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Governo da Nicarágua aperta o cerco à liberdade de expressão com nova lei de telecomunicações

A Nicarágua vive sob um estado constante de censura e criminalização do jornalismo: meios confiscados pelo regime, jornalistas ameaçados, atacados, processados, deportados ou forçados ao exílio.

 

Em 31 de outubro, o regime do presidente Daniel Ortega aprovou uma lei que pode se tornar um mecanismo de censura adicional contra o jornalismo. A nova Lei Geral de Telecomunicações Convergentes marca um ponto de inflexão na distribuição de conteúdo no país e, de acordo com jornalistas independentes, pode ter implicações profundas na liberdade de expressão e nos direitos digitais dos nicaraguenses.

“O regime perdeu a batalha da comunicação, perdeu a batalha da verdade e agora está tentando usar uma suposta legalidade para iniciar essa nova campanha de regulamentação e controle de conteúdo”, disse Carlos Fernando Chamorro, fundador e diretor da Confidencial, durante uma transmissão ao vivo no canal do YouTube do meio de comunicação.

Essa nova lei substitui a Lei Geral de Telecomunicações e Serviços Postais, em vigor desde 1995 na Nicarágua, e entre suas diretrizes facilita o acesso das autoridades aos dados de navegação e pessoais dos usuários da internet.  Também estabelece que o Instituto Nicaraguense de Telecomunicações e Correios (Telcor) pode obrigar as operadoras de telecomunicações, incluindo os meios de comunicação ou qualquer pessoa que produza conteúdo na internet, a solicitar licenças e pagar uma porcentagem de suas receitas para operar na Nicarágua. Aqueles que não cumprirem podem ser multados.

O artigo 110 afirma que as operadoras de telecomunicações são obrigadas a fornecer todas as informações solicitadas, “incluindo informações estatísticas e georreferenciadas geradas a partir de sua participação no mercado”.

Isso significa que o regime poderá acessar informações de identificação, como nomes e endereços; metadados de comunicações, como chamadas e localizações; e histórico de navegação ou uso de aplicativos, disse Alexa Zamora, ativista política, defensora dos direitos humanos e membro da organização Asamblea Nicaragüense por la Democracia, à LatAm Journalism Review (LJR).

“O objetivo dessa lei é exercer controle total sobre os poucos aspectos que ainda não estavam sob controle na Nicarágua”, disse Zamora. “O regime está tentando estabelecer um mecanismo de monitoramento constante.”

Alguns jornalistas temem que a aprovação dessa lei limite ainda mais o contato com fontes dentro da Nicarágua.  

“Pessoas que poderiam deixar de ter contato conosco, jornalistas, por medo de que a Telcor possa até pedir o histórico de ligações, sites visitados, entre outros”, disse um dos jornalistas consultados em um relatório sobre a Nicarágua publicado pela Fundação para a Liberdade de Expressão e Democracia (FLED).

Nestor Arce, diretor da mídia digital Divergentes, é mais cauteloso quanto às possíveis implicações da lei.

“Temos que nos preocupar e agir, mas também não podemos cair na histeria”, disse Arce à LJR. “Não podemos cair na desinformação e fazer com que as pessoas, principalmente as mais velhas, pensem que com essa lei o regime agora lerá suas mensagens. Na Nicarágua, a censura está aumentando, eles estão vendo o que funciona para eles e o que não funciona”.

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Segundo Nestor Arce, diretor da mídia digital Divergentes, 'não há necessidade de uma lei para bloquear domínios. Até agora, o regime tem feito tudo sem a necessidade de uma estrutura legal'

Preparando-se para possíveis bloqueios

Qualquer pessoa na Nicarágua pode acessar o conteúdo de redes sociais e sites de meios independentes livremente e sem a necessidade de usar uma VPN (rede privada virtual). Isso está muito longe da realidade de países com contextos políticos semelhantes, como Cuba ou Venezuela, onde os bloqueios à internet são comuns.

Grande parte do tráfego da mídia nicaraguense no exílio vem da Nicarágua. De acordo com Arce, entre 52% e 58% do público da Divergentes é do país e o restante está distribuído entre países da América Central, Estados Unidos, México e Espanha, onde vive a maioria dos nicaraguenses na diáspora.

As pessoas consultadas para esta reportagem temem que a nova lei de telecomunicações sirva como um mecanismo para ordenar o bloqueio de sites específicos, incluindo a mídia independente, e que isso afete as liberdades já enfraquecidas na Nicarágua.

“Uma queda nas visitas da Nicarágua, em termos de indicadores e métricas, obviamente será perceptível”, disse Arce. “Mas o maior prejudicado é, obviamente, a sociedade, pois ela não poderá ter acesso a informações que não sejam tendenciosas.”

Arce explicou que, por meio dessa nova lei, o regime poderia pressionar empresas telefônicas privadas que atuam no país, como a Claro ou a Tigo, a bloquear os URLs de sites com conteúdo contrário às suas políticas. No entanto, ele argumenta que, por trás da aprovação dessa lei, pode haver outros motivos não relacionados a um ataque à imprensa.

“Não há necessidade de uma lei para bloquear domínios. Até agora, o regime tem feito tudo sem a necessidade de uma estrutura legal”, disse Arce. “Talvez haja coisas mais fundamentais que eles queiram controlar. Alguns analistas ousam dizer que eles querem controlar a infraestrutura, quem estabelece um canal, se é uma cobertura nacional ou comunitária, e continuar a controlar o espectro de rádio.”

Mesmo assim, a mídia independente da Nicarágua está se preparando para o pior. Alguns criaram sites espelho de seus sites, outros criaram canais alternativos para a distribuição de seu conteúdo e alguns iniciaram campanhas para educar seus leitores sobre o uso adequado de VPNs.

“É importante perceber o que está por trás dessa lei, mas ao mesmo tempo é importante reconhecer a resiliência que a mídia exilada e os cidadãos nicaraguenses já demonstraram”, disse Chamorro.  “Dizemos ao nosso público que nos comprometemos a continuar a informar.”

Traduzido por Carolina de Assis
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