Faz quase um mês que o jornalista, fundador e presidente do jornal elPeriódico de Guatemala, José Rubén Zamora Marroquín, foi preso, acusado pelo Ministério Público de suposta lavagem de dinheiro. Desde o momento de sua prisão, assim como da operação policial em sua casa e na redação do jornal, organizações internacionais e nacionais, assim como sua defesa, descreveram o caso como mais um passo na perseguição do governo do presidente Alejandro Giammattei contra a imprensa do país.
Em um esforço para falar sobre seu caso e "manter a chama acesa", como disse Carlos Jornet, da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), o Centro Internacional de Jornalistas (ICFJ, na sigla em inglês) realizou no dia 24 de agosto o painel "Preso por informar: autoridades guatemaltecas atacam um jornalista de destaque".
Moderado pela jornalista mexicana Carmen Aristegui, o painel contou com a participação de Lucy Chay, vice-diretora de elPeriódico; Carlos Dada, diretor de El Faro de El Salvador; e José Carlos Zamora, diretor de comunicação do Exile Content Studio e filho de José Rubén Zamora Marroquín.
Zamora começou explicando a difícil relação entre elPeriódico e o governo por conta de investigações jornalísticas. De acordo com os números do jornal, nas 137 semanas da presidência de Giammattei, elPeriódico não deixou de publicar uma única semana alguma investigação sobre supostos casos de corrupção: processos irregulares ou contratos outorgados a amigos da administração fazem parte das constantes denúncias.
A investigação publicada por elPeriódico que teria sido o "ponto de ruptura", segundo Zamora, estava relacionada a um acordo comercial com uma empresa russa para explorar uma mina. Um acordo no qual o presidente supostamente recebeu dinheiro.
Após esta e outras investigações, em 29 de julho o Ministério Público "conseguiu montar um caso baseado em alguns fatos reais que eles conseguiram distorcer e depois acrescentar algumas provas ilegais e outras provas fabricadas", disse Zamora ao painel.
O caso da acusação contra Zamora Marroquín, que foi elaborado em 72 horas, segundo uma investigação de El Faro, baseia-se no testemunho de uma única pessoa e na entrega de dinheiro que Zamora Marroquín realizou, em troca de um cheque, como parte dos procedimentos adotados no contexto de um boicote financeiro contra o jornal.
De acordo com Zamora, "elPeriódico tem experimentado diferentes tipos de perseguição pelo Estado ao longo de sua história". Além de ameaças, sequestros, tentativas de assassinato, entre outros ataques, uma das estratégias mais recentes é o boicote comercial. De acordo com Zamora e Lucy Chay, o governo proíbe grandes empresas de anunciar no jornal.
"[Isto] tem levado muitos empresários, que acreditam que elPeriódico desempenha um papel fundamental na democracia da Guatemala, a querer apoiá-lo, mas sem que isso se saiba porque temem represálias do Estado", explicou Zamora, que deu o exemplo de um empresário que perdeu sua licença por um ano depois de continuar anunciando no jornal.
Foi neste contexto que Zamora Marroquín recebeu uma doação em dinheiro de um empresário, disse Zamora. "Deve ser enfatizado que os fundos são legais e bancarizados, eles vêm do sistema bancário", acrescentou. Como se tratava de dinheiro vivo, o diretor de elPeriódico procurou uma maneira de reinseri-lo no sistema bancário, entre outras coisas, para pagar a folha de pagamento dos jornalistas. Foi quando surgiu a figura de Ronald Giovanni García Navarijo, um ex-banqueiro que Zamora Marroquín conhecia há algum tempo porque era gerente do Banco de los Trabajadores e porque tinha sido fonte de elPeriódico.
De acordo com o que conta Zamora, García Navarijo ofereceu a Zamora Marroquín a entrada da doação no sistema bancário – algo que não foi visto como suspeito por causa de seu passado como banqueiro. Zamora Marroquín deu o dinheiro a García Navarijo e García Navarijo deu-lhe um cheque que deveria ser depositado na conta de ElPeriódico. Esta etapa nunca foi concluída porque o cheque não tinha fundos.
Estes dois pontos são destacados por Zamora para garantir que o crime de lavagem de dinheiro não se aplica no caso de seu pai: primeiro, porque o dinheiro tem origem lícita e estava no sistema bancário (de fato, a foto original do Ministério Público mostra o dinheiro com bandas bancárias que desapareceram na primeira audiência de seu pai). E, segundo, que o dinheiro nunca chegou ao sistema bancário porque a conta não tinha fundos.
"A verdade é que Navarijo defraudou [Zamora Marroquín]. Ele recebeu o dinheiro em notas – bancarizado, legal e legítimo – e deu um cheque sem fundos", disse Zamora, que acrescentou que eles agora acreditam que "tudo isso foi uma encenação do Ministério Público".
Apesar do caso ser frágil, segundo Zamora, o sistema judicial concedeu ao Ministério Público o período máximo que existe na lei guatemalteca para construir o caso, ou seja, três meses. Também decidiu que Zamora Marroquín deveria passar esses três meses na prisão e não em prisão domiciliar, por exemplo, como teria acontecido em outros casos.
"Desde o início, este processo descumpriu todos os requisitos legais e prazos processuais", acrescentou Zamora.
"Acreditamos que a intenção não é apenas a detenção de José Rubén Zamora, mas também matar e asfixiar elPeriódico, que tem sido um meio de comunicação dedicado a monitorar e investigar todos os casos de corrupção no país. E definitivamente, se eles estão fazendo isso conosco, que há 26 anos estamos fiscalizando o governo, eles vão continuar com outros meios de comunicação", disse Chay, vice-diretora do jornal, enfaticamente. "Isto é apenas o começo, não é o fim.”
Chay falou das condições sob as quais a equipe está atualmente fazendo jornalismo: sem receber nenhum salário devido ao congelamento das contas e com muito medo do que pode acontecer. Por exemplo, dias depois que as contas foram descongeladas, a diretora financeira do jornal foi presa, afetando novamente o funcionamento normal do meio.
"Estamos trabalhando lentamente. É um processo bastante duro para a equipe editorial que tem trabalhado em conjunto. E sim, há medo e acreditamos que o mesmo medo está nos fazendo trabalhar e nos tem feito trabalhar todo este tempo", disse ela. "A convicção da redação e de toda a equipe é seguir trabalhando e ver como podemos continuar a funcionar. Não sabemos quanto tempo podemos aguentar, mas continuamos lá".
Chay também mencionou os diferentes ataques que Zamora Marrqouín e o jornal enfrentaram. Em 2003, sua casa foi invadida e ele e sua família tiveram que se exilar. Em 2008, ele foi sequestrado, dopado e abandonado "como morto" em uma estrada. Em 2016, ele teve que se exilar novamente por quase sete meses depois de saber de um plano de um atentado contra sua vida. Ele também teve que enfrentar várias acusações criminais, uma das mais recentes usando a Lei de Femicídio. Em maio passado, o meio soube que o Ministério Público estava planejando um caso contra ele, que finalmente se concretizou em 29 de julho.
Carlos Dada, de El Faro, falou sobre a deterioração da Guatemala em seu aspecto judicial. Em um breve resumo, Dada explicou como em 2004 o governo guatemalteco convidou as Nações Unidas a intervir para recuperar o Estado, que parecia ter sido perdido para o crime organizado. Com a criação da Comissão Internacional contra a Impunidade na Guatemala (CICIG) e a criação da Procuradoria Especial contra a Impunidade (FECI), a Guatemala começou a se recuperar.
O governo de Jimmy Morales, no entanto, decidiu encerrar o convênio com a CICIG. "Depois disso, começou a retomada do aparato do Estado”, disse Dada, que explicou que a então Procuradora Geral foi demitida e está atualmente no exílio junto com o então chefe da FECI. A atual Procuradora Geral, Consuelo Porras, e o chefe da FECI, Rafael Curruchiche, estão na lista Engel dos EUA - uma lista de agentes públicos centro-americanos acusados de corrupção.
"Eles são os que estão atualmente processando José Rubén Zamora. Penso que é muito importante esclarecer isto para nos dar conta da origem e da credibilidade do caso contra José Rubén Zamora", enfatizou Dada.
Chay acrescentou que a saída da CICIG ocorreu quando as investigações contra o ex-presidente Morales estavam começando, e que a substituição do chefe da FECI aconteceu quando o presidente Giammattei estava sendo investigado. Atualmente, 24 operadores de justiça estão no exílio, e cinco estão sendo processados, disse Dada.
"O caso de meu pai não é apenas o caso contra ele. Este é um exemplo do que está acontecendo no país. É um ataque sistemático à democracia e um ataque sistemático à imprensa. Giammattei perseguiu ativistas, então, como eles disseram, ele perseguiu os operadores de justiça que trataram de casos de corrupção de alto impacto. E agora ele está perseguindo a imprensa. É um ataque de um regime extremamente autoritário, é sistemático, e é contra a democracia", disse Zamora.
"É talvez a mensagem mais gritante de um governo contra a liberdade de expressão, contra a liberdade de imprensa", disse Chay no final do painel. "É uma mensagem bastante forte, não apenas para a imprensa, mas também para todas as pessoas que querem levantar sua voz contra o governo ou que discordam do governo.”
Um perigo que não está limitado à Guatemala, que tem cada vez mais jornalistas no exílio ou processados judicialmente, explicou Dada. O jornalismo da Nicarágua está quase inteiramente no exílio e o país ficou oficialmente sem jornais. Em El Salvador existe um sistema de ataques contra qualquer voz crítica ao governo. O México com seus ataques a jornalistas vindos da presidência também se destaca. Brasil, Cuba e Venezuela também são referências por seus ataques à imprensa, e até mesmo a Costa Rica começou a se destacar pela hostilidade do governo contra jornalistas.
"O ataque à imprensa tem a intenção de não permitir uma narrativa alternativa àquela que o Estado quer impor. Ou seja, hoje os governos têm o patrimônio da verdade e o exercem ocultando toda a informação. E os jornalistas, cuja função é tomar posição contra o poder e exigir responsabilidade, são um estorvo", disse Dada.
As consequências para o jornalismo são claras. Em primeiro lugar, os meios de comunicação e seus jornalistas assediados e perseguidos, por causa da preocupação, deixam de lado seu papel principal, que é o de servir à comunidade com informações e investigar a corrupção. Isso também afeta e assusta as fontes, mas afeta especialmente os cidadãos.
"Isso afeta diretamente o direito dos cidadãos de estarem informados, a saber o que está sendo feito com os fundos públicos", disse Dada. "Estamos efetivamente vivendo uma situação de desmantelamento da democracia com regimes autocráticos e populistas para os quais o exercício do jornalismo é claramente um estorvo. O objetivo final não é provar que José Rubén Zamora é um lavador de dinheiro. O objetivo final é nos silenciar, porque nossas investigações afetam diretamente seu monopólio de poder".
O painel foi encerrado com comentários de Carlos Jornet, presidente do Comitê de Liberdade de Imprensa e Informação da SIP, que analisou as tendências autoritárias contra a imprensa da região, lideradas pelo casal Ortega-Murillo na Nicarágua, que ele descreveu como uma “escola de ditadores”.
"Por tudo isso, nós e todos aqueles que acreditamos no valor da democracia e da liberdade temos uma obrigação e um compromisso de fazer ouvir nossa voz no caso de José Rubén Zamora", disse Jornet. "Que ressoe em todo o continente e além, porque certamente concordarão comigo que nesta operação policial, nesta prisão, nesta acusação judicial, podemos reconhecer o início de um processo que visa fechar o cerco ao jornalismo livre e avançar sobre todas as instituições democráticas.”