O Brasil tem 5.390 veículos online ativos, segundo a mais recente edição do Atlas da Notícia, que mapeia o jornalismo local no país. Até o momento, porém, não é possível saber quais deles estão de fato comprometidos com seu público e, consequentemente, com a qualidade da informação que veiculam. Uma nova iniciativa pretende acrescentar uma camada de verificação ao mapeamento do Atlas, certificando meios de notícias online brasileiros com base em indicadores de transparência e credibilidade.
O Programa de Indicadores de Compromissos com o Público foi anunciado em setembro pelo Projor – Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo, que realiza o Atlas da Notícia desde 2017. Pesquisadores do Atlas vão avaliar a conformidade de sites de notícias com 11 indicadores que, segundo o Projor, representam os compromissos desses meios com o público.
Sérgio Lüdtke, presidente do Projor, disse à LatAm Journalism Review (LJR) que o novo programa responde a uma necessidade que jornalistas e pesquisadores manifestaram à equipe que realiza o Atlas.
“Há algum tempo as pessoas nos cobram sobre o nível de qualificação das organizações listadas no Atlas, quem faz bom jornalismo e quem não faz. Não é fácil fazer avaliação de conteúdo, e nem é o objetivo do Atlas”, disse ele. “Temos falado muito nos desertos de notícias, onde não há o jornalismo, mas o jornalismo é muito precário onde ele está. Não podemos só dar atenção para onde ele não está sem pensar em melhorar onde ele já está instalado.”
A partir de um recurso disponibilizado pela Google News Initiative no ano passado, Lüdtke e a equipe começaram a trabalhar na ideia de avaliar a transparência e a credibilidade dos veículos mapeados.
“Chegamos à conclusão de que o melhor seria tentar identificar alguns indicadores que demonstrassem compromissos dos veículos com suas audiências, com suas comunidades de leitores. Começamos a pesquisar e avaliar que indicadores seriam esses, que critérios poderíamos utilizar”, contou Lüdtke.
Eles determinaram então 11 indicadores de compromisso dos meios com o público, que consistem na presença das seguintes informações ou características nos sites de notícias:
Os meios avaliados que contarem com pelo menos oito desses 11 indicadores vão receber um selo de conformidade com o programa, que poderá ser estampado nos sites. Esse selo terá um link associado para a página do meio no site do Atlas da Notícia, que vai detalhar os indicadores com os quais o veículo está em conformidade.
Segundo o regulamento do programa, o selo terá validade de um ano, e o Projor fará anualmente a revisão da conformidade de cada site. O meio também poderá solicitar a qualquer momento uma revisão de sua adesão aos indicadores.
O Projor publicou um Manual de melhores práticas para os Indicadores de Compromissos com o Público, que descreve os indicadores e oferece sugestões sobre como os sites de notícias podem implementá-los.
“Se os veículos adotarem essas práticas, teremos uma evolução na transparência em relação aos seus processos, o que é um ganho para o ecossistema online de notícias”, disse Lüdtke.
A primeira fase de avaliação do programa já começou e pretende analisar os meios online afiliados à Associação de Jornalismo Digital (Ajor), à Associação Nacional de Jornais (ANJ) e à Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner). No fim de novembro, o Programa pretende publicar uma pesquisa com dados sobre as primeiras avaliações.
Até o momento, segundo Lüdtke, o indicador com menos conformidade entre os sites de notícias avaliados é a acessibilidade.
“Os veículos têm menos atenção para esse ponto da acessibilidade, que é importante. Se conseguirmos fazer com que eles apliquem algumas mudanças que melhorem a acessibilidade do site, já é um ganho para uma parcela muito grande dos leitores”, disse ele.
A equipe do Projor consultou a Ajor, a ANJ e a Aner para determinar os indicadores e também os critérios de elegibilidade para meios serem avaliados pelo programa.
“Um site que produz desinformação, por exemplo, que simule conteúdo noticioso, poderia cumprir com todas as conformidades, mas colocamos alguns obstáculos”, disse Lüdtke. “Por exemplo, se o veículo foi alvo de alguma checagem de uma agência vinculada ao IFCN [International Fact-Checking Network] nos últimos dois anos, ou se a maior parte do conteúdo que ele publica não é original, ele não pode receber o selo.”
Embora os indicadores não atestem a qualidade do conteúdo veiculado pelos sites de notícias, eles evidenciam o compromisso com o público e, indiretamente, com a integridade da informação, disse Lüdtke.
“O fato de um veículo declarar seus princípios, mostrar seus processos, quem faz parte da equipe, suas políticas de correção de erros, e deixar isso público e oferecer a possibilidade de ser cobrado pelo leitor é um indicativo muito forte de que o veículo tem um compromisso com o leitor”, disse ele. “Se tem compromisso com o leitor e declara isso, também tem um compromisso com uma qualidade mínima na produção do conteúdo que veicula.”
Marcelo Rech, presidente da ANJ, disse à LJR que a associação “apoia todas as iniciativas sérias e independentes que vão na direção de identificar ou certificar o jornalismo profissional”.
Rech, que participou da elaboração do Programa de Indicadores, disse que “é cada vez mais necessário diferenciar o que é jornalismo profissional de outras substâncias pseudoinformativas que vêm surgindo nos últimos 15 anos”.
“O jornalismo vem sendo muito contestado e atacado, muitas vezes não só pelos seus erros e equívocos, mas porque há muita gente se mimetizando no ambiente jornalístico para obter vantagens políticas e econômicas”, disse Rech.
Ele disse que a iniciativa é importante no contexto dos debates sobre a remuneração do jornalismo pelas plataformas de tecnologia. Segundo Rech, um dos argumentos das plataformas para não aceitaram a reivindicação de remuneração é justamente o questionamento sobre quais são as organizações que de fato produzem jornalismo.
“É uma dúvida legítima e um questionamento que exige de nós, entidades e movimentos profissionais, uma certificação, uma clarificação” sobre o que os pares consideram jornalismo profissional, disse ele.
Lüdtke também disse que o Programa de Indicadores pode ser uma referência para instituições financiadoras, anunciantes e para a definição de políticas públicas que beneficiem o jornalismo.