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Jornalistas no Brasil refletem sobre como o bloqueio do X/Twitter afeta o seu trabalho

Por anos, o Twitter foi a rede social mais vibrante entre jornalistas no Brasil. Após ser comprado por Elon Musk em 2022 e virar o X em maio deste ano, ele seguiu influente – mas com sentimentos mais ambíguos.

Muitos jornalistas do país se queixavam de conteúdo indesejado ou inútil na plataforma. O X, diziam, estava repleto de mensagens de ódio ou de extrema direita, e suas publicações não tinham mais o mesmo alcance.

Tudo isso teve uma interrupção na madrugada do sábado (31 de agosto). À meia-noite, seguindo uma ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, os provedores de internet brasileiros bloquearam o acesso à plataforma.

A decisão aconteceu após uma disputa de meses entre Musk e Moraes.

Moraes afirma que a plataforma não cumpriu uma ordem judicial de designar um representante legal no país e violou leis brasileiras. Já Musk alega que que Moraes promove e censura e é um “ditador tirânico disfarçado de juiz”.

Inicialmente, a ordem alcançava também uma proibição de VPNs. Após uma forte repercussão negativa, o juiz voltou parcialmente atrás. Mesmo assim, segue em vigor uma multa diária de R$ 50 mil reais para quem usar a ferramenta para acessar o X no Brasil.

Na segunda-feira, a decisão do bloqueio do X foi confirmada por unanimidade, por 5 votos a 0, pela Primeira Turma do STF.

Muitos jornalistas continuavam a usar o Twitter, mas diziam que ele se tornara desagradável e tóxico, com muito discurso de ódio e desinformação. 

A LatAm Journalism Review (LJR) ouviu 14 jornalistas no Brasil para saber como estão lidando com a ausência da plataforma.

Os relatos abaixo, que foram editados por fins de concisão e clareza, variam do alívio ao lamento, e são apresentados na ordem cronológica das entrevistas

Felipe Betim, editor do Jota

Eu já fui um heavy user, mas isso tomava muito tempo e eu já diminuíra o uso. Desde junho não entrava, e minha vida melhorou. Na sexta, entrei para me despedir, ter uma última dose de dopamina, viver a última treta. 

Penso que o bloqueio não vai me afetar. Quanto ao jornalismo, a imprensa se viciou em arranjar audiência fácil: qualquer aspa, qualquer treta, rende uma nota. As redes sociais em geral e o Twitter em particular contribuíram para a queda da qualidade da imprensa.

Quem trabalha com jornalismo internacional pode ter dificuldades. Quando uma autoridade usa a rede para se comunicar, de fato pode haver obstáculos. 

Mas sempre dá para driblar isso. Quanto a demorar um pouco mais, precisamos pôr isso em questão. 

Nosso trabalho não é como o dos médicos, como se o imediatismo fosse salvar vidas. Muita da urgência do jornalismo digital, de querer tudo para ontem, não é uma necessidade real. Se uma coisa que poderia ser acessível em cinco minutos demorar uma hora ou duas horas, tudo bem. O mundo não vai acabar.

Claudia Antunes, repórter especial de SUMAÚMA Jornalismo

A notícia me deu um alívio inicial, porque o Twitter estava muito ruim. Você não tinha o mínimo controle do que aparecia na sua timeline, e eu seguia gente demais.

Estou no Bluesky. Na prática, ainda não sei como será: ainda não fiz buscas por um assunto específico, como costumava fazer. 

No Bluesky, é bem fácil reencontrar as pessoas que seguia antes. Você localiza uma pessoa de uma área que acompanha, e assim encontra as demais.

Gilberto Porcidonio, checador e repórter da Revista Piauí

O X é o primeiro botão de rede social do meu navegador. Para mim, sempre foi só abrir o navegador, clicar e saber o que está acontecendo.

Desde o bloqueio, várias vezes fiquei com uma sensação de quando abro a geladeira e não tem nada que queira. Uma sensação de loading eterno, de FOMO, como se perdesse algo.

Profissionalmente, costumava usar para divulgação de trabalhos e para acompanhar os trending topics. Também faço checagens lá, as datas ficam todas disponíveis de forma bem acessível.

Estou no Bluesky, mas lá não tem trending topics, e para o trabalho não é muito interessante.

Por outro lado, o Twitter já estava indo para o buraco há um bom tempo. Antes da compra pelo Musk já havia piorado, mas ainda tinha moderação. Depois, acabou até isso. 

Guilherme Caetano, repórter de Política, Estadão

O Twitter era por essência a principal rede do debate público brasileiro. Lá estavam as pessoas mais importantes para a tomada de decisões no Brasil, incluindo muitas autoridades, jornalistas, acadêmicos e ativistas. 

Isso proporcionava um debate mais qualificado que em outras redes, e permitia acompanhar os movimentos mais importantes e descobrir ideias de pautas. 

Eu usava a rede diariamente, várias vezes ao dia. Usava muito a função de listas: tinha uma lista de senadores, uma da bancada do PT, uma da bancada do PL, etc. É possível filtrar bem como as pessoas estão se posicionando, quem está falando o quê. Se precisava ouvir os dois lados, descobria rapidamente quem estava mais engajado no assunto e buscava essas pessoas.

Já me peguei várias vezes clicando em vão no app. Até entrei no Bluesky, mas não encontrei substituto perfeito. Por enquanto há um buraco na cobertura que não sei como tampar.

Anna Virginia Balloussier, repórter especial da Folha de S. Paulo

Eu já vinha usando com muita moderação desde que Elon Musk assumiu, e piorou uma atmosfera digital já tóxica. O debate ficava viciado, e eu tinha medo de dar muita relevância para uma câmara de eco sem adesão tão grande assim. 

Mas ainda era uma ferramenta importante de trabalho, já que grandes atores públicos a usavam. 

Vamos nos adaptar, mas perderemos coisas como o imediatismo do noticiário internacional. Mas, com tantos personagens brasileiros fora do Twitter, também eles terão que adaptar seu discurso a outra plataforma, talvez menos virulenta. Num grau pessoal: uma rede social a menos, uma distração a menos.

Catherine Osborn, colunista da Foreign Policy sobre América Latina

Eu usava muito, e era uma ferramenta muito importante para o meu trabalho, não só para cobrir Brasil, mas também América Latina. Usava para seguir conversas públicas nacionais e regionais e fazer contato com fontes. Restabelecer a mesma rede será muito difícil.

Já sabemos que nem todo mundo do X migrou para o Bluesky – alguns foram para lá, outros para o LinkedIn, etc. A suspensão dificulta nosso trabalho e desconecta o Brasil da conversa pública internacional que acontece na plataforma.

Claudio Angelo, coordenação de comunicação do Observatório do Clima e escritor

No começo do Twitter, era muito útil para saber o que estava acontecendo no planeta. A cobertura da Conferência do Clima de Copenhagen foi particularmente importante para mim: foi a primeira vez onde informações importantes circulavam na rede, e sabíamos o que cada governo estava pensando de forma dinâmica e confiável.

Era um sonho, mas há muito tempo já estava um ambiente muito ruim. O que mudou? A quantidade de ruído na plataforma. Para mim, a ausência terá impacto zero. Já era um ambiente muito tóxico. 

Sílvia Lisboa, jornalista freelancer e fundadora do estúdio de jornalismo Fronteira 

Um dos usos que eu fazia era para divulgação. Na quinta-feira passada e hoje [segunda-feira] saíram duas reportagens que envolveram um esforço grande de reportagem grande meu e da Carla Ruas, e começamos a divulgar. Sabemos que o pessoal de fora do país começou a repercutir, mas não podemos mais ver. Vamos precisar fazer um relatório de audiência para a bolsa, e, sem o Twitter, vamos ter mais dificuldades. 

Fábio Zanini, editor do Painel da Folha de S. Paulo

Usava diariamente, várias vezes ao dia. Era uma tela que ficava aberta praticamente o tempo todo; às vezes fechava, mas logo voltava.  Acho que usava demais e distraía. 

Sem entrar no mérito da decisão do STF, acho que o bloqueio prejudica muito o trabalho. Eu uso muito para encontrar pautas, muitas vezes o debate político acontece na rede, e o Twitter ou X sempre foi a rede mais politizada de todas. O debate político muitas vezes acontece ali. Ali há deputados ou senadores debatendo, se apoiando, às vezes até se xingando, e isso é notícia.

Como toda rede social, também há ali muito discurso de ódio, ou histérico. O fato de não ter isso pode gerar algum efeito positivo, mas, no balanço geral, a perda com a suspensão é muito maior do que o eventual benefício. 

Adriano Belisário, jornalista no Joint Data Center on Forced Displacement

Há alguns anos, não sou um heavy user

Penso que algumas das consequências do bloqueio ficarão mais claras com o tempo e ainda não foram bem compreendidas. Mesmo com limitações, o Twitter era muito usado para monitoramento de rede social, não só por jornalistas e acadêmicos, mas também por outras organizações de direitos humanos. 

Era uma fonte importante para identificar relatos de conflitos de violência armada, por exemplo. Mesmo que a decisão seja revertida em algum momento, haverá impactos, e nem todos são óbvios.

Juliana Dal Piva, colunista do ICL e repórter do El Clip 

No início, usava muito o Twitter, mas atualmente, uso bem mais o Instagram.

Depois do Musk, piorou muito, perdemos o selo de verificados, e agora há muitos perfis que não sabemos se são falsos ou não, muitas vezes anônimos, com dezenas de milhares de seguidores. Também caiu muito meu alcance, e às vezes do nada eu perdia mil ou dois mil seguidores. 

Não sei se o Twitter mais atrapalhava que ajudava. Porque virou uma terra sem lei, onde tudo se ignorava e era permitido, como se todos os países seguissem a lei americana.

Nesse ano, fui ameaçada, em uma campanha de ódio que começou dentro do X, e os perfis que fizeram isso nem sequer sofreram punição. Ficar ali se tornou um desafio, porque era necessário conviver com o esgoto.

Emanuelle Bordallo, repórter de política internacional de O Globo

Hoje,o Twitter é uma fonte de apuração e informação muito importante para quem trabalha com política internacional. Muitos chefes de Estado e autoridades falam no X antes de ter outros comunicados oficiais. Muitos breaking news vêm da plataforma. Sem ela, acabamos no escuro, fazer apurações fica bem mais complicado.

Sem o X, perde-se também um canal que ajudava as matérias a alcançarem um público que consome notícia por meio da rede, já que sempre replicávamos as notícias por lá. A proposta da plataforma de servir como uma praça pública digital alimentava a conversa sobre as produções, mesmo que fossem com críticas, o que é do jogo também. 

Pedro Daltro, roteirista do podcast Medo e Delírio em Brasília

Estou achando bom não estar mais lá. O Twitter era um hospício, e o Bluesky é parecido. Estou postando lá e tendo muita repercussão.

No trabalho, dá para se virar sem: o que rodava lá dá, consigo encontrar em outros lugares. Para o podcast, era bom para buscar cortes de vídeos, mas os encontrarei em outro lugar. 

De forma geral, estou achando bom para a sanidade mental. O Twitter já era ruim antes do Musk, e depois ficou pior.  Minha vida está melhor sem essa ansiedade de ver o que está acontecendo o tempo todo.

Sérgio Spagnuolo, fundador e editor do Núcleo Jornalismo

Eu acho que não vai afetar em nada o jornalismo e nem o meu trabalho. O Twitter ainda era muito relevante para espalhar desinformação, mas sua utilidade e alcance jornalísticos já tinham caído muito.  

Houve uma coincidência com o bloqueio: nós do Núcleo íamos anunciar o fechamento da nossa página do Twitter nessa semana. Bloquearam na sexta e íamos anunciar na quarta (3 de setembro) o fechamento.

Não queremos investir mais nessa rede, por motivos de alcance e investimento, mas também morais. Era uma rede que não tinha mais apreço pela informação e sim pela disseminação de ideias que podem ser discurso de ódio.  Então não queríamos estar lá por motivos profissionais e morais. 

Tem outros canais de divulgação, o Google é muito mais importante. Há também o Threads, o LinkedIn, o Bluesky.  

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