Em uma já cerimônia tradicional que celebra o melhor do jornalismo latino-americano, foram entregues os Prêmios Gabo 2019, na noite de 3 de outubro no âmbito do Festival Gabo realizado em Medellín, Colômbia.
Os trabalhos publicados em meios de Cuba, México, Venezuela e Estados Unidos foram selecionados como os melhores nas categorias Texto, Cobertura, Inovação e Imagem, entre 1.730 inscrições e 12 finalistas.
A reportagem “La sangre nunca fue amarilla”, de Mónica Baró Sánchez e publicado no site Periodismo de Barrio de Cuba, foi a vencedora na categoria Texto. O artigo, após dois anos de reportagem, trata de um caso de envenenamento em um bairro de Havana que, apesar de ter começado nos anos 1950, apenas no final de 2006 começou a aumentar a conscientização.
“É uma proposta com pulso narrativo que recupera e reivindica o direito do jornalismo a investir tempo na sua história, numa época em que perdemos esta capacidade, submetidos às métricas e à produtividade examinadas com lupa”, disse o júri do Prêmio Gabo. “O texto apresenta uma sobreposição de imagens que revelam a dimensão de um desastre ambiental e de saúde, sem esquecer de recriar as ruas de Havana, oferecendo assim um cartão postal completo da ilha, sem acentuar o drama dos países apresentados pela burocracia e o constante cerco à liberdade de imprensa”.
Ao receber seu prêmio, Baró agradeceu à organização “por destacar com este prêmio que em Cuba também fazemos jornalismo independente e de qualidade”.
O trabalho de reportagem de um ano e meio de um grupo de jornalistas independentes no México venceu na categoria Cobertura, com “El país de las dos mil fosas”, publicado em A dónde van los desaparecidos – Quinto Elemento Lab.
A investigação "inédita", de acordo com o prêmio, mostra a magnitude das sepulturas clandestinas no México entre 2006 e 2016, no contexto de uma estratégia estatal chamada "Guerra às drogas". O grupo de jornalistas identificou uma falta de informações confiáveis sobre as descobertas desses túmulos e corpos.
“Assim, eles mostram para o mundo uma realidade que estava oculta no subsolo, dissolvida em ácido, carbonizada, lançada nos rios e que se refere aos piores momentos que a humanidade viveu. O jornalismo cumpre assim as funções que o poder público não quis ou não soube cumprir, e, ao contrário, tratou de encobrir”, determinou o júri. “Este trabalho permite que milhares de parentes de pessoas desaparecidas que procuram seus entes queridos tenham algumas informações para encontrá-los. Isso lhes permite reivindicar justiça. ”
“Contar histórias não é mais suficiente. É necessário ajudar a entender o horror e evitar o esquecimento”, disse Marcela Turati, uma das jornalistas que coordenou o trabalho, ao receber o prêmio. “Este trabalho é um esforço para evitar que os mortos pela violência sejam simplesmente números”.
Junto a Turati trabalharam na investigação Alejandra Guillén, Mago Torres, David Eads, Erika Lozano, Paloma Robles, Aranzazú Ayala, Alejandra Xanic, Queso y Mónica González Islas, Gilberto Lastra, Mayra Torres, Juan Carlos Solís, Ana Ivonne Cedillo, Gabriela De la Rosa, Sandra Ley, Pedro Pardo, Félix Márquez, Queso Rayones e Rafael del Río.
O trabalho “Mujeres en la vitrina, migración en manos de la trata – zonadivas.info” realizado pelos meios Pie de Página, Fusión y Enjambre Digital – do México – e El Pitazo, TalCual e Runrunes – de Venezuela – ganhou o prêmio na categoria Inovação.
A investigação é sobre o tráfico de mulheres no México e na Venezuela, cujo ponto de partida foi o assassinato de mulheres de origem venezuelana, argentina e mexicana envolvidas no portal zonadivas.com. Segundo o prêmio, portais como este "se beneficiaram da vulnerabilidade das mulheres migrantes para cooptá-las para as redes de tráfico". Após a investigação, foi revelado que os casos das mulheres assassinadas e desaparecidas estavam relacionados a Divas.
Para fins ilustrativos, a investigação tomou como referência o portal mencionado e criou zonadivas.info que mantém o estilo gráfico e as informações dos perfis que estavam lá. Atualmente, o site original está offline, mas sites semelhantes ainda funcionam.
“Mulheres na vitrine, Migração nas mãos do tráfico se destaca pela escolha de um formato audacioso, surpreendente e muito pertinente para contar a trama do tráfico e assassinato de mulheres pobres na América Latina”, indicou o júri. “O uso de uma interface que emula um dos principais locais de prostituição da região - projetado para estimular o desejo dos clientes - força um contraste com as trágicas histórias reveladas por este trabalho de pesquisa, perturbando e atraindo a atenção do público e mostrando que a experimentação foi uma das apostas da equipe”.
“A história é muito forte. Dar voz a todas essas mulheres que migram e que sofrem de abuso e violência”, disse Mónica González Islas, de México.
Junto a ela receberam o prêmio César Batiz (Venezuela), Jaled Abdelrahim Aranda (Espanha), Fernando Santillán (México), Jacobo Nájera (México), Lydiette Carrión (México), Sheyla Urdaneta (Venezuela), Gloria Betsabe Piña (México), Marco Antonio Gutiérrez (México), Landybel Pérez (México), Alfredo Domínguez (México), Amit Dorenbaum (México), Mario Báez (México), Diego Aguilar (México), Héctor Cárdenas (México), Marco Jasso (México), Hugo Muñoz (México), Edgar Villeda (México), Tatiana Cañón (Colômbia), Aida Quintanar (México), Beatriz Vernon (México), Alejandro Elizondo (México), Alejandro Meléndez (México), Javier García (México), Liz Gascón (Venezuela), Nadeska Noriega (Venezuela), Lorena Bornacelly (Venezuela), Alma Ariza (Venezuela), Elsy Torres (Venezuela), Andrea Tosta (Venezuela), Gabriel Batiz (Venezuela), Christian Mijares (Venezuela), Claudia Lizardo (Venezuela), Christopher Colmenares (Venezuela), Marian Piñango (Venezuela) e Alexis Navarro (Venezuela).
O especial multimídia bilíngue e documental de 42 minutos “America First: El legado de una redada migratoria”, publicado na Univisión (Estados Unidos), venceu na categoria Imagem.
Após um dos maiores operações anti-imigração da história dos Estados Unidos, que ocorreu há 10 anos em uma cidade do estado de Iowa, o trabalho visa contextualizar o aumento de prisões de pessoas não documentadas e ataques do governo de Donald Trump.
Essa operação deportou 389 migrantes, a maioria guatemaltecos. A equipe jornalística trabalhou por seis meses para verificar se, de fato, o objetivo dessa política é atingido, ou seja, que os empregos sejam direcionados aos americanos. No caso específico desta cidade, a empresa de carnes faliu, os empregos deixados pelos imigrantes nunca puderam ser preenchidos e só se pôde atenuar a situação quando os refugiados somalis chegaram “retornando à cidade ainda mais imigrantes do que há dez anos”.
“Se deve destacar de maneira específica a capacidade deste trabalho de levar sua narrativa a um ponto final, demonstrando, com base em onze anos de história, o resultado da luta contra a imigração, ou seja, os danos à economia dos EUA e a incapacidade de eliminar imigrantes legais e clandestinos”, afirmou o júri.
“Dedicamos este prêmio aos moradores de Postville, Iowa, uma comunidade dividida e restaurada que conseguiu lutar para reestabelecer a economia do seu povo”, disse Almudena Toral, da Espanha, durante a premiação.
Além de Toral, as outras pessoas autoras do trabalho foram Andrea Patiño Contreras (Colômbia), Mauricio Rodríguez Pons (Venezuela), Gerardo del Valle (Guatemala), Ronny Rojas (Costa Rica), Juanje Gomez (España), Ricardo Weibezahn (Venezuela), Anna Clare Spelman (Estados Unidos), Nacho Corbella (Argentina), José F. López (Colombia) e Selymar Colón (Porto Rico).
Durante a cerimônia, dois prêmios adicionais também foram concedidos. O reconhecimento pela excelência jornalística foi para o fotojornalista colombiano Jesús Abad Colorado. Por mais de 25 anos, Colorado retratou os rostos do conflito armado daquele país.
“O olhar aberto e pluralista de sua fotografia, o levaram a se converter numa testemunha da história recente e dolorosa do país [Colômbia], através de imagens que retratam os atores, momentos, lugares e eventos históricos do conflito armado”, afirmou o Conselho Gestor da Fundação Gabo na ata do julgamento de sua seleção.
Também foi dado o reconhecimento Clemente Manuel Zabala, concedido a um exemplar editor colombiano, e que desta vez foi para Luis Enrique Rodríguez, diretor do serviço alternativo da Rádio Caracol.
O Festival Gabo se realiza anualmente durante três dias em Medellín, Colômbia. Esta edição termina em 4 de outubro.