Uma decisão da Câmara Criminal do Tribunal Superior de Cali, na Colômbia, contra o jornal El País, gerou preocupação em organizações que defendem a liberdade de imprensa e a mídia, pois acreditam que possa abrir um precedente para a censura prévia no país.
A recente decisão tem origem em uma ação de tutela apresentada por Andrés Ramírez Urbano, que considerou que seu bom nome, dignidade e honra foram afetados depois de El País publicar um vídeo em que ele é visto, segundo um editorial de El Espectador.
O vídeo gravado por outro cidadão mostra como o veículo de Ramírez cai em um canal da cidade de Cali, informou a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Segundo El Espectador, Ramírez teria começado a receber mensagens na internet que o incomodavam. Ele então primeiro pediu ao jornal para retirar o vídeo, mas El País se recusou a fazê-lo, alegando que se tratava de uma notícia ocorrida em um lugar público, acrescentou a SIP.
Ramírez entrou com uma ação de tutela que em 27 de junho foi negada por um tribunal em Cali em primeira instância, informou o El Espectador. Mas a recente decisão do Superior Tribunal revogou a sentença anterior e ordenou ao jornal “que em um prazo de 48 horas, distorça a cara do senhor Andrés Ramírez Urbano, do vídeo postado em seu site e em futuras transmissões, até que ele conte com a autorização do proprietário para publicá-lo”, de acordo com os dados do caso consultado na página do Tribunal.
Para Roberto Rock, presidente do Comitê de Liberdade de Imprensa e Informação da SIP, “é grave e preocupante que se acredite que a mídia deveria pedir permissão para publicar fatos públicos aos afetados, uma espécie de censura prévia na prática”, segundo um comunicado da organização.
"A tarefa jornalística se tornaria uma atividade complicada, lenta e quase condenada ao silêncio, se os meios de comunicação exigissem autorização dos cidadãos ou afetassem a publicação de imagens em espaços públicos e interesse de notícias", acrescentou Rock.
Para Pedro Vaca, diretor executivo da Fundação para a Liberdade de Imprensa (FLIP), “na Colômbia e em qualquer país democrático, o fato de um veículo ter um acidente dessa dimensão é um evento noticioso que deve ser contado e, neste caso, vemos com enorme preocupação que os juízes se estejam prestando a acomodar os fatos noticiosos de acordo com as pessoas ali envolvidas”, segundo El País.
Ele acrescentou que, com a decisão, uma censura é imposta "pelo Poder Judiciário, sem perceber que a democracia precisa de informações para aprender sobre a vida cotidiana", publicou o jornal.
A sentença do Superior Tribunal também estabelece o envio da decisão ao Tribunal Constitucional do país "para sua possível revisão". Tanto Rock quanto Vaca esperam que este Tribunal possa retificar o precedente judicial.
“Esperamos que o Tribunal possa resolver uma tensão que acreditamos ser bastante clara e que, independentemente de haver ou não conteúdo que possa ser incômodo para uma pessoa, se é notícia, merece ser contado e a democracia deve garantir que assim seja”, disse Vaca, de acordo com o portal La FM.
Rock, por outro lado, disse que espera que a Corte “adote e pronuncie sobre este caso que, embora pareça ser um fato simples, pode desencadear graves consequências e limitaçõe para a liberdade de imprensa, o exercício do jornalismo e a liberdade de expressão”, segundo a SIP.
Em editorial, o El Espectador também rejeitou essa decisão e considerou que isso poderia afetar o processo jornalístico. “Impor aos jornalistas o ônus de solicitar permissão para publicar é amordaçar o exercício da imprensa livre que serve aos cidadãos para tomar decisões sobre suas vidas. Esqueceu o tribunal que a Constitução proíbe a censura prévia. Oxalá a Corte Constitucional corrija esta péssima decisão”, diz o editorial.
O jornal El Tiempo se expressou nessa mesma linha, indicando em editorial sua preocupação com o precedente judicial que essa decisão teria. “O fato é que, se a providência for firme, um sério precedente legal para o futuro exercício da tarefa jornalística seria criado. E essa decisão terminaria estabelecendo-se a exigência de que a mídia buscasse a autorização de quem participasse das notícias antes de fazer qualquer publicação. Um obstáculo inaceitável que abriria as portas da censura”.