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Editor-chefe e cofundador do Puck, Jon Kelly projeta evolução do modelo de negócios do jornalismo em palestra principal do ISOJ

“Quando nós começamos, estávamos em uma era de anti-inovação”, afirmou o editor-chefe e cofundador do site Puck, Jon Kelly, ao mediador Sewell Chan, editor-chefe do The Texas Tribune, no início da segunda palestra principal desta sexta-feira (14), o primeiro dia do 24º ISOJ. “Os modelos de negócios em nossa indústria estavam definidos. Não havia muito espaço para a inovação, porque todos iam muito bem, as organizações prosperavam e você não queria arruinar tudo”.

Os desafios, oportunidades e rumos da indústria hoje, quando os modelos de outrora já não funcionam como antes, foram o principal tema da palestra de cerca de 50 minutos de Kelly, realizada na Universidade do Texas, em Austin, intitulada “O Jornalismo na era do modelo de negócios: Imaginando o estado final”. A fala dividiu-se em duas partes, e na primeira Kelly, auxiliado por uma apresentação de slides, descreveu ideias relacionadas sobretudo ao jornalismo como um todo. Já na metade final, o experiente jornalista, com passagens por The New York Times, Bloomberg e Vanity Fair — e que entre 2019 e 2021 trabalhou com investimentos —, respondeu a perguntas do mediador e do público.

Tanto Kelly quanto Chan começaram suas carreiras no início dos anos 2000, uma época descrita como de grande prosperidade econômica para os meios de comunicação americanos. No mesmo período, no entanto, outra indústria passava por uma revolução: a da música. O advento do Napster, cuja explosão aconteceu em 2001, fez muitos pensarem que artistas não mais poderiam viver de seu trabalho. Gradualmente, no entanto, a indústria adaptou-se, até se estabilizar no formato atual, no qual a grande maioria dos usuários paga a plataformas como Spotify, Deezer e Apple Music. 

O mesmo processo, afirmou o palestrante, deve acontecer com o jornalismo:

“A morte do álbum, ou semimorte do álbum, não foi o fim do mundo. Foi só uma oportunidade para novas expressões artísticas, em novos formatos”, disse Kelly. “A indústria global da música agora tem mais ou menos o mesmo tamanho que tinha em 1999. Nós alcançamos o estado final da indústria da música.  Meu palpite é que, em nossa indústria, estamos mais ou menos onde estavam em 2005”, acrescentou, referindo a quando completavam-se dois anos que a Apple lançara o seu serviço pago para download de músicas, considerado o primeiro passo para o declínio da era da pirataria. 

Na opinião de Kelly, o fato de o jornalismo ainda estar no início de seu processo de estabilização “abre muitas perguntas sobre qual pode ser o seu estado final”. Segundo o jornalista, este estado, seja como for, significará uma era de inovação, na qual o elemento decisivo será encontrar o modelo de negócios certo para cada veículo. “Na minha jornada pelo jornalismo e pelos investimentos, o importante realmente sempre disse respeito a descobrir os modelos de negócios certos. Porque, se você encontrar o modelo de negócios certo, poderá efetivar as mudanças”, afirmou.

Incentivos para a equipe

Fundado em 2021, o Puck — cujo nome homenageia um jornal humorístico americano do final do século XIX e início do século XX — é um símbolo destas mudanças preconizadas por Kelly. O veículo tem por foco o Vale do Silício, Hollywood, Washington, Wall Street, a própria mídia e a moda nos Estados Unidos. Seus jornalistas têm fontes dentro de cada um destes centros de poder americanos, e escrevem matérias com bastidores detalhados.

Uma das principais inovações está justamente em seu modelo de negócios: além dos salários, o Puck remunera sua equipe também de acordo com as assinaturas que eles atraem. “Uma das coisas de que mais me orgulho como cofundador do Puck é que meus colegas e parceiros jornalistas não são apenas meus amigos e colegas. Na verdade, eles são detentores de ações no negócio, e são incentivados pelo sucesso. Se eles atraírem assinantes para o Puck, se iniciarem um podcast com o Puck, nós os compensamos”, disse Kelly. “E então, para nós, esta é nossa tentativa de tentar descobrir como será a próxima versão do modelo de negócios”.

Esta tentativa, afirmou Kelly, rompe com um paradigma até há pouco vigente na qual os jornalistas não precisavam arriscar e pensar no lado econômico do ofício, e tinham um modelo de carreira mais ou menos definido. 

Naquela época, Kelly ressaltou mais de uma vez,  o trabalho era “não estragar tudo. Você sabe, você começava a carreira aos 20 e poucos anos, ao sair da faculdade, e, se seguisse as regras, era promovido a cada dois anos, e talvez acabaria na gestão”, afirmou. “Tratava-se mais de cumprimento de tarefas do que de inovação. Trata-se de gerenciar uma marca fazendo um bom trabalho, decidir sobre o lado jornalístico e editorial, e nem pensar como o negócio funcionava, porque estávamos em um estado estável na evolução do modelo de negócios”.

Os últimos 15 ou 20 anos, segundo o orador, “acabaram com isso de todas as maneiras”. Kelly identificou que muitos veículos perderam sua identidade ao longo desse período, em uma busca por cliques, sem saber o que priorizar em termos editoriais. Em resposta, isso “criou uma oportunidade para novas marcas, que vieram ao mundo com dignidade e respeito próprio”. 

Otimismo no jornalismo local

Uma das primeiras perguntas do mediador Chan — que foi colega de Kelly no New York Times há cerca de 10 anos — foi sobre como pensar em novos modelos de negócios para meios de comunicação locais e que enfrentam mais desafios para atrair investimentos.

“O que isso [novos modelos de negócios] significa para jornais que não são de elite? Quero dizer, se você está cobrindo o governo estadual como nós, ou se cobrindo sua comunidade, ou jornalismo cívico, coisas que são mais difíceis de ganhar escala e mais difíceis de monetizar”, perguntou Chan.

Kelly ofereceu uma resposta bastante otimista. Para ele, o modelo de assinaturas e contribuições de leitores irá ganhar força e será capaz de financiar o jornalismo local, tratando-se apenas de uma questão de tempo. 

“Existe um capital extraordinário pronto para ser posto em prática para descobrir como fazer isso. Por uma série de razões, os investidores ainda não entraram em total sintonia com as oportunidades”, afirmou. “Mas esses sistemas que já funcionaram irão funcionar de novo. Eles só vão trabalhar com novos modelos de negócios, e algum risco será necessário para descobrir isso”.

Outra pergunta que Kelly respondeu, desta vez da plateia, foi relacionada a como ele vê a concorrência. A este respeito, ele disse que entende que a variedade de veículos é positiva para o setor como um todo, por permitir que uns aprendam com os outros e também por demonstrar a força da indústria de forma geral, o que multiplica os investimentos.

“Este não é um mercado no qual o vencedor leva tudo. Estamos em um mercado no qual o vencedor leva uma parte. Haverá muitos vencedores nesta nova era na qual estamos”, disse Kelly.

Outra pessoa da plateia, que se identificou como Jane do Twitter, questionou Kelly sobre o estilo de alguns dos textos do veículo, como de William D. Cohan, que por vezes abertamente opinam sobre os assuntos que escrevem. A esse respeito, o editor-chefe do Puck disse tratar-se de uma qualidade incentivada entre a equipe.

“Acreditamos que os jornalistas são especialistas em seus domínios.  Portanto, ativamente encorajamos, desde a concepção, nossos jornalistas a escreverem com apuração, a escreverem com o que sabem e a escreverem com o que pensam”, disse Kelly. “E isso não só porque eu acredito que seja a melhor forma de comunicação. Eu também acho que esta é a mais precisa, e, frequentemente, a mais efetiva”.

A última pergunta da palestra veio de um estudante da plateia: para Kelly, aqueles que ainda estão na universidade dedicados a estudar jornalismo devem se concentrar em aprender as habilidades tradicionais do métier e priorizar o seu aprendizado, ou em vez disso devem tentar criar os seus próprios negócios?

A resposta não foi nenhuma das opções: o mais crucial para um aprendiz, disse Kelly, é se grudar em um grande mestre, e extrair o máximo possível de conhecimento desta pessoa.

“Disseram-me para encontrar alguém que eu admirasse e para ser tão útil para essa pessoa quanto fosse humanamente possível, que assim eu aprenderia uma profissão”, afirmou ele logo antes do coffee break, quando o relógio marcava pouco mais de 15h em Austin. “Eu acredito que você com certeza parece uma jovem pessoa muito inteligente, e quer gabaritar o teste e saber tudo sobre todas as coisas, e sobre as novas plataformas e tudo isso. Mas encontre alguém ótimo e fique tão perto dessa pessoa quanto possível. Absorva tudo. Para mim, isso fez toda a diferença no mundo”.