Por Esther Sánchez
Jornalistas esportivas brasileiras lançaram a campanha online #DeixaElaTrabalhar depois que a repórter Bruna Dealtry foi beijada e assediada na televisão ao vivo.
A agressão contra Dealtry ajudou a incitar o movimento no fim de março, depois que ela cobriu uma partida de futebol ao vivo no estádio São Januário no início do mesmo mês no Rio de Janeiro.
Cerca de outras 50 jornalistas esportivas aderiram ao movimento e divulgaram a hashtag em plataformas de mídia social como Twitter, Facebook e Instagram. A campanha visa conscientizar o público sobre o assédio que as repórteres enfrentam enquanto trabalham e incentiva as mulheres a relatar seus casos. As principais agências de notícias também se engajaram e estão apoiando suas repórteres para ajudar a acabar com o assédio às mulheres no local de trabalho.
Em entrevista por email, Bibiana Bolson, repórter do espnW Brasil, disse que é atacada diariamente nas redes sociais, é questionada sobre seu trabalho e presença e perdeu oportunidades profissionais por causa do assédio. Também já cuspiram em Bolson enquanto ela reportava em um estádio e ameaçaram estuprá-la. No entanto, ela disse que as mulheres estão trabalhando juntas pela mudança nos campos e nas redações.
"Sabíamos que seria enorme no Brasil", disse ela. “A maioria de nós são rostos muito conhecidos na TV, vozes do rádio e as pessoas estão acostumadas a ver e ouvir o que dizemos sobre esportes. Mas, para ser honesta, foi uma surpresa a forma como a imprensa fora do Brasil está falando sobre o movimento. Essa união está ajudando a encorajar as mulheres que temem falar sobre isso. ”
A maioria das jornalistas é assediada no trabalho, de acordo com um estudo realizado pela Gênero e Número, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e o Google News Lab. O relatório da pesquisa mostra que 70% das jornalistas foram alvo de comentários desconfortáveis enquanto trabalhavam e uma em cada dez jornalistas recebeu propostas ou demandas de favores sexuais por material profissional e benefícios.
Um incidente recente aconteceu em 1º de abril, quando Bianca Machado, jornalista e assessora de imprensa do time de futebol Operário Ferroviário Esporte Clube (Operário), foi insultada repetidamente enquanto cobria o jogo de futebol Operário e Iraty, em Irati, Paraná.
"Fui ofendida com as piores palavras que uma mulher pode ouvir", disse Machado ao Centro Knight.
Machado desabafou no Facebook sobre sua experiência com o assédio de torcedores no estádio. Ela disse que depois de ser chamada de nomes depreciativos, ela ouviu outras pessoas dizendo: "mas isso é normal, torcedor xinga mesmo".
"Para mim, não é normal ser hostilizada enquanto faço meu trabalho", ela postou em seu Facebook. “E confesso que me senti muito fraca por não saber lidar com a situação, por não conseguir nem contar direito o que tinha acontecido comigo e por ainda ouvir que isso é normal.”
Machado disse que a campanha ajuda a encorajar as mulheres a denunciar todas as formas de violência e a unir mulheres jornalistas, para que todas possam se ajudar mutuamente. Quando começou como repórter, ela disse que não estava ciente de nenhum movimento como #DeixaElaTrabalhar, mas espera que a campanha cresça para que mais mulheres possam denunciar essas ofensas.
"Algumas pessoas acreditam que isso é normal porque, se a mulher está trabalhando em um espaço predominantemente masculino, como no jornalismo esportivo, por exemplo, ela tem que estar acostumada a receber ofensas", disse ela. “Isto não pode ser considerado normal. A mulher está ali trabalhando e merece respeito, assim como todos os profissionais de imprensa.”
Organizações de notícias e agências esportivas estão apoiando suas funcionárias à medida que mais casos se tornam públicos. O clube de futebol Operário está apoiando Machado, tomando “medidas apropriadas para que este ato não fique impune”, explicou a jornalista. Ela disse que o departamento jurídico do Operário está ajudando na identificação de torcedores para levá-los à Justiça.
“O Operário Ferroviário Esporte Clube repudia a falta de urbanidade de alguns torcedores do Iraty Sport Clube”, disse a organização em um comunicado em seu site no dia 2 de abril. “O Operário tem orgulho das mulheres que trabalham no clube e de todas àquelas que estão inseridas no esporte e que lutam diariamente para legitimar a sua participação em um ambiente muitas vezes machista e intolerante.”
Bolson disse que já existem leis que punem os torcedores que incitam a violência dentro do estádio, mas elas não são eficientes. Em 25 de março, o Globo Esporte publicou um artigo que informava que 16 clubes se uniram ao movimento para ajudar a defender as mulheres que sofrem assédio.
“Os clubes de futebol também têm responsabilidade nesse processo”, disse Bolson. “Como identificar quem comete essas agressões. Guardas de segurança nos estádios também devem estar preparados para identificar e agir eficientemente nessas situações. ”
No entanto, Machado disse que a desigualdade ainda é visível no mercado de trabalho, como a discriminação contra jornalistas grávidas.
"Também estamos falando sobre os casos que acontecem na redação", disse Bolson. “Às vezes as decisões são tomadas com base no sexismo, as mulheres têm que provar o tempo todo que podem fazer seu trabalho, que sabem fazê-lo, por isso é difícil... o caminho é longo.”
Houve mais casos similares no Brasil. O jornal espanhol El País relatou outro incidente no início de março em que torcedores "insultaram e agrediram fisicamente" a repórter Renata Medeiros em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, durante uma partida entre Grêmio e Inter.
A questão não é nova e jornalistas de todas as editorias estão sendo afetadas, incluindo repórteres de entretenimento. No ano passado, o cantor MC Biel assediou a repórter Giulia Pereira durante uma entrevista e fez piada sobre a situação em um show, dizendo que ele iria "quebrá-la no meio" porque ela era uma "gostosa".
Bolson disse que concorda que a questão não é nova, mas esta é a primeira vez que as jornalistas estão falando juntas, em vez de separadamente.
"Percebemos que tínhamos que fazer isso juntas para tornar nossas vozes mais altas", disse ela. "Tivemos que aumentar o volume dessa 'luta'".
Isso acontece em paralelo ao movimento #MeToo, que evoluiu globalmente. As repórteres esportivas querem que o movimento continue crescendo em todo o mundo, para que as mudanças possam acontecer para as mulheres.
"A internet é a chave para este tempo que estamos vivendo agora, temos a liberdade de conversar e ser ouvidas", disse Bolson. “Recentemente, vimos o belo e poderoso #MeToo, que aconteceu em uma grande indústria, então por que não mobilizar nosso país também? Todas temos a mesma história, com roupas diferentes. Todas passamos por situações difíceis de assédio e violência. ”
Machado disse que outras pessoas ao redor do mundo podem apoiar o #DeixaElaTrabalhar reconhecendo o problema e dando visibilidade através da mídia.
"E também procurando ajudar todas as mulheres que passam por situações de assédio no trabalho, em casa ou qualquer outro lugar, incentivando-as para que denunciem e para que isso não fique impune", disse Machado.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.