O tamanho do público da mídia tradicional — como televisão, jornais impressos e sites de notícias — segue em queda, enquanto crescem as audiências de criadores de conteúdo e a dependência de plataformas de redes sociais e vídeo, indica o novo relatório sobre mídias digitais do Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo.
O relatório também destaca o surgimento dos chatbots baseados em inteligência artificial generativa (IA) como uma nova forma de acesso à informação, especialmente entre os mais jovens.
“Está claro que isso se tornará uma forma importante (e disruptiva) de consumir notícias”, disse à LatAm Journalism Review (LJR) o jornalista Nic Newman, autor do relatório.
O estudo, agora em sua 14ª edição anual, foi encomendado pelo Instituto Reuters para compreender o panorama da mídia em diversos países. A pesquisa foi conduzida pela empresa YouGov, por meio de um questionário online respondido entre o fim de janeiro e o início de fevereiro de 2025 por uma amostra significativa de pessoas em seis continentes e 48 mercados.
A LJR resume aqui as conclusões do relatório sobre a indústria da mídia e o consumo de notícias na América Latina. Em relação à região, o estudo abrange Argentina, Brasil, Colômbia, Chile, México e Peru.
Uma das principais conclusões do relatório é que, enquanto a mídia tradicional está em declínio, fontes alternativas — como as plataformas de vídeo — estão em alta. O formato é utilizado por influenciadores, veículos tradicionais e até políticos.
Na Argentina, por exemplo, o vídeo online ao vivo, que mistura informação e entretenimento, disparou durante a pandemia e continua crescendo. No país, 8% dos entrevistados citaram o canal Luzu TV como fonte de notícias — ele tem mais de 2 milhões de inscritos no YouTube.
No Brasil, jornais como Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo vêm investindo em videocasts quinzenais e até diários, acumulando milhões de visualizações.
Na Colômbia, o consumo de notícias via redes sociais tem crescido especialmente no TikTok (27%), um aumento de 5 pontos percentuais em relação ao ano anterior. O mesmo ocorre no Peru, onde o uso da plataforma aumentou 6 pontos percentuais no último ano.
No México, apresentadores de TV e colunistas de jornais vêm construindo audiências próprias no YouTube. Dois exemplos são o influente programa diário Sin Máscaras, apresentado pelo jornalista Manuel Pedrero, de 22 anos, e o Sin Embargo, canal associado ao portal digital de mesmo nome, com 2,25 milhões de inscritos. Os principais jornalistas do Sin Embargo, Álvaro Delgado e Alejandro Páez, também têm presença frequente no Canal Once, o principal canal público do país.
“A dependência das redes sociais é alta em toda a região, e os veículos tradicionais têm presença digital bastante fraca”, disse Newman. “Vemos políticos tentando estabelecer uma conexão direta com o público por meio das redes e de coletivas de imprensa transmitidas ao vivo. Ao mesmo tempo, criticam a mídia tradicional — ou, ao menos, aquela que faz perguntas difíceis”.
A confiança global no jornalismo (40%) permanece estável há três anos. Nos seis países latino-americanos analisados, a média regional de confiança é de 36,3%. Nenhum país apresentou melhora no índice: Peru e Chile mantiveram seus níveis; os demais caíram — Brasil (-12 pontos), Colômbia (-8), Argentina (-4) e México (-1).
“No início dos anos 1990, o jornalismo gozava de muito prestígio, e era raro desconfiar do que se publicava”, disse à LJR Abel Escudero Zadrayec, consultor do Reuters Institute e tradutor do relatório para o espanhol. “Hoje, vivemos quase o oposto. Independentemente do contexto — econômico, tecnológico, educacional — os jornalistas precisam encarar a manchete que nos cabe: ‘Estamos fazendo algo muito errado’”.
Ainda assim, o relatório mostra que o público recorre à mídia tradicional quando precisa confirmar o que aconteceu e verificar se uma informação é verdadeira. Na maioria dos países da América Latina, quando se trata de notícias de última hora, a confiança do público é maior na mídia tradicional do que em influenciadores. No Brasil, por exemplo, as fontes mais consultadas foram Globo (Jornal Nacional, G1), Band, Record e CNN Brasil.
“Confiar não é o mesmo que consumir”, disse Newman. “As pessoas consomem conteúdos por vários motivos, inclusive entretenimento — e, nesse caso, a precisão pode importar menos do que em temas como política ou conflitos”.
Pela primeira vez, o relatório abordou o uso de chatbots de IA. Em geral, o público permanece cético quanto ao uso de IA no jornalismo e prefere a supervisão humana. Atualmente, 7% das pessoas no mundo e 6% na América Latina dizem usar chatbots de IA generativa — como o ChatGPT — para acessar notícias. Mas entre pessoas com menos de 25 anos, esse número sobe para 15% globalmente.
“O que ainda não está claro é como as pessoas estão usando esses recursos para consumir notícias”, disse à LJR Amy Ross Arguedas, pesquisadora do Instituto Reuters e uma das autoras do relatório. “Elas estão pedindo as principais manchetes do dia? Ou querem mais detalhes sobre uma história específica?”
O relatório também mostra que muitos veículos estão testando a IA para personalizar melhor o conteúdo. Na Colômbia, por exemplo, a tecnologia está sendo usada para atrair audiências, monetizar conteúdos e criar ferramentas que facilitem o acesso à informação e a checagem de fatos.
No Brasil, o uso de IA pelas redações inclui desde tradução e transformação de textos em vídeos curtos até a geração de insights a partir de grandes volumes de dados não estruturados. Grupos como o Estado e a Globo já publicaram diretrizes sobre o uso da tecnologia, reforçando que a supervisão humana deve ser constante.
A mídia na América Latina também vem sendo impactada pela suspensão recente de fundos dos EUA, o que a força a diversificar suas fontes de receita.
O mercado de assinaturas digitais ainda enfrenta dificuldades. A proporção de pessoas que pagam por notícias não ultrapassa 18% na região, segundo o relatório. O Peru tem a maior taxa (18%) e o Chile, a menor (10%).
Na Argentina, apenas 11% dos entrevistados relataram pagar por notícias online em 2025. Os sites mais acessados — como Infobae e o canal de notícias a cabo TN — não oferecem modelos de assinatura paga.
No México, alguns meios vêm adotando modelos híbridos de financiamento. O El Universal, jornal mais antigo do país, combina assinaturas impressas com conteúdo digital premium (El Universal Plus) e publicidade online.
Para Newman, o desafio atual é lidar com a redução do financiamento externo. Isso impactará especialmente as pequenas organizações, que terão de buscar formas ativas de diversificar suas receitas, disse ele.
“A maioria das pessoas não está disposta a pagar por notícias online, mas uma parcela está — especialmente quando se trata de conteúdo diferenciado, que consideram valioso”, afirmou Newman. “A transição para o pagamento direto levará tempo e não será viável para todos”.