Diferentes iniciativas jornalísticas ou relacionadas ao jornalismo apresentaram seus avanços, aprendizados e projetos futuros durante um painel intitulado "Sessão relâmpago: lições e casos inovadores" no 16º Colóquio Ibero-Americano de Jornalismo Digital, em 16 de abril.
A inteligência artificial é um tema com que a equipe do Chequeado, na Argentina, sempre trabalhou. No entanto, o progresso na área trouxe novos desafios particulares para o veículo especializado em verificação de fatos, explicou Pablo Fernández, diretor-executivo e jornalístico do Chequeado.
Segundo a análise da equipe, ficará cada vez mais difícil – tanto para especialistas quanto para não especialistas – diferenciar quais imagens são verdadeiras, e isso pode levar o público a uma incerteza constante sobre o que é real e o que não é. Fernández compartilhou algumas das estratégias do Chequeado: primeiro, eles sempre experimentam as ferramentas que estão surgindo, como Dall-E, ChatGPT ou Synthesis. Além disso, participam da discussão pública para saber o que está acontecendo e estão presentes em todas as plataformas.
“Temos que aprender tão rápido [quanto a inteligência artificial]. E como fazemos para aprender: lemos, verificamos nós mesmos e vemos o que está acontecendo”, disse Fernández, que acrescentou que todo esse trabalho tem como objetivo final educar o público.
A experiência da Sembramedia com mídia nativa digital permitiu a Florencia Aza, diretora da iniciativa de estratégias da organização, compartilhar três lições que podem melhorar a operação de empreendimentos jornalísticos.
A primeira delas é que embora a pessoa fundadora deva arcar com todas as responsabilidades, a verdade é que o meio de comunicação deve funcionar como qualquer organização com processos e papéis claros e, principalmente, com um plano de trabalho. O dinheiro é a chave para fazer o veículo funcionar, mas Aza explicou que a organização também precisa de humanidade. Na Sembramedia, disse ela, eles têm se preocupado em criar comunidade e dar suporte quando necessário. Por fim, garantiu que, embora o modelo de negócios deva liderar a empresa, a mídia deve trabalhar em outras quatro áreas: desenvolvimento de audiência, inovação e tecnologia, gestão e liderança.
Aza encerrou sua apresentação com duas descobertas do estudo "Ponto de inflexão" (“Punto de Inflexión”) da Sembramedia relacionadas à sustentabilidade dos meios. Segundo ele, a incorporação de pessoas especializadas em outras áreas como vendas, marketing e inovação e tecnologia representa maiores receitas. Meios de comunicação com vendedores especializados tiveram de cinco a nove vezes mais receita do que aqueles sem. O estudo também constatou que veículos de mídia com um especialista em tecnologia e/ou inovação tiveram três vezes mais receita mesmo se não tivessem alguém responsável pelas vendas.
“É super necessário começar a diversificar essas funções, incorporar outros setores, como vendas e marketing, e ensiná-los o que precisamos como meio”, disse Aza.
De Honduras, Catherine Calderón, co-fundadora da Contracorrente, falou de forma geral sobre as linhas de pesquisa do veículo e o que já foi conquistado nos seis anos desde a sua criação. A equipe da Contracorriente foi pensada desde o início como repleta de diversidade, tanto em termos de gênero como de idade. Justamente por querer atingir a maior audiência, a Contracorriente se aventurou em quase todas as plataformas e redes sociais (Twitter, Whatsapp) e em todas as linguagens jornalísticas: vídeo, áudio, texto e até infográficos e memes.
Um de seus primeiros especiais foi sobre as eleições de 2017, nas quais foi candidato Juan Orlando Hernández, ex-presidente que agora está preso em Nova York acusado de tráfico de drogas.
“Foi quando entendemos que nossa visão estava muito bem escrita, porque estávamos apostando em criar uma nova geração de jornalistas e contadores de histórias em Honduras, porque não queremos nos ver como um meio que faz jornalismo. Estamos documentando a história”, disse Calderón.
Além desses especiais, Calderón destacou duas alianças: com a Redacción Regional e com o Centro Latino-Americano de Investigação Jornalística. O objetivo é poder narrar a história não só de Honduras, mas também da América Central. Por fim, ela destacou a participação do público no meio como tal: o público escreveu 23 artigos, 44 matérias inéditas e 14 crônicas. Tudo com apoio editorial da equipe da Contracorriente.
Com uma perspectiva diferente, Fernando Díaz falou sobre o Newspack, uma plataforma WordPress de código aberto composta por 24 engenheiros. Lançado em 2019, Díaz explicou que o Newspack busca ajudar os meios de comunicação não apenas em um processo de construção editorial, mas também com aplicativos que permitam melhorar a sua receita.
Díaz destacou que buscam dar aos meios de comunicação ferramentas para criar conteúdo, criar processos de doação e gerenciar o engajamento do público, entre outras estratégias para promover a sustentabilidade. Atualmente a ferramenta trabalha com 200 meios em nove idiomas. Desses, mais de 15 são em espanhol ou português, e garantiu que neste ano estarão vinculados a veículos como Insight Crime, La Silla Vacía e Efecto Cocuyo.
“Estamos aprendendo muitíssimo com os desafios que vocês [da mídia] enfrentam, não apenas em questões de obstáculos como como pagar ou como receber doações, mas também em temas como bloqueios”, explicou Díaz, que acrescentou que, sobre este tema, eles estão aprendendo a usar sites-espelho para evitar bloqueios. "Então estamos dispostos, muito interessados em poder continuar expandindo e ajudando a mídia na América Latina."
Summer Harlow, professora da Universidade de Houston, falou sobre sua pesquisa e livro focado na mídia nativa digital latino-americana. Para Harlow foi interessante analisar esses meios porque, embora fossem diferentes da mídia tradicional, também não poderiam ser apontados como mídias-ativistas.
Essas mídias nativas digitais se caracterizam por cobrir temas esquecidos ao publicar as vozes de comunidades indígenas, mulheres, comunidade LGBT, entre outras. Eles são especialmente críticos, disse Harlow, entre outras razões porque não dependem financeiramente de governos ou grandes empresas. Em vez disso, apontou Harlow, eles criaram outras maneiras "interessantes" de obter recursos: crowdfunding, programas de membros, venda de objetos (camisetas, documentários, etc.), eventos e até falou de um veículo que tem um café.
Outro tema interessante é a relação que esses meios têm com a audiência, o que leva a um uso mais inovador das redes sociais, e a identidade dos jornalistas que fazem parte desses meios. “Eles dizem 'nós somos jornalistas, mas estamos fazendo algo diferente, estamos fazendo um jornalismo melhor, estamos fazendo um jornalismo diferente'. Mas eles dizem que, mesmo que seja diferente, embora seja melhor, não é ativismo, mas ao mesmo tempo eles estão dizendo 'estamos fazendo algo que defende os direitos humanos e tentamos mudar o mundo'.
O Factchequeado, iniciativa da Maldita.es e Chequeado focada na verificação de dados para o público hispânico e latino nos Estados Unidos, também esteve presente no Colóquio. De volta à cena, Pablo Fernández falou sobre o que foi alcançado no primeiro ano do Factchequeado, lançado por coincidência no Colóquio de 2022. Por exemplo, disse que passaram de sete aliados para 44.
Segundo Fernández, além de aumentar seus aliados – aqueles que republicam as verificações feitas pela iniciativa –, verificações da iniciativa também foram republicadas por mídias mais tradicionais, como The New York Times, CNN, Washington Post, entre outras.
Para alcançar seu impacto, eles contam com o WhatsApp, “porque é onde o público está”. Para este ano e às vésperas das eleições nos Estados Unidos, seu principal objetivo é conseguir mais aliados, principalmente nos estados do centro do país, onde suas verificações quase não chegam. Da mesma forma, buscam gerar conhecimento por meio de pesquisas que lhes permitam compreender o fenômeno da desinformação nos Estados Unidos e oferecer melhores alternativas à comunidade. Por fim, o Factchequeado treina seus aliados para que tenham "os anticorpos" para enfrentar a desinformação.
Luis Martínez do Observatório Mexicano de Medios, por sua vez, explicou como a partir desta iniciativa, ao contrário de determinar o que é verdade, eles focaram uma parte de seu projeto em identificar os meios de comunicação que estão desinformando. Por meio de um estudo de 1.400 meios digitais no país e um diagnóstico baseado em mais de 30 variáveis, o observatório classifica as mídias como impostoras, propagandistas, explicadoras, entre outras categorias.
Martínez destacou que o objetivo não é acusar os veículos de serem falsos, mas sim reconquistar a confiança da audiência.
“Precisamos revalorizar os meios de comunicação, precisamos que eles sejam valorizados e, por outro lado, também precisamos que as audiências e os meios de comunicação administrem melhor suas técnicas. Por outro lado, que o público também entenda o valor que implica fazer uma notícia”, disse Martínez.
Além da crise de credibilidade por parte da audiência, a indústria jornalística também vive uma crise da nova geração de jornalistas: eles não veem futuro em meio a essa falta de confiança, insegurança no trabalho e até violência por parte de sociedades polarizadas. Assim explicou Jordy Meléndez, co-diretor da Factual e da Rede Latam de Jovens Jornalistas.
“Na Factual acreditamos que é possível transformar a indústria a partir de dentro. E também estamos muito convencidos de que não estamos apenas em uma disputa por atenção. […] Não é só contra outros meios. Acho que isso é verdade, mas também lutamos pela confiança”, disse Meléndez.
Por esse motivo, a Red Latam busca promover os talentos jovens da região, por meio de treinamentos, bem como por processos de jornalismo colaborativo que levaram a investigações premiadas internacionalmente. A rede também busca “combater uma indústria precária”. A Factual, em aliança com outras organizações, contratou 104 jornalistas para diferentes projetos investigativos e 12 fazem parte do núcleo da Factual.
O painel encerrou com um tema que deve ser transversal a qualquer iniciativa: saúde mental. “Tenho que dizer a eles que, se não cuidarmos de nós mesmos, não haverá mais jornalismo”, disse Mar Cabra, co-fundadora da iniciativa The Self Investigation, que busca promover uma cultura saudável nas redações.
Cabra contou sua experiência: depois de ser uma jornalista muito ativa e de seu trabalho com o Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo que a levou, junto com outros colegas, a receber o Prêmio Pulitzer por seu trabalho com os Panama Papers, ela percebeu que não aguentava mais.
“No final, [meu corpo] teve que tirar o poder da mente e da paixão de mim. Não faço jornalismo desde que parei em 2017, desde que tive que parar. E gostaria, ao ouvi-los, que não acontecesse o mesmo com vocês”, afirmou. “O futuro do jornalismo precisa de jornalistas saudáveis. E é isso que fazemos na fundação [...] para apoiar todos vocês”.
Cabra vê como positivo que o jornalismo esteja passando por uma revolução para atender a saúde mental como deveria, mas ainda é preciso mais. Ela fez um chamado para usar as ferramentas disponíveis, algumas gratuitas, por meio de sua iniciativa e de cursos como os ministrados no Centro Knight e disponíveis em sua plataforma de ensino a distância.
“Agora só me resta uma coisa muito importante: não se esqueça que há algo gratuito que você pode fazer a qualquer momento: parar, mesmo que por apenas alguns minutos. Não se esqueça de fazer pausas, porque é muito importante”, concluiu.