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Em veredito sem precedentes, Suprema Corte do Chile decide que direito à informação se sobrepõe a direito ao esquecimento

Em uma decisão unânime e sem precedentes no país, a Suprema Corte do Chile afirmou que o direito à informação se sobrepõe ao direito ao esquecimento. A sentença foi em favor do Centro de Investigación Periodística (Centro de Investigação Jornalística), Ciper-Chile, após um pedido apresentado por um médico para eliminar do site do Ciper uma reportagem sobre má prática médica.

A reportagem, escrita pelo jornalista Gustavo Villarrubias e publicada em 4 de março de 2013, trata sobre o uso de uma pílula abortiva receitada pelo ginecologista Víctor Valverde para induzir o parto de uma paciente grávida no final de novembro de 2012.

Segundo a reportagem do Ciper, o doutor havia planejado sair para viajar cinco dias antes da data prevista para o parto de Patricia Gómez, e insistiu em induzir o parto sem revelar seus motivos, colocando em risco a vida da mãe e do bebê.

“A decisão da Suprema Corte no caso do Dr. Víctor Valverde foi uma confirmação de que quando se faz uma boa investigação jornalística até mesmo os 'intocáveis' (como é o caso de certos médicos aqui no Chile) não podem se esconder por trás de sua influência ou proteção institucional", disse Gustavo Villarrubias ao Centro Knight.

“Por mais que contem com grandes firmas de advogados, a Suprema Corte veio confirmar que uma investigação rigorosa, como a publicada pelo Ciper, não apenas não deve desaparecer, como também deve permanecer no tempo como direito à informação", comentou.

A pílula Misoprostol, que foi utilizada pelo doutor Valverde na esposa então grávida de Villarrubias, está proibida en Chile para induzir partos, como confirmou a reportagem do jornalista do Ciper com o Instituto de Salud Pública (Instituto de Saúde Pública, ISP).

“Assim, imagine o que [isto] significa [para mim] como jornalista do Ciper, e indo além desse tema particular, que anos depois, um tribunal superior de Justiça venha confirmar que a investigação jornalística foi bem realizada, com a dificuldade neste caso de ser 'parte e parcela'", declarou Villarrubias.

A Terceira Câmara da Suprema Corte afirmou em sua decisão do dia 6 de novembro de 2017 que o conhecido doutor Víctor Valverde, ginecologista da prestigiosa Clínica Alemana de Santiago do Chile, não tinha argumentos para sustentar que a reportagem publicada pelo Ciper havia violado seus direitos e liberdades. A decisão colocou ainda que o argumento do doutor não tinha base legal por ser a informação "verdadeira e de interesse público", que contém fatos que foram provados.

recurso legal - baseado no exercício do direito ao esquecimento e ao respeito à pessoa e à vida privada - apresentado por Valverde contra o Ciper, quatro anos depois da publicação da reportagem, chegou à Corte após ser rejeitado pela Corte de Apelações de Santiago.

O direito ao esquecimento é um conceito jurídico adotado nos últimos anos em certos países para que as pessoas que se sintam afetadas por publicações na internet tenham a possibilidade de pedir que esses conteúdos sejam apagados de sites, ferramentas de busca e redes sociais.

De acordo com Villarrubia, tanto o Colegio Médico de Chile como a Clínica Alemana “prestaram uma defesa vergonhosa” ao doutor, apesar de conhecerem os fatos e como eles se sucederam. Além disso, adicionou Villarrubia, conseguiram que um importante canal de TV chileno não veiculasse uma reportagem sobre o caso. No entanto, o doutor Valverde foi finalmente despedido do centro médico, segundo publicou o site BiobioChile.

No dia 31 de julho de 2017, a Corte de Apelações afirmou em sua sentença que a reportagem revelava um fato de relevância pública, no qual a liberdade de informação se encontrava acima do direito à honra, pelo direito que os cidadãos e o sistema democrático têm de conhecer informações de importância pública, reportou o Ciper.

No plano pessoal, Villarrubia disse que ele e sua esposa como família acreditam que é importante que a petição de apagar a reportagem não tenha sido aceita, porque ela "permitiu que nestes últimos cinco anos muitas famílias, graças ao artigo, pudessem evitar que outros ginecologistas fizessem o mesmo com elas".

​O direito ao esquecimento, o qual o doutor Valverde tentou utilizar, vem gerando grande debate a nível mundial entre as organizações internacionais defensoras da liberdade de expressão e informação.

Villarrubia disse que esta decisão tem efetivamente um componente ainda mais global. "O direito ao esquecimento fica em segundo plano quando o direito à informação é mais importante", acrescentou.

Ainda que o direito ao esquecimento não figure na legislação chilena como tal, sua interpretação se baseia no artigo 19, inciso 4 da Constituição Política, que garante “o respeito e a proteção à vida privada e à honra da pessoa e de sua família”. O direito também é amparado pela Declaração Universal de Direitos Humanos sobre este tema.

Há quase um ano, em janeiro de 2016, a Suprema Corte Chilena aplicou o direito ao esquecimento ao aceitar um recurso de proteção que ordenou a eliminação de um delito cometido há mais de dez anos das ferramentas de busca da internet. A notícia afetaria a honra de um major aposentado das forças armadas.

O Ciper publicou sobre o direito ao esquecimento que a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol) se pronunciou a respeito do tema este ano, sobre um caso que está pendente na Corte de Justiça da União Europeia. Trata-se de uma disputa entre Google e a Comissão Nacional de Informática e das Liberdades (CNIL) da França. A CNIL quer que o Google elimine uma informação dos buscadores de todo mundo quando o governo de um país solicitar a retirada.

Para a SIP, este direito ao esquecimento, que permite desindexar e eliminar certos conteúdos dos buscadores e meios digitais que são questionados por terceiros, representa uma visão restrita da liberdade de expressão que afeta o direito à informação que todos os cidadãos possuem, e que promove a censura.

Nota editorial: Rosental Alves, fundador e diretor do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, é membro da Junta de Diretores do Ciper.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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