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Como cobrir ataques a escolas: especialistas debatem boas práticas e impacto da cobertura na violência

O ataque de um estudante de 13 anos a uma escola na cidade de São Paulo no dia 27 de março, que deixou uma professora morta e outras quatro pessoas feridas, reavivou o debate público no Brasil sobre o impacto da cobertura jornalística desse tipo de violência. A Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) realizou um webinar no dia 31 de março para debater o tema com especialistas e orientar jornalistas sobre como fazer um trabalho ético e responsável e evitar o “efeito contágio”.

A conversa foi mediada por Marta Avancini, editora pública da Jeduca e editora do site da associação. “Quisemos trazer duas especialistas que trabalham com o tema da violência na escola para trazer subsídio, informação, e debater e refletir para que a gente possa avançar um pouco na compreensão não só do fenômeno desses ataques violentos, mas sobretudo pensar um pouco o papel da imprensa, já que é a nossa missão aqui no Jeduca colaborar para qualificação da cobertura de educação”, disse ela.

Telma Vinha, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), apresentou conclusões de uma pesquisa sobre ataques planejados a escolas no Brasil que vem sendo realizada pelo Grupo de Estudos Ética, Diversidade e Democracia na Escola Pública do Instituto de Estudos Avançados da Unicamp (IdEA), que ela coordena. Nos últimos 20 anos, o grupo registrou 22 ataques, todos perpetrados por estudantes ou ex-estudantes, majoritariamente em escolas públicas (18 casos). Nove ataques ocorreram apenas nos últimos oito meses, o que mostra um aumento “muito expressivo” desse tipo de violência no Brasil, disse ela.

Ela apresentou o perfil geral dos perpetradores desses ataques – jovens do sexo masculino, brancos, com gosto pela violência com armas, entre outras características. Vinha destacou que eles são “usuários de uma subcultura extremista” que se encontra atualmente “na superfície da internet”, ou seja, redes sociais abertas como Twitter e TikTok.

“Eles se articulam com essas comunidades mórbidas, fóruns online de incentivo à violência, à misoginia, que uns anos atrás tinham um acesso difícil, porque era pela deep web. Atualmente, isso está na superfície da internet, como Instagram, TikTok, WhatsApp, Twitter. Então esses perfis e essas comunidades são facilmente achadas. (...) E você ainda recebe sugestões da inteligência artificial [da rede social] para seguir páginas semelhantes”, disse a pesquisadora.

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As participantes do webinar realizado pela Jeduca. (Captura de tela)

 

Vinha destacou que esses agressores anunciam antecipadamente os ataques e “querem ser vistos, buscam notoriedade”. Ela apresentou um print de um tuíte, publicado em janeiro desse ano, que seria um suposto anúncio de ataque contra uma escola e que, segundo ela, ficou mais de um mês no ar. “Por mais que se denuncie, as plataformas muitas vezes não retiram [o post do ar] e não há uma investigação”, afirmou.

Um dos fatores que vem contribuindo para o aumento da frequência desse tipo de ataque nos últimos meses é o “terrorismo estocástico”, que segundo Vinha consiste na “manipulação do discurso para gerar medo e terror”. “É um discurso social autorizando o tratamento de conflito pela violência, não pela palavra. Então, é como se dessem uma autorização para você agir de maneira violenta”, disse ela.

Propostas para jornalistas

Catarina de Almeida Santos, professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), apresentou conclusões de estudos sobre o impacto da cobertura jornalística de ataques a escolas e sugestões para jornalistas. Ela é uma das autoras do relatório "O ultraconservadorismo e extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às instituições de ensino e alternativas para a ação governamental", elaborado para a equipe de transição do atual governo Luiz Inácio Lula da Silva e que também traz observações sobre o papel da mídia na propagação desse tipo de violência.

Segundo ela, estudos realizados nos Estados Unidos concluíram que a cobertura da imprensa pode influenciar a proliferação desse tipo de ataque, no chamado “efeito contágio”.

“Os jovens que promovem esses ataques geralmente não estão próximos, não se conhecem. Quando a gente pensa em ‘onda’, que um ataque pode provocar novos ataques, é porque eles observam aquilo que os outros fizeram. E aí entra a questão da cobertura das muitas mídias que temos hoje. Não estamos falando só da grande imprensa, mas também das redes sociais. As informações que servem de modelo [para novos ataques] aparecem a partir das mídias”, disse Santos.

De acordo com a professora, a maneira em que a imprensa cobre esses ataques, com a repetida exposição das imagens, a apresentação da história de vida da pessoa que o perpetrou, ou a publicação de detalhes do evento, pode levar outros jovens a realizar outros ataques. “Essa exposição aumenta o status social, a notoriedade do perpetrador”, afirmou, enquanto a especulação sobre possíveis motivações para o ataque, como “vingança após anos de bullying”, também pode inspirar outros jovens nessa situação a cometer algum ato violento.

De fato, no dia seguinte ao ataque à escola em São Paulo que deixou uma pessoa morta e quatro feridas, foram registradas tentativas de ataques em uma escola no Rio de Janeiro e em uma escola em Santo André, no estado de São Paulo.

“Se a maneira como a mídia relata pode promover novos ataques, é preciso mudar os métodos de exposição e de reportagem” sobre esses eventos, disse Santos. Segundo ela, pesquisas apontam que a cobertura de ataques a escolas poderia seguir o modelo das orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS) para a cobertura de suicídios, como evitar o sensacionalismo e a publicação de detalhes sobre os casos, entre outras recomendações.

É importante limitar o tempo de cobertura, já que a atenção midiática é percebida como “recompensa” às ações do perpetrador, e não realizar entradas ao vivo sobre o evento, pois isso “aumenta o nível de excitação” em torno do acontecido, disse Santos.

“Ao invés de fazer isso, [é melhor] trazer as informações por meio de atualização por escrito, por exemplo, porque isso não apenas pode minimizar a recompensa percebida por quem provocou o ataque e por aqueles que querem provocar novos ataques, mas vai diminuir o interesse geral sobre o evento, o que poderia inclusive restringir essa necessidade de imitar ou de provocar novos ataques”, afirmou.

As duas pesquisadoras destacaram também a importância de regulação das redes sociais e de outras plataformas online para coibir a circulação de discurso de ódio e mensagens que estimulem a violência.

Elas também afirmaram que é importante evitar a exposição da comunidade escolar, o que acontece com frequência nesses casos quando a cobertura da imprensa se volta para a escola, os professores e os alunos que foram vítimas do ataque. Para Santos, a exposição da escola acaba por culpabilizar a instituição e as pessoas que fazem parte dela pela violência.

“Quando se faz reportagem sobre escola, independentemente do tema, estamos falando do futuro da sociedade. (...) A escola é o espaço de aprendizagem da vivência da democracia, da vivência coletiva, e tem o papel de transformar valores individuais daquela comunidade em valores socialmente desejáveis. E essa tarefa não é fácil, é difícilima”, observou Vinha.

A cobertura da imprensa pauta o debate, ajuda a direcionar a discussão e pressionar em busca de soluções, disse ela. Por isso é importante que jornalistas se dediquem à cobertura das políticas públicas apresentadas para lidar com esse problema. A imprensa também tem o papel de questionar as propostas de militarização do ambiente escolar, como a implementação de botões de pânico e o aumento da vigilância com a presença de policiais dentro da escola, por exemplo.

“Por que somente assunto de segurança [nas reportagens], sem considerar a especificidade do local dos ataques, que foram as escolas? Em que a segurança, por exemplo, vai mudar um sentimento de ódio, de racismo, de preconceito [entre os alunos]?”, questionou Vinha.

“A gente não pode aceitar uma cultura escolar de vigilância. A cultura escolar tem que ser de cuidado, de proteção. (...) Os questionamentos da imprensa são fundamentais, porque são eles que levam as secretarias a procurar outras alternativas [à militarização]”, disse ela.

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