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Governo brasileiro atende a demanda de organizações de defesa da liberdade de imprensa e cria Observatório Nacional da Violência contra Jornalistas

O governo brasileiro anunciou a criação do Observatório Nacional da Violência contra Jornalistas, uma demanda de organizações de defesa da liberdade de imprensa e dos jornalistas do país. O anúncio foi feito pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, no dia 17 de janeiro, um dia após se reunir com representantes da categoria em Brasília, que apresentaram uma série de propostas ao ministro para conter a violência contra profissionais da imprensa.

O secretário nacional de Justiça, Augusto de Arruda Botelho, é a autoridade responsável pelo Observatório. Ele disse à LatAm Journalism Review (LJR) que a criação do órgão se deu “em razão da importância da temática e da escalada de violência que os jornalistas vêm sofrendo nos últimos anos”.

“De 2019 para cá os números vêm aumentando de forma bastante significativa. Principalmente em razão da forma como o governo anterior, especificamente o presidente [Jair] Bolsonaro, tratava a imprensa, de forma extremamente violenta e desrespeitosa, especialmente em relação às jornalistas mulheres. Isso, por óbvio, influenciou seus apoiadores a agir da mesma forma”, disse Botelho.

Segundo ele, o Observatório não vai apenas fazer “uma monitoração passiva” da violência contra jornalistas, mas também acompanhar os casos e buscar garantir que eles sejam investigados e que agressores sejam responsabilizados.

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Representantes de Fenaj, Abraji e Sindicato dos Jornalistas do DF em reunião com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, no dia 16 de janeiro. Foto: Tom Costa / MJSP

“A Secretaria Nacional de Justiça tem na sua competência a interlocução do governo com todos os atores do Poder Judiciário. Então o Observatório não vai apenas acompanhar os casos, mas cobrar as autoridades. Para que isso possa ter uma dinâmica boa, estão sendo encaminhados os convites ao longo dessa semana e da próxima a entidades ligadas a jornalistas, veículos de imprensa, associações, sindicatos e sociedade civil organizada que trate desse tema, e também a representantes da Justiça: Polícia Federal, Conselho Nacional do Ministério Público, Ministério Público Federal, Conselho Nacional de Justiça. Todos serão convocados a indicar representantes para este Observatório”, disse o secretário.

Botelho afirmou que pretende fazer “uma primeira grande reunião” com estes representantes no começo de fevereiro, para que “a gente em conjunto desenhe o formato do Observatório”.

Segundo ele, o órgão vai acompanhar não apenas casos de violência física, mas também ataques online, e propor medidas para prevenir a violência contra jornalistas. “Não adianta ser só reativo. Seremos pró-ativos apresentando, quando obviamente este grupo estiver formado e tiver discutido isso, propostas para melhoria”, disse Botelho.

Abertura para diálogo

A disposição do novo governo, liderado desde 1o de janeiro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao diálogo e à defesa da classe jornalística contrasta com a postura do governo anterior, liderado por Jair Bolsonaro, um dos principais instigadores da violência contra a categoria no país.

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Augusto de Arruda Botelho, secretário nacional de Justiça, será a autoridade responsável pelo Observatório. Foto: Tom Costa / MJSP

De acordo com registros de organizações de defesa da liberdade de imprensa e de jornalistas, Bolsonaro, seus aliados políticos e apoiadores têm sido os principais agentes da violência contra profissionais da imprensa nos últimos anos no Brasil. Em 2022, a violência alcançou níveis recordes, segundo a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), e se intensificou no período pós-eleitoral, em meio aos distúrbios promovidos por apoiadores de Bolsonaro após sua derrota nas urnas. Somente entre 30 de outubro de 2022 e 1o de janeiro de 2023, foram pelo menos 70 casos de ataques a jornalistas, segundo monitoramento feito pela Abraji em parceria com a Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj).

Este cenário culminou no dia 8 de janeiro, quando milhares de bolsonaristas invadiram e depredaram instalações do Congresso Nacional, da Presidência da República e do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília. Pelo menos 40 jornalistas foram atacados entre os dias 8 e 11 de janeiro, segundo a Abraji.

No dia 9 de janeiro, representantes da Abraji, da Fenaj, do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF) e da Repórteres sem Fronteiras (RSF) se reuniram com o ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República, Paulo Pimenta, e com o secretário de Políticas Digitais da Secom, João Brant. A reunião tratou dos ataques do dia 8 e marcou a disposição do governo federal em atuar para mitigar a violência contra jornalistas no país, segundo relatos da Abraji e da Fenaj.

No dia 16 de janeiro, representantes da Abraji, da Fenaj e do SJPDF se reuniram com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, e apresentaram uma série de demandas para coibir a violência contra profissionais da imprensa, entre elas a criação do Observatório.

Segundo Samira de Castro, presidenta da Fenaj, a criação deste órgão pelo governo federal é uma demanda da entidade desde 2013, quando aconteceram os protestos populares que ficaram conhecidos como Jornadas de Junho e “a categoria [dos trabalhadores da imprensa] começou a ser agredida de uma forma muito massiva no Brasil”, disse ela à LJR.

“A gente nunca tinha encontrado eco no poder público para que esta proposta fosse colocada em prática. Infelizmente precisamos chegar a este momento de extrema violência para isso”, afirmou.

Ela salientou que a reunião com Dino foi convocada não pelas entidades, mas pelo Ministério da Justiça, o que “demonstra que a gente sai de um período de quatro anos sem diálogo com as entidades representativas dos jornalistas por parte do Poder Executivo central, de um governo que criminalizava e descredibilizava a atividade jornalística, (...) para um ponto positivo, que é um diálogo muito rápido [com o atual governo]”.

Castro observou que várias entidades de defesa da liberdade de imprensa e dos jornalistas fazem seus próprios monitoramentos da violência contra estes profissionais – como a própria Fenaj, a Abraji e a RSF, por exemplo.

“Na verdade, a gente precisa que o poder público assuma como política pública o acompanhamento dessa violência e a garantia de responsabilização dos autores. A gente parte de uma esfera de cada entidade para um guarda-chuva que seja nacional e que tenha um suporte de estrutura e de funcionamento via Ministério da Justiça”, disse ela.

Katia Brembatti, presidenta da Abraji, também falou à LJR sobre a diferença entre o governo anterior e o atual na relação com os jornalistas e na abordagem da violência contra os profissionais.

“A gente vinha de um cenário em que não tinha diálogo, não tinha conversa, e mais do que isso: tinha um incentivo, um estímulo a agressões de todos os tipos [contra jornalistas], seja no Twitter, seja física”, disse ela sobre o governo Bolsonaro.

Segundo Brembatti, “esta relação amistosa que está acontecendo nestes primeiros dias de governo [entre entidades de defesa dos jornalistas e o governo federal] não era assim em governos petistas anteriores”, de Lula (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016).

“Obviamente não havia uma beligerância como a gente viu na gestão Bolsonaro, mas não havia essa aproximação. Acreditamos que o estado de coisas, o nível em que [a violência] chegou, levou a essa abertura. [Os jornalistas] estamos muito expostos, eu diria até fragilizados. A visão que eu tenho é que em outros países a liberdade de imprensa não é defendida só por jornalistas, mas pela sociedade, em maior ou menor nível. No Brasil temos a sensação de que estamos lutando sozinhos, que só nós estamos dizendo ‘olha, estão nos atacando’”, afirmou.

A postura atual do governo brasileiro, de repúdio à violência contra jornalistas, e a disposição para tratar do tema em conjunto com as organizações que atuam nessa questão “é muito importante, porque considerar crime contra jornalista como crime comum não dá, principalmente no momento que a gente está vivendo”, disse ela.

“Não dá para dizer que qualquer coisa que aconteça com jornalista é um crime comum, porque não é, é um crime direcionado a uma categoria, à imprensa. (...) O entendimento por parte do governo de que há um problema sério, uma questão direcionada, e que é necessário tomar alguma medida, para a gente já é um avanço, se a gente olhar para o passado recente”, disse Brembatti.

Imagem em destaque: jornalistas em conferência de imprensa no Ministério da Justiça e Segurança Pública. Foto: Tom Costa / MJSP.