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Curso no Rio de Janeiro ensina idosos a identificar golpes e informações falsas

Em um país cada vez mais conectado, parte da população idosa brasileira ainda enfrenta dificuldades para se orientar no ambiente digital. Falta de familiaridade com aplicativos, insegurança ao usar redes sociais e dependência de familiares para resolver tarefas simples são desafios que se somam à desinformação. A educação midiática surge, nesse contexto, como uma ferramenta de inclusão e cidadania para pessoas com mais de 60 anos, especialmente quando tentativas de fraude contra idosos no Brasil aumentaram em quase 12% no ano passado. 

Realizado pela primeira vez em agosto e setembro, o curso "Você no Controle", uma parceria da agência de fact-checking brasileira Agência Lupa com a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Prefeitura de Niterói, na região Metropolitana do Rio, é uma das raras iniciativas de educação midiática voltadas especificamente para a terceira idade no Brasil.

Durante dois meses, 30 pessoas com mais de 60 anos se reuniram em uma sala de aula em Niterói para aprender algo que suas famílias raramente têm paciência de ensinar: como navegar criticamente no ambiente digital, identificar desinformação e se prevenir de golpes online. 

"Existe uma leitura social de que os idosos são um grupo menos importante do que outros grupos que você precisa oferecer letramento, como crianças e adolescentes, quando na verdade isso não é real", disse Victor Terra, jornalista da Lupa que deu aulas no curso, à LatAm Journalism Review (LJR).  "Essas pessoas também têm direito a acessar a informação, a ter autonomia para navegar, para utilizar tecnologias, para estar nos ambientes digitais. Não é um favor, é um direito que essas pessoas têm e que muitas vezes lhes é negado."

A Lupa já desejava trabalhar com esse público há anos, mas enfrentava o obstáculo fundamental de como alcançá-lo. 

"É um público que convocar pelas redes sociais é uma dificuldade, uma barreira", explicou Raphael Kapa, coordenador de Educação na Agência Lupa, à LJR. "Precisa ser chamado por meios mais tradicionais."

A solução veio quando a professora da UFF Adriana Barsotti estabeleceu uma parceria com a Secretaria Municipal do Idoso de Niterói e convidou a agência de checagem para participar da customização do conteúdo. 

“Foi uma feliz coincidência de interesses porque eu estava com essa preocupação em fazer um projeto relacionado aos idosos e a Lupa tinha esse desejo também.”, disse Barsotti à LJR. “A literatura que já pesquisou sobre essas iniciativas para idosos mostra que geralmente são muito utilitárias: como mexer no aplicativo do banco, como planejar uma viagem, como comprar passagem. E as iniciativas não tendem a capacitar o idoso para ter uma consciência de cidadão, para ter uma participação ativa na vida social.”

Expectativa X realidade 

Inicialmente, o curso foi pensado para ter cinco aulas e era mais focado em educação midiática e combate à desinformação. No entanto, os organizadores do projeto entenderam que iriam precisar fazer adaptações ao planejamento para atender às necessidades e aos diferentes níveis educacionais e de conhecimento digital dos participantes. 

“Tinha gente que literalmente não sabia mandar uma foto para o filho”, disse Kapa. “Não é esse o propósito do curso, mas demos uma última aula sobre a parte mais técnica porque entendemos que educação digital para essa população também é um combate à desinformação, uma forma de educação midiática, porque eles evitam usar o aparelho com medo de fazer alguma besteira.”

Entre os alunos havia pessoas que não sabiam ler ou escrever, assim como participantes com nível de escolaridade mais avançado. Eles tinham dúvidas sobre o funcionamento dos algoritmos e por que cada pessoa é impactada por conteúdos diferentes. No final, o curso acabou ficando com seis aulas: três mais focadas em fake news, duas sobre golpes e a aula mais técnica. 

"A gente percebeu que não adianta a gente querer combater a desinformação se eles não forem capacitados nas ferramentas digitais para isso”, disse Barsotti. “Tanto eu quanto a Lupa, a gente estava disposto a dar esses passos atrás e ensinar realmente essa educação digital, esses primeiros passos no mundo digital para que a gente conseguisse, ao final do curso, atingir os objetivos."

O conteúdo do curso

Terra disse que o conteúdo de educação midiática foi adaptado previamente para se adequar a padrões usados em atividades com pessoas da terceira idade. Eles usaram exemplos concretos, relacionados ao cotidiano dos idosos, como casos de golpes digitais, ações envolvendo instituições bancárias e medicamentos ditos milagrosos. O material didático também foi adaptado para ter letras maiores, contraste entre o fundo da tela do slide e conteúdo e dados retratados de forma mais simplificada, para a informação ser mais tangível. 

“Tudo que a gente adaptou do ponto de vista do conteúdo foi para essas pessoas se interessarem e se identificarem com as situações”, disse Terra. “Outro ponto foi usar o material com bastante imagem e com um pouco menos de texto, para que a gente não sobrecarregasse o processo de aprendizagem com muita informação e acabar sendo contraproducente ao longo do curso.”

Para a parte sobre fake news, o foco foi ensinar a identificar uma desinformação e também como checar se a informação que eles recebem é verdadeira. Durante as aulas, os participantes foram ensinados como checar exemplos reais de desinformação que circulam em aplicativos de conversa e redes sociais. 

“Por exemplo, a gente mostrava uma desinformação e eles procuravam se aquilo estava no Instagram oficial da pessoa mencionada, no Twitter, se tinha uma declaração oficial sobre o assunto. Mas tinha uma limitação porque eles não tinham computador, era uma coisa muito no celular, na palma da mão mesmo”, disse Kapa. “A gente quis mostrar pelo menos a ideia de que se você está recebendo algo sobre tal candidato, tal governo e por aí vai, desconfie e tente procurar nas fontes oficiais.”

Em relação aos golpes, Terra disse que em uma das aulas fez uma simulação da fraude do golpista que se passa por familiar para pedir dinheiro da vítima para ensinar recursos de segurança. 

“A gente praticou isso juntos, num ambiente controlado para que eles aprendessem como denunciar, bloquear um contato no WhatsApp e em seguida denunciar esse contato", explicou.

Terra incluiu ainda o conceito de conteúdos clickbait para que eles pudessem identificar conteúdos enganosos sobre produtos e remédios supostamente milagrosos. 

“Esse é um tipo de conteúdo que teve ressonância na fala das próprias alunas: ‘eu já vi esse tipo de conteúdo, já quase comprei um colírio para glaucoma, já quase gastei meu dinheiro com pasta anti-inflamatória para artrose”, disse Terra. “Coisas envolvendo medicamentos foi bastante comum.”

O curso também abordou como funcionam algoritmos de redes sociais de forma acessível. Cartões coloridos (verde, amarelo e vermelho) tornavam as discussões visuais e participativas. Um grupo de WhatsApp foi criado como espaço seguro para prática e dúvidas.

"A gente apresentava algum conteúdo e perguntava o que vocês acham, é verdadeiro, falso, é golpe, não é? E aí eles levantavam os cartões", disse Barsotti. "A gente falava para eles: 'Vocês não precisam ter medo nem vergonha de compartilhar qualquer conteúdo [no grupo de WhatsApp]. O grupo é para isso. Caso vocês fiquem na dúvida sobre algum conteúdo e queiram nos consultar, o grupo vai ficar para sempre para isso’."

Para Barsotti, o resultado mais significativo apareceu fora da sala de aula, com a mudança de postura dos participantes. Ela contou que no fim de semana recebeu mensagens nesse grupo de WhatsApp com conteúdos falsos e perguntas de como a informação poderia ser checada. 

“Não estavam perguntando: 'Ah, isso é verdadeiro ou falso?'. E sim, como eu descubro?”, disse Barsotti. "Essa pergunta foi uma mudança de chave. Despertou neles a vontade de realmente descobrir pelos próprios meios. Senão a gente ia ser sempre uma bengala. A gente ia ser checadores portáteis deles. E na verdade o que a gente queria era justamente que eles tivessem essa postura ativa, e não passiva."

Kapa teve um feedback semelhante quando entrou em contato com uma aluna após o término das aulas e ela, desconfiada, pediu para ele mandar um áudio para ter certeza que se tratava dele mesmo.

“Ela virou e falou: ‘eu pedi para você falar porque eu aprendi que de repente não é o Raphael, não é o Victor.’. Criamos monstros”, brincou. “Ela entendeu que muitas vezes alguém pode estar se passando por outra pessoa. E o principal: ter dúvida.”

Lições aprendidas e expansão

A experiência gerou aprendizados concretos sobre como estruturar educação midiática para esse público. Para futuras edições, a ideia é manter as aulas presenciais, incorporar as aulas técnicas e estruturar módulos por níveis de conhecimento. 

"Tem que ser presencial, tem que ser com celular e tem que ter nivelamento", resumiu Kapa. "A gente entendeu que o público não é um público homogêneo. A gente entende também que o próximo passo é ter um curso mais técnico, porque aprender o básico pode parecer meramente técnico, mas para uma parcela dessa população é literalmente ter acesso à informação verdadeira. E manter o curso mais analítico, porque as plataformas vão mudar, os aplicativos vão mudar."

O sucesso do piloto gerou demanda espontânea em todo o país. O desafio agora é escalar o modelo mantendo suas características essenciais.

"A gente publicou uma série de vídeos sobre o curso e começou a receber os próprios comentários e também DM, enfim, e-mail de secretarias, de outros lugares, de prefeituras, de organizações de terceiro setor e da população mesmo", disse Terra. "Existe uma enorme demanda e uma pouca oferta ainda desse tipo de iniciativa."

Em paralelo ao curso da Lupa e da UFF, outras iniciativas semelhantes começam a surgir no país. Um projeto recente, oferece oficinas presenciais em que jornalistas ensinam idosos a reconhecer desinformação “uma mensagem de WhatsApp de cada vez”, com foco em práticas cotidianas e exemplos reais. Assim como o “Você no Controle”, a proposta parte da ideia de que alfabetizar midiaticamente a população idosa é também promover autonomia e cidadania digital.

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