Glenn Greenwald, editor cofundador do The Intercept Brasil, disse nesta terça-feira, 25 de junho, que o ministro da Justiça, Sergio Moro, tenta “intimidar e criminalizar” o site jornalístico em suas declarações sobre a série de reportagens Vaza Jato.
O jornalista participou de uma audiência na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, em Brasília, a convite de deputados da comissão.
Greenwald falou sobre as reportagens e a repercussão da série, que desde o dia 9 de junho tem publicado conversas privadas que o Intercept atribui a procuradores da operação Lava Jato e ao ex-juiz e atual ministro. Em parceria com o Intercept, o jornal Folha de S. Paulo começou a publicar no dia 23 de junho reportagens baseadas no material obtido pelo site.
As reportagens do Intercept sobre as conversas apontam suposta colaboração entre Deltan Dallagnol, procurador e coordenador da força-tarefa da Lava Jato, que investiga esquemas de corrupção no Brasil, e Moro, que julgou processos da operação. Segundo a legislação brasileira, é vedado o “aconselhamento” do juiz a qualquer das partes, acusação ou defesa, em um julgamento.
O Intercept afirma ter recebido os arquivos com as mensagens privadas de uma fonte anônima. Em sua primeira manifestação sobre as reportagens, no dia 10 de junho, Moro afirmou em seu perfil no Twitter que as “supostas mensagens” foram “obtidas por meios criminosos”. No dia 14, o ministro se referiu ao Intercept como “site aliado a hackers criminosos”.
Na audiência na Câmara, Greenwald foi questionado por deputados e falou sobre as ameaças que ele, sua família e a equipe do Intercept têm recebido desde a publicação das reportagens. No entanto, segundo ele, “ameaça muito mais grave” são as declarações de Moro, que ele considera que tentam intimidar a equipe do site e criminalizar seu trabalho jornalístico.
“O tempo todo Sergio Moro está nos chamando de aliados de hackers, tentando falar que tivemos envolvimento na tentativa de pegar os documentos. Ele já foi denunciado por muitas organizações que têm como propósito defender a liberdade de imprensa, porque a intenção de Sergio Moro é muito óbvia: ele está tentando nos ameaçar, nos intimidar, nos criminalizar”, disse o jornalista.
Segundo a Folha, o ministro “diz não reconhecer a autenticidade das mensagens obtidas pelo Intercept e nega ter cometido ilegalidades na condução da Lava Jato”.
Greenwald disse que a equipe do site passou semanas verificando a autenticidade do material. Também comentou que, ao fechar a parceria com a Folha, o jornal realizou uma investigação independente sobre a autenticidade do material e “não detectou nenhum indício de que ele possa ter sido adulterado”, segundo publicou a Folha. “Os repórteres, por exemplo, encontraram diversas mensagens que eles próprios trocaram com a força-tarefa nos últimos anos”, afirmou o jornal, citado por Greenwald na audiência.
O jornalista também citou a Constituição brasileira e sua garantia da liberdade de imprensa e do sigilo da fonte. Greenwald, que é dos Estados Unidos, também disse que não tem intenção de deixar o Brasil, onde vive há 15 anos, e que confia nas instituições do país para proteger e defender a imprensa livre.
Ameaças de morte após reportagens
Greenwald, sua família e parte da equipe do TIB têm sido alvo de ameaças online desde a publicação da primeira reportagem da série, conforme reportou o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ).
As ameaças de morte e violência recebidas por Greenwald e seu marido, o deputado federal David Miranda, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) do Rio de Janeiro, "continham informações pessoais e privadas substanciais" sobre o jornalista e sua família, mencionando inclusive os filhos e os cães do casal, disse ele ao CPJ.
Leandro Demori, editor-executivo do TIB, disse ao CPJ que já recebeu dezenas de ameaças online após a publicação das reportagens. “Recebemos ameaças físicas, como pessoas escrevendo 'vou cortar seu estômago com uma faca' ou 'a caça continua', mas você nunca sabe se é real ou apenas para assustá-lo”, disse o jornalista. “Estamos monitorando esses perfis e tentando identificar padrões. Tomamos mais medidas de proteção, inclusive físicas. É controlável agora, mas estamos preocupados.”
“As autoridades brasileiras devem respeitar o direito ao sigilo da fonte, garantido pela Constituição Federal, assim como assegurar a proteção dos jornalistas do The Intercept Brasil e investigar as graves ameaças recebidas por Glenn Greenwald e sua família”, afirmou Emmanuel Colombié, diretor regional da Repórteres Sem Fronteiras para a América Latina, em nota de repúdio aos ataques divulgada pela organização.
“Ataques contra a credibilidade de meios de comunicação que revelam informações de interesse público, comprometedoras para o governo, são infelizmente frequentes no Brasil; têm por objetivo claramente desviar a atenção do público sobre o conteúdo das revelações”, disse Colombié. “Nesse episódio inédito, são ainda mais graves pois estão acompanhados de ameaças contra a integridade física do jornalistas e por uma enxurrada de insultos de caráter homofóbico e xenófobo desprezíveis.”
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) também publicou uma nota de repúdio aos ataques a Greenwald e ao Intercept. “Tentativas de intimidar e silenciar um veículo são ações típicas de contextos autoritários e não podem ser tolerados na democracia que rege o país”, afirmou a entidade. Sobre a declaração de Moro de que o Intercept é um “site aliado a hackers criminosos”, a Abraji afirmou se tratar de “uma manifestação preocupante de um ministro que já deu diversas declarações públicas de respeito ao papel da imprensa e à liberdade de expressão”.
Horas após a divulgação da nota pela Abraji, Moro cancelou sua participação no 14º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da entidade, onde seria entrevistado em um painel no dia 28 de junho. Ele alegou “motivo de agenda”, disse a Abraji em seu perfil no Twitter.
O ministro esteve em audiência no Senado no dia 19 de junho e disse existir “um grupo criminoso” por trás da obtenção e divulgação das mensagens trocadas entre procuradores e ele, segundo informou a Agência Senado. Assim como Greenwald, o ministro também foi convidado a falar em audiência na Câmara, mas cancelou sua presença alegando uma viagem aos Estados Unidos, conforme reportou o G1. Segundo O Globo, Moro reagendou seu comparecimento na Câmara para o dia 2 de julho.
O Centro Knight entrou em contato com o Ministério da Justiça para ouvir o ministro Sergio Moro, mas não obteve resposta até a publicação desta nota.