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Como uma mulher indígena de Oaxaca usou seu podcast para ajudar outras a denunciar violências

Nayelli López Reyes tem 27 anos e é tecelã, instrutora e ativista dos direitos indígenas da pequena comunidade de San Martín Itunyoso, no estado mexicano de Oaxaca. Há anos ela ansiava para se manifestar contra a violência sofrida pelas mulheres em sua comunidade.

Então, quando soube em 2021 que o Spotify México estava aceitando inscrições de mulheres que queriam contar suas histórias, ela decidiu tentar.

“Enviei a inscrição no último minuto, no último dia”, disse López Reyes à LatAm Journalism Review (LJR). “Achei que não conseguiria entrar, mas um mês e meio depois fui selecionada.”

Como resultado desse programa, nasceu Guii Chanaa/Mujeres Valientes, uma série em seis partes narrada em espanhol e no idioma indígena triqui.  López Reyes e outras mulheres de San Martín Itunyoso contam sobre as várias formas de violência que sofreram ao longo de suas vidas e criticam o costume de vender mulheres para casamento, que ainda está em vigor.

O podcast ganhou o Prêmio Gabo na categoria áudio no Festival Gabo 2024 em Bogotá. De acordo com a ata do júri, o podcast se destacou por seu retrato autêntico e cru da violência sexual contra as mulheres nessa comunidade indígena e por sua produção impecável e minimalista.

Em sua narração durante o podcast, López Reyes explica por que escolheu o título Guii Chanaa/Mujeres Valientes. Essa frase significa em espanhol “mulheres que tecem” e é um dos primeiros ofícios aprendidos pelas meninas dessa comunidade indígena.

Elas começam tecendo primeiro guardanapos e depois o huipil, um traje tradicional.  Graças à tecelagem, muitas dessas mulheres conseguem sustentar a si mesmas e a seus filhos depois de deixarem casamentos abusivos.

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Em Guii Chanaa/Mujeres Valientes, mulheres de uma pequena cidade de Oaxaca contam suas histórias de sobrevivência e se manifestam contra o casamento forçado de meninas. (Foto: Oronda Studio)

Romper o silêncio é muito difícil e as mulheres que contaram suas histórias são corajosas, disse López Reyes.

“Somos como o tear”, disse ela. “Viemos com nossas vidas tecendo nossas histórias como o tear que carregamos em nossas mãos.”

No podcast, há testemunhos de mulheres de diferentes idades: meninas de 13 anos que têm de se entregar em casamento, mulheres que tiveram de retornar à sua comunidade pedindo perdão, embora tenham sido elas as abusadas e abandonadas por seus maridos, e avós tentando entender que as novas gerações querem viver uma vida diferente.

“Sei que é um podcast comovente e triste. Mas, ao mesmo tempo, ele nos dá esperança”, disse López Reyes. “Ele faz você refletir e questionar esses costumes de violência.”

 

Por trás do microfone

 

Ao ser selecionada pelo programa Sound Up do Spotify México, López Reyes recebeu apoio do Spotify e da produtora mexicana Oronda Studio. Ela passou seis meses aprendendo sobre roteiro, edição, produção e outras ferramentas. Em seguida, trabalhou com a Oronda Studio por três meses para criar um roteiro de pré-produção, explicou Manuela Walfenzao, cofundadora da Oronda Studio e uma das produtoras do podcast.

Os depoimentos foram gravados na própria comunidade de San Martín Itunyoso, nas casas das entrevistadas e em um abrigo local que cedeu seu espaço para algumas das gravações.

De acordo com o que Walfenzao contou à LJR, obter os depoimentos não foi difícil, mas trabalhar em espanhol e triqui ao mesmo tempo foi. Primeiro, elas encontraram um homem que havia trabalhado como tradutor entre os dois idiomas. Mas hesitaram em contratá-lo, pois as histórias eram de violência perpetrada por homens contra mulheres em uma cidade muito pequena.

Portanto, a equipe decidiu que era melhor que a tradução fosse feita por Gabriela Reyes, irmã de Nayelli, que é fluente nos dois idiomas e também foi treinada em questões de direitos indígenas.

As entrevistadas podiam optar por contar suas histórias em espanhol ou triqui, e Gabriela traduzia as entrevistas nos estúdios da Oronda na Cidade do México.

Gabriela lia a transcrição da entrevista em espanhol e a traduzia em voz alta para o triqui, já que esse idioma é falado e não escrito, explicou Walfenzao. Do triqui para o espanhol, a entrevista podia ser traduzida para a escrita e, em seguida, Gabriela a lia em voz alta.

Depois disso, o pós-produtor de áudio juntava as traduções frase por frase, explicou Walfenzao.

“O sistema era um pouco maluco”, disse Walfenzao à LJR.

 

Reação da comunidade

 

San Martin Itunyoso fica em na região oeste de Oaxaca e tem serviços telefônicos e de internet precários. Assim, as produtoras do podcast organizaram sessões de audição na comunidade, convidando familiares e amigos das entrevistadas.

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O podcast ganhou o Prêmio Gabo de áudio no Festival Gabo 2024 em Bogotá. (Foto: Secretaria de Cultura de Bogotá).

“A maioria das pessoas da comunidade não sabia o que era Spotify”, disse López Reyes.

As reações têm sido geralmente positivas, disse ela. No entanto, ela relatou ter recebido algumas mensagens intimidadoras no Facebook, especialmente depois de ter sido nomeada como uma das “31 mulheres que amamos” pela revista mexicana Quién.

“Disseram que eu havia exposto a comunidade, que o que eu disse no podcast era mentira”, disse ela. “Houve um pouco de ataque nssa parte, mas a maioria era de perfis falsos ou anônimos.”

Depois que o podcast foi publicado, outras mulheres indígenas mexicanas quiseram compartilhar suas histórias para fazer uma mudança em suas comunidades. López Reyes disse que quer fazer uma segunda temporada de Guii Chanaa/Mujeres Valientes e continuar defendendo os direitos de sua comunidade.

“Continuarei a trabalhar com mulheres e a contar suas histórias”, disse López Reyes.  “Não sou jornalista, mas esse podcast me tornou uma pesquisadora e a jornada está apenas começando.”

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