Diante do perigo iminente de ser fechada pelo governo equatoriano, uma das poucas vozes que monitora a liberdade de expressão e a situação do jornalismo nesse país reúne esforços para seguir trabalhando.
Em 8 de setembro, o governo do Equador notificou a Fundação Andina para a Observação e Estudo de Meios, Fundamedios, de que havia iniciado o processo de dissolução da organização.
Para a Secretaria Nacional de Comunicação (Secom), Fundamedios não cumpriu o Estatuto vigente que a proíbe, ao ser uma organização social, de exercer atividades políticas. A Secom destacou conteúdos e links publicados nas contas e nos relatórios oficiais da organização.
Na notificação enviada a Fundamedios, a Secom também incluiu capturas de tela de mensagens publicadas por Fundamedios em sua conta de Twitter fazendo referência a blogs de jornalistas políticos como José Hernández (sentidocomunecuador.com) e Roberto Aguilar (estadodepropaganda.com). Ambos são críticos do governo.
“Parece que para a Secom fazer jornalismo político é o mesmo que fazer política partidária”, disse César Ricaurte, diretor-executivo de Fundamedios, ao jornal El Comercio. Acrescentou que a acusação é “absurda”.
Durante uma coletiva de imprensa em 9 de setembro, Ricaurte rejeitou novamente as acusações de que a organização participe em política partidária.
A Secom deu a Fundamedios 10 dias para que “exerça seu direito à legítima defesa” e apresente as provas correspondentes.
O advogado de Fundamedios disse que a organização utilizará todos os recursos legais possíveis para demonstrar que não cometeu o ato do qual é acusada, e que se for necessário, utilizará recursos fora do país, informou a revista Plan V. Contudo, o advogado assegurou que o governo tem o caso decidido.
Carlos Ponce, diretor do programa para América Latina e Caribe de Freedom House, qualificou as acusações como “motivadas politicamente e exemplos evidentes da falta de respeito à liberdade de expressão do governo”.
Carlos Lauría, do Comitê para a Proteção dos Jornalistas, também qualificou o procedimento como “motivado politicamente” e instou as autoridades a retirar de imediato este processo.
O jornalista equatoriano Martín Pallares, um dos comunicadores que Fundamedios apoiou, disse ao Centro Knight para o Jornalismo nas Américas que as ações fazem parte do trabalho do governo para poder controlar a comunicação.
“Me parece que Fundamedios havia se tornado uma tribuna de denúncia das agressões à imprensa, um centro de proteção de jornalistas e um organismo que se relacionava com organizações do exterior, o que prejudicava a imagem que o governo quer projetar a nível internacional. Apagar do mapa Fundamedios é então uma peça importante para calar ainda mais a imprensa e os jornalistas independentes”, acrescentou.
Esta não é o primeiro sinal de problemas para Fundamedios; a organização dedicou inclusive uma parte de seu site para detalhar as ações do governo contra seu trabalho.
Em 16 de janeiro de 2014, a Secom notificou Fundamedios de que ela havia sido transferida sob seu controle. No dia seguinte, a agência governamental solicitou toda a informação financeira da organização, segundo Fundamedios.
Mais recentemente, em 24 de junho, a Secom enviou um ofício a Fundamedios dizendo que a organização havia passado a se envolver em questões políticas e que havia se desviado de seus objetivos declarados. A notificação mencionava uma possível dissolução.
Em resposta, Ricaurte disse que a organização não é partidária, mas realiza um trabalho que “tem um interesse público evidente”.
“Vamos seguir emitindo alertas, goste ou não a Secom. Se nos fecharem, seguiremos trabalhando das nossas casas. Se vierem com a Polícia fechar nossos escritórios estaremos aqui, aqui vão nos encontrar”, disse Ricaurte.
A missão de Fundamedios, que foi lançada em 2006 por um grupo de jornalistas, economistas, antropólogos, arquitetos, entre outros, é “promover e proteger os direitos e liberdades de expressão, imprensa, acesso à informação e associação. Assim como o jornalismo independente e de qualidade”.
A organização disse que começou com uma de suas “tarefas fundamentais” de monitorar a liberdade de expressão no Equador depois que o governo começou com um discurso hostil sobre o trabalho dos meios de comunicação em 2007.
Publicou relatórios especiais sobre a situação da liberdade de expressão e os meios de comunicação no país, e seus membros falaram perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre os ataques aos meios de comunicação, jornalistas e cidadãos. Fundamedios também publica alertas diários sobre esses ataques e outros desafios enfrentados pelos jornalistas para realizarem seu trabalho.
No país, ocorreram 1.305 agressões contra a liberdade de expressão desde 2008 e 126 sanções contra meios e jornalistas sob a polêmica Lei Orgânica de Comunicação (LOC), segundo Fundamedios.
A LOC criou a Superintendência da Informação e Comunicação, conhecida como Supercom, que regula os meios de comunicação. Nos últimos dois anos, a Supercom examinou mais de 500 casos contra os meios de comunicação, castigou 313 empresas e impôs multas de cerca de 274 mil dólares. Em alguns casos, a Secom enviou a veículos de comunicação os textos exatos e desenhos que deveriam ser publiados em resposta às queixas apresentadas.
Para conhecer mais sobre a situação da liberdade de expressão e de imprensa no Equador, clique aqui.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.
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