Bartman, autor do relatório e coordenador de pesquisa da FPU, à LatAm Journalism Review (LJR).
Durante quase um ano, uma equipe da coalizão entrevistou diferentes testemunhas e revisou exaustivamente os arquivos da investigação do promotor sobre o crime de Martínez. O resultado foi o relatório “The murder of Regina Martínez Pérez: An opportunity for justice” (O assassinato de Regina Martínez Pérez: uma oportunidade de justiça), publicada em 17 de março de 2021.
“Fomos ajudados por alguns repórteres mexicanos, repórteres locais, que ajudaram Ioan Grillo durante sua visita e que fizeram parte da investigação. Eles desempenharam um papel crucial em obter acesso a certos contatos e também a algumas informações, e para entender o que aconteceu", disse Bartman.
Grillo, que foi um dos principais repórteres investigativos e de campo do relatório, cobriu cartéis de drogas e crime organizado no México por vários anos. Apesar da pandemia ter feito com que grande parte do projeto fosse realizado remotamente, Grillo foi a campo, junto com jornalistas locais.
Os jornalistas e repórteres investigativos do relatório no México seguiram o protocolo de segurança rígido, disse Bartman. Cada contato e pesquisa que realizaram em Veracruz foi planejado detalhadamente, para que todos estivessem protegidos, acrescentou.
De acordo com o relatório, existem várias lacunas e pistas que não foram consideradas na investigação oficial do Ministério Público do Estado de Veracruz. Por exemplo, após entrevistar vários colegas de Martínez e o homem condenado por seu assassinato, o relatório questionou a legitimidade da versão oficial da acusação, de que Regina foi estrangulada por um homem com quem se relacionou, vulgo “El Jarocho”, e com quem ela teria bebido várias cervejas em casa.
“A história oficial do assassinato não condiz em nada com o perfil de Regina”, finaliza o relatório.
“Seu trabalho era indispensável”, disse um dos seus colegas, que preferiu não revelar seu nome, à LJR. “Ela era muito diligente, das suas matérias surgiam cinco ou seis outras diferentes, era como partir um bolo de informações... E ela era muito, muito, muito cuidadosa e reservada, ela tinha muitos códigos de segurança pessoais. Por exemplo, eu nunca entrei na casa dela, jamais”.
A única pessoa condenada a 38 anos de prisão por homicídio qualificado e roubo qualificado no caso Martínez foi José Antonio Hernández Silva, que teria sido cúmplice de “El Jarocho” na cena do crime. De acordo com o relatório, Silva disse em entrevista a Grillo que foi detido um mês antes de o apresentarem publicamente como assassino confesso da jornalista. Durante esse tempo, Silva foi supostamente torturado para assinar uma confissão pronta, disse ele.
Antes da entrevista com Grillo, Silva não havia dado entrevistas a nenhum jornalista, disse Bartman.
As autoridades também não consideraram nem exploraram que o motivo do crime, afirma o relatório, pudesse ser a profissão de Martínez como jornalista. Em uma de suas últimas publicações para a revista Proceso, “Dos regresos perigosos”, a jornalista revelou que dois candidatos ao Congresso teriam supostos vínculos com o crime organizado.
De acordo com as investigações do relatório, a investigação do crime de Martínez apresenta muitas falhas em nível estadual e “há fortes indícios de obstrução da justiça por parte de investigadores” da Procuradoria Geral do Estado de Veracruz.
Em suas recomendações finais, o relatório sugere que a Promotoria Especial de Crimes contra a Liberdade de Expressão (Feadle) faça valer sua competência e reabra a investigação do crime. E nesse esforço, recomenda, a profissão de Martínez deve ser incluída como linha de investigação do crime. O Ministério Público também deve observar, de acordo com o relatório, todos os erros que existam na investigação do Ministério Público de Veracruz e deve garantir a proteção das testemunhas.
A investigação também faz recomendações ao Procurador-Geral da República do México e pede que ele investigue o desaparecimento de outro suspeito oficial, "El Jarocho", que ainda está desaparecido.
Por tudo isso, o relatório pede ao governo mexicano que forneça todos os recursos necessários a Feadle.
A LJR tentou entrar em contato com o Ministério Público do Estado de Veracruz e o governo federal, mas não obteve resposta antes da publicação desta nota.
Jan-Albert Hootsen, representante do CPJ no México, disse à LJR que é de "extrema importância" que casos como o de Martinez sejam investigados e tornados visíveis. “Consideramos que a impunidade nos crimes contra a imprensa no México - acima de 90% - é o principal fator que segue incentivando as pessoas que os cometem... Queremos que o público não esqueça de casos como o de Regina, porque somente através da opinião pública teremos a melhor ferramenta para pressionar as autoridades”.
“O México é, há muito tempo, um dos lugares mais perigosos para o exercício da profissão de jornalista”, disse Joel Simon, diretor executivo do CPJ, em um comunicado da organização. “A reabertura do caso Regina Martínez é um passo importante nessa direção”.
“Regina Martínez foi uma corajosa jornalista que morreu por falar a verdade. Seu assassinato deve ser resolvido e a justiça, feita”, disse o secretário-geral da RSF, Christophe Deloire.
Em dezembro de 2020, a rede internacional de jornalismo colaborativo Forbidden Stories publicou, em um esforço coletivo com outros 25 veículos de comunicação ao redor do mundo, uma série investigativa sobre assassinatos de jornalistas, “El proyecto Cartel”, que começou com o caso de Martínez.
Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP) do México e a revista Proceso foram as organizações que mais participaram neste primeiro caso da série, por motivos óbvios.
Por sua conta, OCCRP deu continuidade ao projeto de investigação do assassinato de Martínez, que ainda está em desenvolvimento.
O México continua a ser um dos países mais mortíferos para o jornalismo na América Latina e no mundo. De acordo com o CPJ, 21 periodistas morreram somente em Veracruz entre 2011 e 2020.