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Duas associações de jornalistas brasileiros lançam iniciativas contra assédio judicial

A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativa (Abraji) decidiram agir contra o que classificam como perseguição judicial de jornalistas. A ABI entrou com duas ações do Supremo Tribunal Federal para conter o uso abusivo de ações judiciais contra jornalistas e empresas de comunicação. Já a Abraji lançou um programa para dar apoio jurídico a profissionais de imprensa que respondem a processos como resultado de sua atividade profissional.

As duas iniciativas têm objetivos semelhantes: evitar que jornalistas e empresas sejam calados por não conseguir arcar com os custos de defesa e com o pagamento de eventuais indenizações. Segundo levantamento da Abraji, desde 2002, jornalistas e empresas de jornalismo foram alvo de mais de cinco mil ações judiciais por calúnia e difamação, condenados a pagar indenizações vultosas e a retirar conteúdos do ar. A maioria dos reclamantes é composta por políticos.

A ABI contesta o emprego abusivo de pedidos de reparação de danos materiais e morais com o intuito de impedir a atuação livre de jornalistas e órgãos de imprensa. Numa das ações, a associação argumenta que “apenas a divulgação dolosa ou gravemente negligente de notícia falsa pode legitimar condenações.” A intenção é que erros sem má-fé possam causar um dano financeiro irreparável se resultar numa condenação.

“O cenário atual é de um verdadeiro massacre contra jornalistas e outros comunicadores. Os casos mais conhecidos são do jornalista Luis Nassif, do influencer Felipe Neto e do escritor João Paulo Cuenca. A primeira ação que a ABI entrou no Supremo, uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI), em que pede ao STF que a responsabilização de jornais e jornalistas só ocorra na esfera cível quando ficar demonstrado que houve dolo e culpa na divulgação de notícias falsas. O objetivo da solicitação é promover a liberdade de expressão e informação, coibindo o uso abusivo de ações de reparação por danos morais movidas contra jornalistas e veículos de imprensa,” disse à LatAm Journalism Review(LJR) o presidente da ABI, Paulo Jerônimo de Sousa.

O caso de Nassif é emblemático. Com mais de 50 anos de carreira, mantém desde 2013 o Portal GGN. Em dezembro, ele escreveu que está “juridicamente marcado para morrer por críticas que faço ao Judiciário, cumprindo minha função de jornalista,” num artigo em que lista cinco processos aos quais responde atualmente, movidos por juízes e políticos.

“Cumpro com minhas responsabilidades jornalísticas sabendo que, na próxima esquina, poderá aparecer outro juiz ordenando o bloqueio das minhas contas. Daí a relevância da ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) proposta ontem [11/04] ao STF pela ABI. É a garantia de que os abusos de juízes não comprometerão seu direito de ser informado sobre atos de personagens públicos,” escreveu Nassif em artigo publicado no site da ABI.

Na outra ação também protocolada no STF, a ABI pede que os ministros assegurem aos jornalistas “o direito de não responder a ações penais por calúnia ou por difamação pelo simples fato de exercerem com destemor seus ofícios”. Com isso, a ABI quer que jornalistas só estejam sujeitos a este tipo de ação em casos de fabricação de informações ou propagação sistemática de notícias falsas.

Um dos casos mais claros de assédio judicial contra uma jornalista brasileira ocorreu em 2007, quando a repórter Elvira Lobato foi alvo de 111 processos. O motivo foi a reportagem “Universal chega aos 30 anos com império empresarial” publicada na Folha de S.Paulo, em que mostrava como a Igreja Universal do Reino de Deus, a maior denominação evangélica neopentecostal do país, havia construído um “império”, que inclui emissoras de TV e rádio, gráficas, jornais e até uma empresa de táxi aéreo. Mesmo inocentada em todas as ações, o desgaste provocou consequências profundas, como a decisão de a jornalista de abandonar a profissão.

"Quando as ações começaram, para nossa completa surpresa, eu me senti sem condição de continuar cobrindo a Igreja Universal do Reino de Deus. Não que houvesse alguma ordem judicial, mas porque eu achava que havia perdido a coisa mais importante que um jornalista deve ter: a imparcialidade, a isenção. Se havia 111 ações contra mim, eu não era mais imparcial nos assuntos da igreja. Com isso, ela me neutralizou completamente", disse Lobato em entrevista à TV Cultura em dezembro de 2020. “Foi tão impactante para mim, tão doloroso esse processo, que isso acabou precipitando a minha aposentadoria."

Para jornalistas independentes e veículos de pequeno porte, uma condenação cível pode representar o fim. É o caso do Jornal Já, de Porto Alegre. Em 2001, após uma série de reportagens sobre um político local acusado de corrupção, o jornal foi processado. Foi inocentado criminalmente, mas condenado na área cível a pagar uma indenização à mãe do acusado por danos morais, o que desestabilizou o funcionamento do veículo e culminou no fim da sua edição impresa.

Assessoria jurídica para jornalistas

Em outra frente da mesma batalha, a Abraji lançou o Programa de Proteção Legal para Jornalistas. A iniciativa é uma “resposta ao crescimento das ameaças à liberdade de imprensa e do assédio judicial a jornalistas e comunicadores do Brasil,” diz a Abraji no comunicado que anuncia o programa.

“Destacaria dois tipos mais frequentes de assédio judicial a jornalistas, ambos com o objetivo de intimidar e cercear o livre exercício da profissão. O primeiro são os pedidos de retirada de conteúdo do ar, mapeados pelo projeto Ctrl-X. São mais de 5.500 processos na base de dados, desde o início do projeto, em 2014, a maior parte movidos por políticos. O segundo é o uso dos Juizados Especiais Cíveis (JECs), criados para resolver causas mais simples, mas que têm sido usados para processar jornalistas. Um exemplo recente de uso do JEC é o caso do colunista Reinaldo Azevedo, processado no JEC de Curitiba pelo procurador Deltan Dallagnol,” disse à LJR a secretária-executiva da Abraji, Cristina Zahar.

No primeiro ano, o objetivo é defender até seis jornalistas que estejam sendo vítimas de tentativa de silenciamento através de ações judiciais e pedidos de indenização muito além das suas capacidades financeiras. Por isso, a Abraji vai priorizar profissionais independentes e freelancers, que não contam com apoio de advogados contratados por empresas de comunicação. O programa também considera auxilar jornalistas que queiram processar por danos morais aqueles que os assediam na Justiça.

Os jornalistas e comunicadores interessados podem se cadastrar neste formulário. Os casos serão analisados pela assessoria jurídica da Abraji, com prioridade para os casos mais urgentes e com prazos mais curtos.

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