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Cultura do sigilo nos órgãos estatais é o principal obstáculo para o acesso à informação pública em Argentina e Brasil

Em matéria de transparência, o que os jornalistas argentinos querem é uma lei que lhes permita acessar livremente a informação pública e que as entidades do Estado cumpram e entreguem os documentos solicitados pela lei.

Foi o que explicou Juan Carlos Simo, jornalista membro do Foro de Periodismo Argentino (Fopea), durante o Fórum de Austin, organizado pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, da Universidade do Texas em Austin, nos dias 8 e 9 de novembro.

Embora não exista uma lei de transparência na Argentina, existe um decreto que descreve o acesso à informação pública como um "pré-requisito" para a participação cidadã. Contudo, são poucos os jornalistas que recorrem ao Decreto de Acesso à Informação Pública No 1172/03, assinado em 2003 pelo então presidente Néstor Kirchner, disse Simo, devido a sua pouca eficácia para conseguir a informação.

Muitas vezes os pedidos não são respondidos pelas entidades públicas, são respondidos parcialmente ou simplemente negados, com a justificativa de ser informação de caráter pessoal, uma das exceções contempladas no decreto, segundo Simo.

A constituição reconhece o acesso à informação pública ao se referir ao Pacto de San José de Costa Rica, e as 16 províncias do país têm uma norma especial para garantir o acesso à informação pública. Porém, elas não funcionam sempre.

Simo apontou que durante 2012, a Associação pelos Direitos Civis (ADC) e a Associação Civil pela Igualdade e a Justiça (ACIJ) realizaram um estudo sobre a efetividade do decreto presidencial de acesso à informação pública, que foi criado com o objetivo de fortalecer a relação entre o Estado e a sociedade civil. Do total de 93 pedidos de informação feitos pelas referidas associações  diversas entidades públicas, mais de 50% não forma atendidos, foram respondidos de maneira incompleta ou fora do prazo de 10 dias do decreto, sem justificativa alguma.

O jornalista contou também que há uma falta de vontade política por uma transparência ativa, citando como exemplo as declarações dadas pela presidente argentina Cristina Fernández na única conferência que deu em 2012, dirigida a estudantes universitários de Harvard e Georgetown, nos Estados Unidos. Ela disse: “eu tenho que governar, não é uma obrigação presidencial fazer coletivas de imprensa todos os dias, para isso tenho meus porta-vozes”.

Fopea promove diversas campanhas em prol do direito à liberdade de informação e de expressão. A mais recente foi nas redes sociais #infoendemocracia no marco das eleições legislativas deste ano na Argentina, que buscou comprometer os novos legisladores a velar por estes direitos democráticos e por maior transparência nas políticas do Estado.

Simo citou as declarações dadas recentemente por Ramiro Álvarez Ugarte, diretor da área de Acesso à Informação de ADC, sobre o decreto presidencial em questão: “qualquer regulação que seja inferior a uma lei que crie uma entidade de aplicação autônoma e independente não é suficiente para desestruturar a cultura do sigilo que impera nas estruturas estatais”.o

Já no Brasil, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), fundada em 2002, começou uma campanha, com o respaldo de outras organizações, como o Centro Knight, para criar uma lei que permitisse el livre acesso à informação pública aos brasileiros. Depois de enfrentar diversos obstáculos entre parlamentares, a lei foi finalmente assinada pela presidente Dilma Rousseff em 16 de maio de 2012.

O jornalista brasileiro Fernando Rodrigues, membro da Abraji, destacou no Fórum de Austin que o positivo da lei é sua amplitude, porque abarca os níveis federais, municipais e estaduais do governo, incluindo os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Além disso, todas as empresas públicas estão obrigadas a cumprir a lei. Rodrigues informou que 80% dos pedidos de documentos públicos nos primeiros 18 meses da lei de acesso à informação foram atendidos.

O jornalista mostrou que três dos meios mais importantes do Brasil, O Globo, Estadão e Folha do Sao Paulo, têm utilizado a lei, citando como exemplo a reportagem sobre os dez anos do programa social Bolsa Familia publicada pelo O Globo. Com esta investigação foi possível observar, entre outras coisas, que meio milhão de beneficiários do programa Bolsa Familia já está na segunda geração e continua vivendo na pobreza, a maioria do nordeste do Brasil.

Todo isto a partir da interpretação e análise da lista de nomes de todos os inscritos no programa, obtida após 98 dias de espera, graças à lei de acesso, no Ministério de Desenvolvimento Social e Luta contra a Fome.

Nos primeiros 18 meses da lei, foram publicadas 802 histórias em 68 meios de comunicação em todo o país, com dados obtidos graças à LAI, observou Rodrigues. Os temas mais solicitados são os de caráter político, acrescentou.

O negativo da lei, concluiu Rodrigues, é que ainda existe pouca vontade política e cultural para cumpri-la, e isto é ainda pior nas entidades públicas das cidades menos desenvolvidas. Tampouco existe uma comissão independente que supervisione o cumprimento da lei nem uma campanha nacional que fomente seu uso.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog Jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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