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'É uma mudança na cultura de funcionamento e evolução das redações': painelistas do ISOJ discutem o impacto da IA no jornalismo

No painel "por excelência" de "todas as conferências de jornalismo", como definiu Nikita Roy, fundadora do Newsrooms Robots Lab, discutiu-se a Inteligência Artificial (IA) e seu impacto nas redações durante o primeiro dia do 26º Simpósio Internacional de Jornalismo Online (ISOJ).

"Não se trata apenas de ferramentas de IA, mas de focar na transformação que está acontecendo graças a essa tecnologia", explicou Roy, que moderou o painel "Além do hype: o real impacto da IA nas redações". "E também pensar em como projetamos futuras experiências informativas com IA."

Roy levantou algumas perguntas que jornalistas e meios de comunicação devem fazer a si próprios ao implementar a IA: como deve ser a colaboração entre a redação e o desenvolvimento de produto, como abordar as ameaças às relações com o público, como lidar com a desinformação e a informação incorreta, e quais poderiam ser as novas oportunidades? 

"Não é apenas mais uma ferramenta. É uma mudança na interface de notícias. É uma mudança na infraestrutura de notícias. É uma mudança na cultura de como as redações operam e evoluem", disse Roy. "Esta é a conversa que nos ajudará a entender como nos preparamos para essa mudança que está por vir, já que são essas decisões no sistema que nos projetarão e nos prepararão para o futuro da nossa indústria."

Como vice-presidente de inovação editorial e estratégia de IA do Hearst Newspapers, Tim O'Rourke lidera a equipe que trabalha com jornais nos Estados Unidos, que vão desde pequenos jornais hiperlocais até grandes veículos que cobrem áreas metropolitanas, como o San Francisco Chronicle ou o Houston Chronicle. Parte do trabalho deles é ver como implementar IA nesses veículos para "ajudar nossos jornalistas a fazer um jornalismo local mais importante em suas comunidades."

O'Rourke destacou como o jornalismo foi impactado com a chegada do ChatGPT em 2022. A partir daí surgiu um processo para sua equipe entender como usar essa ferramenta, ver seu uso no jornalismo local e ainda conseguir financiamento para desenvolver ferramentas de IA.

“Nós meio que navegamos nisso e descobrimos qual é o nosso caminho para aproveitar ao máximo essa tecnologia, respeitando nossos padrões, nossa ética e entendendo que queremos inovar, mas com cautela para não prejudicar as marcas nem perder a confiança do nosso público", disse O'Rourke. "Isso nos levou a este momento, onde estamos capacitando e promovendo as melhores ideias que surgem de nossas redações locais."

Segundo ele, a rede emprega entre 650 e 700 jornalistas, e no ano passado eles conseguiram treinar diretamente cerca de 350 deles em ferramentas de IA próprias e da indústria. O plano é levar o treinamento para toda a equipe editorial ainda este ano. De acordo com seus registros, as ferramentas de IA foram usadas 65 mil vezes, com o  uso aumentando a cada mês.

"Seguimos o princípio de que um ser humano deve estar envolvido", disse O'Rourke. "É hora de reinvestirmos em nosso jornalismo local para permitir que nosso pessoal faça um trabalho mais inteligente, para permitir que eles se aprofundem em suas comunidades, para permitir que façam coisas que talvez não tivessem tempo de fazer antes."

Embora o progresso tenha sido significativo, O'Rourke falou de alguns aspectos que poderiam ser melhorados na sua implementação. Ele explicou como uma ferramenta de IA ajudou a traduzir matérias para o espanhol, mas eles não sabiam como acessar o público hispânico.

Outra lição, segundo O'Rourke, é que muitas ferramentas funcionam melhor para mídias hiperlocais e outras para mídias de grandes cidades que possuem equipes com especialidades diferentes. "Aprendemos que devemos adaptar nossas ferramentas e experiências aos usuários internos para se adequarem à maneira como eles trabalham", disse O'Rourke.

Para Uli Köppen, diretora de IA da emissora pública alemã Bayerischer Rundfunk, ao falar sobre o "verdadeiro impacto" da inteligência artificial na mídia, a primeira coisa a perguntar é como a IA muda a forma como se reporta sobre a própria IA.

Köppen disse que a emissora pública alemã é especializada em reportagens sobre responsabilização de algoritmos. Isso começou há pelo menos oito anos, quando fizeram um relatório sobre como o algoritmo de pontuação de crédito na Alemanha não era muito transparente sobre o seu funcionamento.

Em uma matéria recente, junto com a Wired, eles mostraram como eram vendidos dados de usuários de diferentes aplicativos que podiam rastrear os movimentos de cada pessoa, incluindo funcionários dos serviços secretos alemães e americanos.

"Para realizar este tipo de reportagem, precisamos de equipes interdisciplinares. Temos que convidar programadores para nossas redações e gerentes de produto para que possam fazer esse tipo de reportagem", disse Köppen. "Estou sempre defendendo que mais equipes cubram matérias de responsabilização de algoritmos porque acho que é essencial promover a alfabetização em IA com as reportagens que estamos fazendo."

Uma das vantagens da estação de rádio alemã é que ela não usa IA como clickbait, mas sim para fazer com que o seu público veja o seu jornalismo. Eles entenderam que as ferramentas podem ser customizadas. Uma delas, por exemplo, permite que a pessoa receba notícias importantes de acordo com a região em que está, informando sua localização ou digitando o CEP.

Outra utilização da IA tem a ver com permitir que os jornalistas tenham várias versões da mesma matéria para diferentes meios de comunicação. Por exemplo, podem pedir que se faça uma versão de rádio para uma determinada região do país.

"Queremos que nossos jornalistas se concentrem em investigações, análises e reportagens de campo, mas não queremos desperdiçar energia criando diferentes versões de uma matéria, e às vezes criamos muitas delas", disse Köppen.

Para o Yahoo News tudo é baseado em "como aproveitamos a IA para oferecer maior qualidade aos nossos leitores", disse Brooke Siegel, vice-presidente de conteúdo. Segundo Siegel, o Yahoo News é o site de notícias e informações número um nos Estados Unidos, alcançando 190 milhões de usuários por mês. O uso da IA, então, ajuda a "lidar com essa escala".

“A estratégia é permanecer fiel aos humanos e à IA, à maneira como a incorporamos, para entregar mais conteúdo premium e de qualidade ao nosso público”, disse Siegel. “E também para integrá-la à nossa redação […] para que os editores possam se concentrar no trabalho criativo de alto impacto que estão fazendo e delegar à IA parte do trabalho que não deveria necessariamente tomar tanto do seu tempo.”

Para alcançar esta oferta de maior qualidade, o Yahoo News usa IA para personalizar o conteúdo para seus usuários. "Temos dezenas de milhares de matéria chegando ao nosso canal de produção todos os dias. Como encontrar a história certa para nosso público? A IA nos ajuda a resolver isso", disse Siegel.

Com o novo algoritmo, eles conseguiram aumentar em 65% o tempo que o usuário passa no site. Um algoritmo que também inclui editores para determinar quais profissionais são mais adequados para escrever certos tipos de histórias.

No entanto, disse Siegel, não se trata apenas de oferecer o que o público deseja, mas o que ele precisa saber. Para isso, eles têm outra ferramenta de IA que navega por milhares de matérias para determinar quais são as mais importantes, informações que são repassadas aos editores, que assim determinam quais serão as matérias principais do seu site.

"Os editores revisam esse conjunto de matérias e escolhem as reportagens, os meios e as abordagens certas. Dessa forma, quando nosso público acessa esse conjunto de notícias principais, ele obtém uma variedade de perspectivas sobre um único tópico, com curadoria de um editor", disse Siegel. "Mas não teríamos conseguido chegar a esse ponto [sem IA]. Não poderíamos ter o editor revisando aquelas milhares de matérias."

A palavra final foi de Juliana Castro Varón, editora sênior de design de iniciativas de IA no The New York Times, para falar sobre como projetar experiências de IA. "Não é um chatbot", Castro Varón disse com firmeza e risos no início de sua apresentação.

Devido à sua formação como designer, sempre se preocupou com a forma como as palavras e a linguagem são apresentadas. É por isso que se sente "horrorizada" e fica intrigada quando uma organização decide apresentar suas informações por meio de um chatbot.

Não que um chatbot seja sempre uma má opção, mas Castro Varón acredita que é preciso considerar se é realmente o melhor para o seu público. Sua equipe, por exemplo, projeta experiências de IA para dois públicos: os leitores do New York Times e os jornalistas do veículo.

"Ambos procuram contexto, uma forma de compreender os fatos", disse Castro Varón. "Portanto, estabelecemos que uma das coisas que torna a IA tão poderosa e perigosa é que ela não consegue compreender significados. Mas, na maioria das vezes, o valor da IA não reside na capacidade de gerar algo novo, mas na criação de uma estrutura a partir de enormes conjuntos de dados."

Um exemplo do uso da IA foi quando, durante a cobertura eleitoral, os jornalistas do veículo receberam informações sobre grupos dedicados à divulgação de informações falsas. Os documentos recebidos consistiram em mais de 500 horas de gravações de chamadas e vídeos do Zoom, entre outros. A equipe de IA encontrou uma forma de analisá-los e obter dados que posteriormente foram revisados pela equipe jornalística.

"Nossa equipe acredita que a IA sozinha é praticamente inútil, pelo menos na nossa profissão. Aprendemos repetidamente que a experiência combinada com a IA é uma combinação muito poderosa", disse Castro Varón.

Com um pouco de humor, ela encerrou sua apresentação anunciando que o New York Times possui sim um bot: um que analisa as respostas erradas mais populares do quebra-cabeça diário. A equipe de jogos do jornal revisa os dados antes de publicar insights.

"Eu gosto dos bots, mas apenas às vezes", disse ela.

Durante pouco mais de 20 minutos, os palestrantes e a moderadora discutiram com maior profundidade temas como o relacionamento entre os gerentes de produto e a equipe editorial, a responsabilidade quando a IA produz informações falsas ou desinformação e a transparência da mídia em relação ao uso da IA em produtos jornalísticos.

Traduzido por Marta Szpacenkopf
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