Influenciar operações em guerras por meio de desinformação, o uso de conteúdo manipulado para aplicar golpes e a inclusão do português e de temas sobre desinformação no Brasil são as principais novidades da quinta edição da Cúpula Global sobre Desinformação.
O evento, que acontecerá nos dias 17 e 18 de setembro de forma virtual e com acesso gratuito, reunirá jornalistas, pesquisadores, tecnólogos, educadores e organizações de todo o mundo para debater, propor e agir contra a desinformação.
Pela primeira vez em sua história, a Cúpula será trilíngue, com tradução simultânea para o português, além do inglês e espanhol. Isso é possível graças à incorporação da plataforma brasileira de checagem de fatos Lupa como parceira estratégica.
A edição deste ano da Cúpula Global da Desinformação conta com a participação de palestrantes de mais de 40 países de cinco continentes. (Foto: Captura de tela do site da cúpula)
Esta colaboração faz parte das comemorações do décimo aniversário da Lupa e permitirá maior presença de painéis focados em temas de desinformação que afetam o Brasil, além de ampliar o alcance do público da Cúpula, disse Cristina Tardáguila, fundadora da Lupa e diretora adjunta da International Fact-Checking Network (IFCN).
"O Brasil é um país enorme, com muita gente, é um dos principais mercados consumidores de redes sociais, é um mercado que atualmente tem algum tipo de liderança no que se refere à regulamentação, é um mercado que tem muitos exemplos de polarização e uso avançado de inteligência artificial", disse Tardáguila à LatAm Journalism Review (LJR). "Então não havia justificativa para que o Brasil não tivesse um espaço onde pudesse ter protagonismo nas discussões mundiais sobre desinformação".
Tardáguila disse que espera que o tema da desinformação em períodos eleitorais seja apresentado nos painéis que incluam palestrantes brasileiros, a pouco mais de um ano das eleições presidenciais de 4 de outubro de 2026.
O tema da desinformação em conflitos armados é outra novidade da quinta edição da Cúpula, disse Tardáguila. O evento contará com painéis sobre Manipulação e Interferência de Informação Estrangeira (FIMI, na sigla em inglês), como são conhecidas as ações de atores estrangeiros que buscam influenciar a opinião pública de outro país.
Em contextos de guerra, a FIMI pode se manifestar na forma de disseminação de informações falsas ou manipuladas para desmoralizar e dividir a população, confundir as pessoas sobre o que está acontecendo no campo de batalha, influenciar a opinião pública internacional e justificar ações militares, entre outras ações.
Tardáguila disse que os painéis sobre FIMI na Cúpula buscarão explicar a intersecção entre desinformação e operações de influência e ensinar técnicas atuais para investigar o fenômeno.
"Como jornalistas, temos que saber que isso existe, saber que impacto tem entre nossas audiências e saber escrever sobre isso", disse Tardáguila.
O uso de desinformação para aplicar golpes online foi um dos problemas mais alarmantes que a Lupa identificou no último ano. Por isso, o veículo escolheu debater esse fenômeno em um de seus painéis, disse Tardáguila.
O painel abordará a conexão entre desinformação e golpes digitais e apresentará um estudo elaborado pela Lupa sobre o tema no contexto brasileiro, disse a jornalista, que adiantou que entre os palestrantes espera incluir um especialista em golpes em redes sociais e um representante do Ministério Público para falar sobre o plano de ação da instituição contra os golpes digitais no Brasil.
"Sabemos que a desinformação é usada na política. Depois, na pandemia percebemos que também acontece na saúde, e depois percebemos que há desinformação na guerra", disse Tardáguila. "Mas a grande surpresa é o uso impressionantemente alto de desinformação no universo econômico, financeiro e de dados para golpes".
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September 17 and 18
Free and virtual
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— CumbreDesinfo (@cumbredesinfo) August 27, 2025
Tardáguila disse que, em outro painel, apresentará o Global Fact-Check Chatbot, uma ferramenta de IA multilíngue desenvolvida por membros e aliados da IFCN. O chatbot ajudará fact-checkers de todo o mundo a verificar a veracidade de informações com apenas alguns cliques em seu celular ou computador.
"Será baseado em todas as checagens publicadas pelos fact-checkers", disse. "Será uma ferramenta disponível inicialmente para os checadores de fatos, mas eventualmente para os cidadãos, para que possam fazer seu trabalho com rapidez e eficiência".
Para as próximas edições da Cúpula, é importante ampliar as discussões sobre a desinformação, por se tratar de um fenômeno que afeta diretamente a democracia, segundo Carlos Lauría, diretor executivo da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). A SIP organiza a Cúpula junto com a Fundação para o Jornalismo (Bolívia) e Proyecto Desconfío (Argentina).
Lauría disse à LJR que é essencial seguir coordenando esforços entre as organizações envolvidas na Cúpula para serem proativas na concepção de melhores práticas e soluções coletivas de impacto global, assim como envolver a academia e profissionais de tecnologia.
"É importante contar com uma ampla rede de aliados estratégicos que tenham foco em ações concretas e principalmente colaborativas", disse Lauría.
A edição deste ano conta com a participação de palestrantes de mais de 40 países dos cinco continentes, disse Adrián Pino, fundador do Proyecto Desconfío.
"Este ano estamos empolgados com a inclusão de projetos ligados à África, onde normalmente havia menos participação, além, é claro, da América Latina, Europa, Estados Unidos e Ásia, que também estarão representados na cúpula deste ano", disse Pino à LJR.
Para esta edição, o público foi convidado a enviar propostas de temas para os painéis, e a Lupa ficou responsável pela curadoria. O veículo recebeu mais de 200 sugestões de mais de 70 países, sendo que os temas mais comuns foram IA, alfabetização midiática e o uso da desinformação como ferramenta de guerra, disse Tardáguila.
A disrupção da IA continua sendo um dos desafios mais importantes para jornalistas e fact-checkers em termos de desinformação, disse Lauría.
Com vários países da região realizando eleições nos próximos meses, a desinformação impulsionada por IA se torna novamente um foco de atenção, acrescentou.
"Os deep fakes, os vídeos e áudios manipulados estão se tornando cada vez mais realistas e difíceis de detectar, inclusive para usuários com conhecimentos técnicos", disse Lauría. "E isso evidentemente representa uma ameaça crescente para a integridade eleitoral".
Adrián Pino, diretor do Proyecto Desconfío, disse que a cúpula anunciará este ano um fundo especial para incentivar a pesquisa sobre desinformação. (Foto: Cortesia Cumbre Global sobre Desinformação)
Os esforços de verificação na América Latina continuam enfrentando limitações importantes que fazem com que sejam insuficientes, acrescentou Lauría.
"Acredito que [os esforços de verificação] cobrem menos da metade das narrativas falsas, e chegam às vezes com atraso", disse. "Raramente alcançam conversas entre comunidades diferentes, de ideologias diferentes, entre outras limitações que podem influenciar o processo".
Outro fator que dificultou a luta contra a desinformação no último ano foi a decisão do Facebook e do X de abandonar suas iniciativas de verificação de informação, disse Lauría.
"É um ingrediente que adiciona um grau de complexidade a um tema por si só muito complicado, em um discurso público que está extremamente viciado e contaminado pelas mentiras e desinformação", disse. "Está comprovado que [a desinformação] circula muito mais rápido que os fatos. Então essa decisão de algumas empresas tecnológicas é um retrocesso significativo".
Diante desses desafios e do rápido avanço da desinformação, a Cúpula anunciará este ano a criação de um fundo especial para incentivar a pesquisa sobre desinformação, disse Pino, que acrescentou que os organizadores estão na etapa de construir alianças com atores interessados em apoiar esse fundo.
"Detectamos que há muitos projetos que têm potencial para escalar, mas que não têm recursos suficientes para que sua pesquisa escale para outros países e outros níveis", disse. "Essa é a ideia, criar um fundo que potencialize a pesquisa sobre desinformação e que, embora tenha foco inicial na América Latina, será um fundo global".
*O Centro Knight para o Jornalismo nas Américas é veículo parceiro da Cúpula Global sobre Desinformação.