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Sul Global enfrenta ‘desafios mais acentuados’ para integrar inteligência artificial ao jornalismo, aponta novo relatório da JournalismAI

A inteligência artificial (IA) segue sendo distribuída de maneira desigual entre grandes e pequenas redações e entre países do Norte e do Sul Global. Além disso, os benefícios da IA estão concentrados no Norte Global, enquanto muitos países do Sul Global lidam com desafios como a parca infraestrutura e a falta de profissionais para lidar com a IA, e a barreira linguística.

Essas são algumas das principais conclusões do relatório “Generating Change – A global survey of what news organisations are doing with AI” (“Gerando a mudança – uma pesquisa global sobre o que organizações de notícias estão fazendo com a IA”), da JournalismAI, iniciativa sobre jornalismo e IA da London School of Economics and Political Science (LSE).

O relatório, lançado no dia 20 de setembro, traz os resultados de uma pesquisa que ouviu 105 organizações de notícias de 46 países entre abril e julho de 2023 sobre como a IA está sendo usada nas redações. Dessas, 16 estão em sete países latino-americanos: Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Folha de São Paulo, PodSonhar e Rede Gazeta no Brasil; Chequeado, La Gaceta de Tucumán, La Nación, Perfil e TN na Argentina; Cuestión Pública, El Tiempo e Mutante na Colômbia; El Surti no Paraguai; T13 no Chile; TV Azteca no México; e Unitel na Bolívia.

cover of the 2023 JournalismAI report

Relatório da JournalismAI ouviu 105 organizações de notícias de 46 países – 16 delas em sete países latino-americanos. (Reprodução)

Os autores Charlie Beckett e Mira Yaseen definem a inteligência artificial como “um conjunto de ideias, tecnologias e técnicas relacionadas à capacidade de um sistema de computador de executar tarefas que normalmente exigem inteligência humana”. Já a IA generativa, tecnologia de ferramentas como o ChatGPT, é definida como “um subcampo do aprendizado de máquina (ML, na sigla em inglês), um subcampo da IA por si só, que envolve a geração de novos dados, como texto, imagens ou código, com base em um determinado conjunto de dados de entrada”.

Esse estudo recém-lançado expande a pesquisa realizada pela JournalismAI em 2019 e dá conta dos avanços no uso da IA no jornalismo nos últimos quatro anos. Em especial, “a chegada da IA generativa no último ano acelerou todas essas tendências [de uso da IA nas redações] e criou novas rupturas”, destaca o relatório.

Em um capítulo voltado para a disparidade global no desenvolvimento e na adoção da IA, os autores afirmam que “para nos beneficiarmos coletivamente das tecnologias de IA de forma mais equitativa, devemos compreender melhor como e por que existe a desigualdade global na IA”. Para isso, é necessário “prestar muita atenção aos desafios da adoção da IA enfrentados pela maioria da população mundial, que reside nos países do Sul Global”. A região inclui “países anteriormente colonizados na África e na América Latina, bem como Oriente Médio, Brasil, Índia e partes da Ásia”, segundo o relatório.

Embora a IA represente uma série de desafios para todos os setores, inclusive o jornalismo, para redações no Sul Global “os desafios são muito mais acentuados”, afirmam os autores. “Entrevistados nesses países destacaram lacunas de conhecimento, restrições de recursos, barreiras linguísticas, bem como desafios de infraestrutura, jurídicos e políticos”, explicam eles.

Respondentes do Sul Global citaram como desafios a dificuldade em encontrar e contratar profissionais especializados em IA; o baixo índice de alfabetização digital e a disseminação da desinformação entre o público; e o fato de que a maioria das ferramentas de IA estão em inglês.

Além disso, há barreiras de acesso a essas ferramentas em alguns países: o próprio ChatGPT, considerado pelos autores do relatório como “a mais famosa ferramenta de IA generativa acessível ao público”, não está disponível em vários países, entre eles Cuba e Venezuela. OpenAI, a empresa desenvolvedora do ChatGPT, não oferece suporte ao uso da ferramenta em alguns países “provavelmente devido a sanções dos Estados Unidos”, afirma o relatório.

Apesar dessas dificuldades, respondentes do Sul Global “expressaram entusiasmo em desenvolver capacidades e compartilhar conhecimentos especializados em IA”. Eles citaram a importância da colaboração entre redações que enfrentam desafios similares para superá-los. Também defenderam a colaboração entre redações do Sul e do Norte Global como uma maneira de mitigar a disparidade global no uso da IA no jornalismo.

IA generativa na maioria das redações

A grande maioria dos respondentes, 85%, disse que já experimentou tecnologias de IA generativa de várias maneiras, como escrever códigos, gerar imagens e criar resumos de notícias. E mais de 60% dos entrevistados manifestaram preocupação com as implicações éticas do uso da IA na qualidade editorial e em outros aspectos do jornalismo. “Jornalistas estão tentando descobrir como integrar as tecnologias de IA em seu trabalho, mantendo valores jornalísticos como precisão, imparcialidade e transparência”, afirma o relatório.

Os entrevistados disseram usar a IA na apuração (75%), na produção de notícias (90%) e na distribuição (80%). Na apuração, algumas das ferramentas usadas fazem reconhecimento óptico de caracteres (OCR), conversão de fala em texto (transcrição) e extração de texto, assim como tradução automatizada. Também são usadas ferramentas para detectar tendências e descobrir notícias, como o Google Trends, e aplicativos de raspagem de páginas e mineração de dados.

Na produção de notícias, respondentes disseram usar aplicativos de IA para checagem de fatos, edição e revisão de texto e redação de resumos e títulos de notícias e códigos de programação. Na distribuição, foram citadas tecnologias usadas para ampliar o alcance do conteúdo e o engajamento do público, como sistemas de personalização e recomendação de conteúdo para chegar ao público interessado, assim como ferramentas para aperfeiçoar SEO e otimizar o compartilhamento de posts em redes sociais.

Estratégia de IA para redações

Os autores destacam a necessidade de cada redação desenvolver sua própria estratégia para a integração da IA em seus processos, e sugerem seis passos nesse sentido:

1. Informe-se: busque leituras e recursos para se informar sobre as possibilidades do uso de IA nas redações. O Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, que publica a LatAm Journalism Review (LJR), está com inscrições abertas para o curso “Como usar o ChatGPT e outras ferramentas de IA generativa na sua redação”.

2. Amplie o conhecimento sobre IA: todas as pessoas precisam entender os componentes da IA que mais estão afetando o jornalismo, pois isso afetará o trabalho de todas elas – não apenas o editorial e não apenas o pessoal de “tecnologia”, dizem os autores.

3. Atribua responsabilidades: alguém deve ter a responsabilidade de monitorar os desenvolvimentos do uso da IA na organização e também de forma mais ampla, para trazer e compartilhar as possibilidades com a equipe.

4. Testar, iterar, repetir: faça experimentos com a IA e aumente a escala, mas sempre com supervisão e gerenciamento humanos, e sempre analisando o impacto na organização.

5. Elabore diretrizes: desenvolva orientações gerais ou específicas para o uso da IA na sua redação, sabendo que elas devem ser revisadas e podem ser alteradas ao longo do tempo.

6. Colabore e trabalhe em rede: há muitas instituições trabalhando nesse campo e refletindo sobre usos e possibilidades da IA. Converse com elas e com outras organizações de notícias para saber o que elas têm feito, e se abra às novas possibilidades de colaboração oferecidas por essa tecnologia.

 

Imagem do banner: Jonathan Kemper / Unsplash
Imagem destacada: Viralyft / Unsplash

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