O governo do Peru formalizou recentemente a criação da Autoridade Nacional de Transparência e Acesso a Informação Pública, cujo objetivo é garantir a aplicação da Lei de Transparência e Acesso a Informação Pública, promulgada há 13 anos, informou o jornal La República.
A Autoridade contará com um Tribunal Administrativo de Transparência que resolverá em última instância os recursos de apelação feitos por cidadãos contra instituições estatais que se recusam a prover informação pública.
No entanto, um dos assessores que fez parte do time de especialistas que trabalharam na proposta da autoridade de transparência para o Ministério da Justiça, o advogado peruano especialista em direito à liberdade de informação Roberto Pereira disse ao La República que a autoridade de transparência aprovada estava condenada ao fracasso.
"O governo tem demonstrado que não tem vontade de lutar a corrupção, por ter criado uma Autoridade de Transparência simbólica", disse Pereira.
O que o comitê de especialistas apresentou, contou Pereira, foi parcialmente acolhido pela Presidência do Conselho de Ministros. "Aprovou-se uma Autoridade de Transparência sem a capacidade de promover transparência no Estado", enfatizou.
Em uma entrevista com o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, Pereira disse que na proposta dos especialistas a Autoridade tinha poderes mais robustos em termos de regulação, supervisão e promoção da transparência, acesso a informação pública e proteção de dados pessoais.
Por exemplo, ele afirmou, a Autoridade tinha a competência de monitorar e resolver conflitos sobre classificação de informação. Neste contexto, explicou Pereira, o órgão poderia revisar e modificar a classificação de informação feita por entidades estatais.
No entanto, ele continuou, "a Autoridade que foi criada não apenas não tem essa competência, e pior ainda, nem sequer será capaz de acessar informação classificada como 'secreta', 'reservada' ou 'confidencial' por entidades estatais. Assim, basta que elas classifiquem a informação para deixar a Autoridade incompetente".
De acordo com Pereira, a classificação indevida de informação é uma das condutas mais graves de "secretismo estatal", portanto se um organismo fiscaliszador não pode revisar essa classificação e revogá-la, não se pode chamá-lo de uma Autoridade.
O diretor executivo do Instituto Peruano de Estudos Governamentais e Sociais, Diethell Columbus Murata, lamentou em seu Twitter que o governo não tenha aceitado totalmente a proposta para a Autoridade de Transparência apresentada por profissionais especialistas que trabalharam no tema desde o começo.
Na opinião de Columbus Murata, o Decreto Legislativo 1353 que criou a Autoridade de Transparência deveria ser observado ou rejeitado pelo próprio governo ou pelo Congresso, uma vez que tem poderes extraconstitucionais.
No entanto, uma das vantagens que a existência da Autoridade de Transparência tornaria possível a sanção de funcionários públicos que se neguem a entregar informação pública pela primeira vez no Peru, de acordo com o blog de notícias LaMula.
As sanções do decreto, segundo publicou o diário oficial El Peruano, vão desde uma advertência por escrito ao funcionário ou instituição até a suspensão sem pagamento, que pode durar de 10 a 180 dias. A regra também inclui multa máxima de 19,750 nuevos soles (cerca de US$ 5,7 mil), além de demissão ou desqualificação, dependendo da severidade do caso.
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, em um comunicado publicado em seu site no dia 7 de janeiro, acolheu a iniciativa do Poder Executivo de criar a Autoridade Nacional de Transparência e Acesso a Informação Pública como sendo um marco chave na luta contra a corrupção, a promoção de transparência no Estado e a defesa de direitos fundamentais, entre outros.
A ideia de criar uma Autoridade de Transparência para regular políticas de acesso a informação pública surgiu no final de 2012, pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão.
O então procurador Eduardo Vega Luna propôs ao Poder Executivo, por meio de uma Anteprojeto de Lei, a criação de uma entidade técnica especializada, com autonomia técnica, funcional, administrativa, regulatória e econômica.
Na proposta, a principal função da Autoridade seria supervisionar e sancionar o descumprimento recorrente da lei de transparência e acesso a informação pública por parte de funcionários públicos. Essa entidade também teria a competência e autoridade de resolver controvérsias, estabelecer critérios vinculantes, treinar instituições e funcionários públicos e promover o direito à informação publica entre os cidadãos, principalmente.
De acordo com documentos da Procuradoria, essa proposta foi desenvolvida com base em experiência institucional. Além disso, o órgão revisou alguns aspectos com o Banco Mundial. Tudo isso foi feito com o objetivo de promover uma cultura de transparência na adminsitração pública e, consequentemente, um exercício efetivo do direito de acesso a informação pela população.
Até hoje, nos 13 anos de vigência da Lei de Transparência e Acesso a Informação Pública, a Defensoria registrou mais de 7 mil denúncias de descumprimento da regra. O órgão também treinou mais de 3 mil funcionários públicos e cidadãos; além de ter produzido vários manuais e relatórios a respeito da lei, publicou a instituição em seu site.
Pereira comentou que a proposta apresentada pelo time de especialistas que participou foi centrada nas ideias originalmente colocadas pelo procurador. No entanto, ele ressaltou que a Presidência do Conselho de Ministros só levou em conta aspectos secundários do projeto.
A respeito da proposta, Pereira acrescentou: "Trabalhamos por 13 sessões, ouvimos a sociedade civil, levamos em conta os principais modelos comparativos, a opinião de acadêmicos, de funcionários internacionais que integram autoridades de cumprimento".
Porém, ele contou, "vimos com assombro como em poucos dias nossa proposta foi colocada de lada e progressivamente transformada em uma instituição cosmética dominada pela improvisação, temores infundados quanto à transparência e muita ignorância sobre o assunto".
A Autoridade criada é "mais uma dependência" do Ministério da Justiça e Direitos Humanos, enfatizou Pereira.
Por sua vez, o presidente peruano Pedro Pablo Kuczynski declarou à rede de rádio RPP que ele não descarta que haja algum erro a ser corrigido nos decretos apresentados pelo Poder Legislativo. Ainda assim, o presidente se mostrou otimista em contar com a cooperação do parlamento para aprovação.
A declaração se referiu ao pacote de medidas de 108 decretos legislativos apresentados no dia 7 de janeiro pelo Poder Executivo ao Congresso, incluindo o que criava a Autoridade de Transparência, dentro de uma janela de 90 dias de faculdades legislativas que o Congresso outorgou ao Executivo.
Embora o decreto que criou a Autoridade tenha entrado em vigor desde a publicação, o Congresso poderia revogá-lo caso o considerasse inconstitucional ou se não tivesse relação com as matérias ou assuntos para os quais o Parlamento deu temporariamente poderes legislativos ao Executivo.
De acordo com Pereira, este decreto não incorre em nenhuma dessas opções, de modo que o Congresso não poderia revogá-lo. "Agora, diferentes são os prazos de implementação que a própria lei contém e que estão relacionados com a emissão de um Regulamento, a eleição dos membros da Autoridade e do Tribunal e a implementação de ambos", disse Pereira.
O Centro Knight consultou, sem êxito, a Defensoria sobre as omissões da Autoridade criada questionadas pelos juristas. O órgão apresentará um parecer detalhado nos próximos dias.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.