A cofundadora, CEO e editora do Meduza — o maior meio de comunicação independente russo, publicado em russo e inglês do exílio — apresentou os desafios do site de notícias no combate à censura russa no 25º Simpósio Internacional de Jornalismo Online (ISOJ), na tarde de 12 de abril.
Para Galina Timchenko, cuja sessão principal foi presidida pela professora Kathleen McElroy de Jornalismo da UT e intitulada "Missão Impossível: os 10 anos de experiência do Meduza vencendo a censura do Kremlin", foi um feliz retorno à Universidade do Texas em Austin, após uma primeira participação em 2016.
“Quando visitei Austin pela primeira vez, fiquei muito feliz, porque os executivos de mídia russos e os jornalistas russos não estão habituados a partilhar as suas experiências, os seus problemas e desafios, e a encontrar soluções. Os russos são muito bons em falar sobre seus sucessos e conquistas”, disse Timchenko.
“Quando visitei Austin pela primeira vez, disse: ‘Meu Deus, estou no céu. Todo mundo está falando sobre desafios e soluções’. Então agora estou aqui e quero compartilhar com vocês nossos problemas, nossos desafios e talvez algumas soluções”.
Há nove anos a redação do Meduza opera do exílio, e a perseguição que o site sofre tem crescido nestes últimos anos. Em abril de 2021, autoridades russas designaram o veículo como um “agente estrangeiro”, em uma tentativa de reduzir as suas receitas publicitárias.
O site se opõe à invasão da Ucrânia desde o seu início, em fevereiro de 2022, o que levou o governo de Vladimir Putin a bloqueá-lo em território russo. Finalmente, em janeiro de 2023, o Kremlin proibiu completamente o Meduza, declarando-o uma “organização indesejável” ilegal.
Mesmo assim, o Meduza conseguiu reter a maior parte de sua audiência devido a uma infraestrutura diversificada e tecnologicamente avançada, alcançando milhões de pessoas em território russo. Foi essa experiência de alguém que opera sob constante perseguição, mas que desenvolveu estratégias brilhantes para não calar e permanecer produzindo e disseminando informação independente, que Timchenko compartilhou no ISOJ.
“Gostaria de falar sobre como o Meduza se estabeleceu e como a Rússia se tornou muito avançada na censura, e por que ainda estamos vivos”, resumiu Timchenko sobre seus propósitos.
A história do Meduza, relatou Timchenko, começa em 2014, ano em que a Rússia anexou ilegalmente a Crimeia da Ucrânia. Naquele ano, o Kremlin apertou o controle sobre a imprensa. Timchenko então era editora-chefe do Lenta.ru, o veículo independente mais influente da Rússia.
“Fui demitida em um minuto e substituída por um cara pró-Kremlin. Agora, ele trabalha para a administração do Kremlin como vice-chefe de política interna. Ele me substituiu e quase toda a equipe pediu demissão, todos os meus jornalistas se demitiram em protesto”, disse Timchenko.
Quinze jornalistas foram para Riga, na Letônia, e três repórteres ficaram em Moscou. Naquele momento, segundo Timchenko, a censura do Kremlin ainda era tecnologicamente pouco avançada, mas isso rapidamente mudaria.
De acordo com dados que ela apresentou, houve o registro de 887 mil websites bloqueados na Rússia em 2023, em comparação a 3.800 dois anos antes. Todas as redes sociais independentes, assim como VPNs, o TOR e os modos mais tradicionais de se contar a censura.
Enquanto isso, a mídia russa se tornava cada vez mais propagandística, mesmo que mantivesse a aparência de independência, disse Timchenko.
“Eles começaram o que eu chamo de sistema de mídia zumbi. Quando assumiram o controle da mídia, apenas mudaram de editores e chefes ou jornalistas. Você tem o mesmo logotipo, tem o mesmo design, mas a mídia está morta por dentro. Mesmo aqueles meios de comunicação empresariais como o Kommersant, um jornal russo muito popular, são meios de comunicação zumbi, porque o logotipo é o mesmo, mas estão mortos por dentro”, disse Timchenko.
Essa operação foi possível devido à colaboração com o regime por parte de jovens profissionais tecnicamente qualificados, acrescentou a jornalista
“Temos uma nova geração, eu os chamo de ‘Putinóides’. Eles são uma geração mais jovem de desenvolvedores ou jovens com conhecimentos técnicos. Eles têm como única oportunidade de ascender socialmente trabalhando para o governo, e não conhecem nenhum outro sistema além do regime de Putin. O regime de Putin lhes oferece uma enorme quantidade de dinheiro, com enormes possibilidades, enormes oportunidades nas suas vidas, por isso começaram a desenvolver-se muito rapidamente”, disse Timchenko.
Quando o Meduza foi designado um agente estrangeiro em 2021, o site esteve frente a “um colapso financeiro”, por perder toda a verba publicitária, afirmou Timchenko. Doze jornalistas pediram demissão.
Uma campanha de financiamento coletivo salvou o site.
“Decidimos: ‘O que temos? Temos nossa audiência.’ E dissemos abertamente: ‘Pessoal, não temos nada, exceto vocês, por favor, nos ajudem a salvar o Meduza’”, contou Timchenko. “Nossa campanha de crowdfunding foi a maior campanha de crowdfunding nda Rússia; 177 mil pessoas nos apoiaram financeiramente. Jovens designers também fizeram produtos e dividiram a receita conosco. Assim, em meio ano, substituímos totalmente todas as nossas receitas de publicidade. Recebemos mais de 3 milhões de euros em donativos através da campanha de crowdfunding, por isso sobrevivemos”.
Timchenko descreveu 24 de fevereiro de 2022, a noite da invasão russa à Ucrânia, como “uma das noites mais assustadoras da minha vida”. Até a palavra “guerra” estava – como continua a estar – proibida de ser usada na Rússia, devendo ser preterida pelo eufemismo “operação militar especial”.
Após ser bloqueado, em janeiro do ano passado, o Meduza foi declarado “indesejável” em solo russo.
"O que significa 'organização indesejável'? Toda conexão direta conosco é um crime. Eu sou uma criminosa. Muitas opções, desde dois anos de prisão pelas chamadas notícias falsas até alta traição por 20 anos de prisão. Eu sou a chefe de uma organização indesejável. Portanto, de acordo com o Estado russo, sou uma criminosa”, disse Timchenko.
A jornalista atribui a sobrevivência do Meduza ao seu departamento técnico, descrito como o “coração e o cérebro” do veículo.
O aplicativo de celular do Meduza conta, segundo Timchenko, com cinco ferramentas para contornar a censura e “funciona perfeitamente dentro da Rússia”. A ferramenta do “link mágico” cria uma URL única para cada página, que pode ser compartilhada escapando do bloqueio por autoridades.
Há ainda um design especial para PDFs, que, segundo a apresentação, são baixados mais de 200 mil vezes por mês.
Em termos jornalísticos, o Meduza diz contar com 140 freelancers operando anonimamente dentro da Rússia, que o permite publicar 90 matérias escritas de dentro do país por mês. Há ainda o que Timchenko chamou de “proxy media”: um outro veículo, que tem permissão para operar dentro da Rússia, e que conduz entrevistas e faz reportagens lá de dentro, posteriormente publicadas pelo Meduza.
“Nosso principal poder é o pensamento negativo. Somos grandes fãs do livro do astronauta canadense Chris Hadfield, ‘An Astronaut's Guide to Life on Earth’ [‘Guia de um astronauta para vida na Terra’]. Seu pensamento principal é que o pensamento negativo é um poder. Você tem que prever o que pode matá-lo nos próximos cinco minutos, cinco dias, cinco semanas. Começamos a fazer isso”, disse Timchenko. “A cada três meses, desenvolvemos cenários de desastre, o que pode nos matar a seguir. E começamos a fazer planos de ação. Infelizmente, os piores cenários tornaram-se realidade muitas vezes”.
A perseguição continua no momento presente. Timchenko relatou como teve o seu celular invadido pelo software de espionagem Pegasus.
“Com que objetivo eles queriam ver meu iPhone? O que eles viram? Fotos nuas? Não as tenho, apenas fotos da minha torta de ameixa, que orgulhosamente fiz usando a receita do New York Times”, disse Timchenko.
A previsão do futuro descrita pela jornalista foi sombria. No futuro, a internet russa pode se desligar do resto da rede global, tornando-se um serviço restrito internamente ao país, disse Timchenko.
“Todos os serviços globais serão substituídos por nativos. Contornar bloqueios será possível apenas para jovens ou leitores com conhecimentos técnica, e eles estão pesquisando e encontrando conteúdo apropriado o mais rápido possível”, afirmou.
Mesmo assim, o Meduza espera conseguir mais uma vez escapar da perseguição e da censura, para levar informação independente e de qualidade até o público, afirmou a palestrante, acrescentou a jornalista.
“Mas vamos sobreviver de novo e temos alguns truques”, concluiu Timchenko.
O ISOJ é uma conferência global de jornalismo online organizada pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas da Universidade do Texas em Austin. Em 2024, o evento celebra 25 anos reunindo jornalistas, executivos de mídia e acadêmicos para discutir o impacto da revolução digital no jornalismo.