A sentença chegou quase sem surpresa. Durante quase um ano de processo judicial contra o jornalista guatemalteco José Rubén Zamora Marroquín, o caso recebeu múltiplas acusações de irregularidades e violações de direitos, incluindo ao devido processo legal, impossibilitando um "julgamento imparcial", como denunciou o próprio jornalista.
Em 14 de junho, o Tribunal de Sentença da Oitava Instância do Poder Judiciário, presidido pela juíza Oly González, condenou Zamora a seis anos de prisão pelo suposto crime de lavagem de dinheiro. O mesmo tribunal o absolveu das acusações de chantagem e tráfico de influência que estavam incluídas no mesmo julgamento.
O jornalista, a quem foi negado o direito de ler seu discurso final de defesa durante a audiência, anunciou que apelará da decisão e levará o caso ao sistema interamericano de direitos humanos, se necessário.
"Todos os meus direitos foram violados, mas espero recuperar minha liberdade porque o Ministério Público não conseguiu provar nada", disse Zamora à agência EFE antes do início da audiência em 14 de junho.
Embora inicialmente tenha sido imposto ao jornalista o pagamento de uma multa de 300 mil quetzales (cerca de R$ 180 mil) como "reparação digna ao Estado da Guatemala", em 19 de junho a mesma juíza decidiu que a cobrança dessa multa "não é legítima".
Embora a juíza não tenha concedido os 40 anos de prisão solicitados pelo Procuradoria Especial contra a Impunidade (FECI), a sentença gerou uma rejeição generalizada por parte de diversas organizações, que manifestaram preocupação com a situação dos jornalistas no país, o enfraquecimento da democracia na Guatemala e com o próprio Zamora, que enfrenta pelo menos mais dois casos em aberto.
Uma das primeiras pessoas a se manifestar foi o Relator Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Pedro Vaca, que expressou sua "preocupação" com a condenação em sua conta no Twitter.
"O meio de comunicação que ele liderava foi fechado. Vários jornalistas que cobriram seu caso estão sendo investigados. Os relatos de medo e autocensura da imprensa na Guatemala são diários", escreveu Vaca.
O Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ, na sigla em inglês) também se pronunciou por meio de um comunicado, no qual classificou o processo penal como uma "farsa absurda".
"A condenação vergonhosa e o encarceramento do jornalista guatemalteco José Rubén Zamora são um testemunho cruel da erosão da liberdade de expressão no país e dos esforços desesperados do governo do presidente Alejandro Giammattei em criminalizar o jornalismo", disse Carlos Martínez de la Serna, diretor de programa do CPJ, de acordo com o comunicado. "As autoridades guatemaltecas devem acabar com essa farsa absurda de processos criminais contra ele. É hora de libertar José Rubén Zamora, cujo único 'crime' tem sido o exercício corajoso de sua profissão".
Para a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), a sentença demonstra a "fragilidade institucional do país".
"Isso é um golpe para a liberdade de imprensa na Guatemala", disse Carlos Jornet, presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da SIP, de acordo com um comunicado. Para Jornet, é "contraditório ou, pelo menos, suspeito que um jornalista, cujas denúncias de corrupção pública levaram presidentes e altos funcionários à prisão, termine na prisão".
O coletivo de jornalistas guatemaltecos #NoNosCallarán rejeitou a condenação "baseada em provas ilegais".
"Rejeitamos a condenação de Zamora Marroquín não apenas porque foram consideradas provas obtidas ilegalmente, mas também porque o devido processo legal e seu legítimo direito de defesa foram flagrantemente violados", afirmou o coletivo em um comunicado.
O #NoNosCallarán também mencionou a investigação aberta contra oito colunistas e jornalistas do elPeriódico, um veículo fundado por Zamora que foi forçado a fechar em 15 de maio devido ao processo judicial, como resultado da cobertura do caso.
"[A condenação e a investigação] mais uma vez evidenciam a estratégia de perseguição e criminalização contra a mídia e jornalistas independentes, bem como o uso malicioso do Direito Penal para impor censura, silêncio e impunidade", afirmou o coletivo. "Reiteramos nossa profunda rejeição à instrumentalização da Justiça para silenciar vozes críticas, sufocar os meios de comunicação independentes e, assim, violar o direito do público de estar informado".
Zamora e sua equipe de defesa denunciaram o que consideraram uma série de irregularidades desde o início do caso. Todas essas irregularidades estavam registradas no discurso final de defesa que Zamora foi impedido de ler, mas que foi publicado na íntegra pelo jornal El País.
"Estive lendo a declaração universal dos direitos humanos e a convenção americana sobre direitos humanos e pude perceber que todos os meus direitos foram violados", afirmou Zamora em seu discurso.
Entre os direitos mencionados, Zamora falou do direito a um tribunal imparcial, bem como as garantias necessárias para sua defesa. Ele mencionou, por exemplo, como durante todo esse tempo do processo penal teve que ser atendido por nove advogados de defesa, tanto públicos como privados, a maioria "perseguidos pelo Estado da Guatemala". Segundo ele, quatro foram presos e dois deixaram o país, "tudo para evitar uma defesa técnica eficaz".
Em sua declaração, Zamora fez uma explicação detalhada das irregularidades nos três cargos contra ele e por que considerava que o tribunal deveria absolvê-lo ou anular o julgamento.
Zamora tem mais dois casos em aberto: em 28 de fevereiro, o Ministério Público adicionou a esse primeiro crime que já foi julgado a acusação de "conspiração para obstrução da Hustiça". Segundo o Ministério Público, Zamora teria montado uma campanha difamatória contra operadores de Justiça por meio de publicações no elPeriódico, com a ajuda de outras pessoas. Com base nisso, solicitou a abertura de investigação contra sete jornalistas e dois colunistas do elPeriódico pelo mesmo crime. O Ministério Público também solicitou ao juiz que investigasse as fontes de financiamento do veículo de mídia e dos jornalistas, algo que foi aceito pelo juiz.
O terceiro caso está relacionado ao uso de documentos falsos. Segundo o Ministério Público, o jornalista teria utilizado documentos falsos para entrar e sair do país entre 2015 e 2017. Acrescentou que nas faturas aduaneiras havia assinaturas que não correspondiam à de Zamora.
Para seu filho José Carlos Zamora, o fato de o Estado "gastar recursos" procurando faturas aduaneiras de 2015 para buscar outra acusação contra seu pai faz parte de uma estratégia para manter as vozes críticas presas, uma vez que não provaram os crimes dos quais o acusam.
"Utilizam um processo após o outro para garantir que as pessoas que os incomodam permaneçam na prisão", disse Zamora filho em uma entrevista com Carmen Aristegui. Para ele, outro exemplo disso é o da ex-promotora Virginia Laparra, que está presa com cada vez mais casos contra si.
"Eles demonstram que estão desesperados para encontrar algo que permita manter meu pai na prisão", acrescentou. "Tudo está desmoronando para eles".