A Internet e o ecossistema digital geraram grandes oportunidades para a liberdade de imprensa, como o desenvolvimento do jornalismo investigativo colaborativo ou a relação entre os meios de comunicação e seus públicos. Paradoxalmente, nos últimos 10 anos algumas das maiores ameaças contra a liberdade de imprensa e expressão, em geral, vieram desse mundo digital, segundo explicou Guilherme Canela, chefe da seção de Liberdade de Expressão e Segurança dos Jornalistas da UNESCO, à LatAm Journalism Review (LJR).
Denúncias de vigilância, crimes cibernéticos como assédio digital – principalmente contra mulheres jornalistas, inclusive assédio sexual – ameaças, perseguição, doxxing, entre um longo etcétera faz parte do que vivem os jornalistas.
Foi com essa análise que a UNESCO escolheu o lema “Jornalismo sob cerco digital” para a comemoração deste ano do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, que acontece todo dia 3 de maio.
“A ideia é justamente discutir quais são as boas práticas que estão ocorrendo em diferentes partes do mundo para lidar com essas questões. Quais são os papéis dos diferentes atores: governos, justiça, sociedade civil organizada, empresas de internet e meios nesta temática”, explicou Canela à LJR. "Como o jornalismo livre, independente e plural pode ser exercido nesse ecossistema digital combatendo essas ameaças digitais?"
Tanto os meios quanto os jornalistas e a comunidade em geral podem participar da comemoração.
Assim, por exemplo, o principal evento do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, a conferência mundial anual, voltará à América Latina depois de quase 10 anos. A conferência, com formato híbrido, acontecerá em Punta del Este, no Uruguai, de 2 a 5 de maio. Durante esses dias, “será discutido o impacto da era digital na liberdade de expressão, na segurança dos jornalistas, no acesso à informação e na privacidade”, segundo a página da UNESCO.
Ainda é possível se inscrever para participar presencialmente no Uruguai ou participar das sessões e atividades online.
Como é de praxe, a UNESCO disponibiliza diversos anúncios e produtos aos jornalistas, mas principalmente às empresas jornalísticas, para que possam ser utilizados livremente.
No entanto, Canela chama a atenção para outra forma de participação, aproveitando que este ano também marca um "evento importante": o décimo aniversário do Plano de Ação da ONU sobre a segurança dos jornalistas e a questão da impunidade.
“Quando o Plano foi criado, há 10 anos, em 2012, todas essas questões de desafios digitais para a segurança dos jornalistas não eram tão claras, certo? Sabíamos que isso teria que ser avaliado, mas exatamente todas essas novas questões de vigilância digital, de assédio digital, inclusive a questão de como tudo isso impacta o modelo de negócios da mídia, todos esses que são desafios para o jornalismo contemporâneo, não estavam tão claros, principalmente do ponto de vista da segurança”, disse Canela.
“Então, a questão é que o Dia Mundial convida todos os atores a pensar em como vamos redesenhar a implementação do Plano de Ação das Nações Unidas para os próximos 10 anos, reforçando essa implementação, mas também olhando para esses novos desafios digitais. Fica um pouco do apelo do dia: como criamos as novas políticas públicas, as novas atividades, os novos programas, projetos, estratégias para lidar com essa perspectiva de que o jornalismo está sob cerco digital”.
Comemoração presencial e online
O Dia Mundial da Liberdade de Imprensa foi proclamado em 1993 pela Assembleia Geral das Nações Unidas e é comemorado todo dia 3 de maio. A sua origem está na Declaração de Windhoek de 1991, quando jornalistas africanos quiseram destacar o pluralismo e a independência dos meios de comunicação.
Porque as liberdades de imprensa e de expressão constituem o cerne do mandato da UNESCO, esta entidade é responsável por liderar a sua comemoração.
Para este ano, a palestra de abertura da conferência mundial intitulada "Jornalismo sob cerco digital", que acontecerá no dia 2 de maio, contará com a participação de Claudia Julieta Duque, jornalista investigativa colombiana vítima de perseguição e tortura psicológica por parte da extinta agência de inteligência de seu país, conhecida como DAS. Dada a impunidade que cercou o crime contra ela, Duque apresentou seu caso contra o Estado colombiano perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em 2018.
"É uma enorme honra ser convidada pela UNESCO para representar os jornalistas perseguidos no mundo nesta palestra de abertura da conferência", disse Duque à LJR. “Além disso, considero que é também uma oportunidade chave para confrontar de alguma forma os proprietários e operadores destas grandes empresas de redes sociais e plataformas de comunicação cujo negócio é basicamente o armazenamento, tratamento e coleta dos nossos dados.”
Duque, que em 2014 participou da palestra de abertura da Conferência Mundial neste dia, destacou que desta vez "tem um significado muito importante para mim porque ocorre no quadro de toda essa perseguição da UNP [Unidade Nacional de Proteção da Colômbia]".
“É um momento importante para me posicionar a nível internacional também na denúncia desta perseguição através das novas tecnologias que a Unidade Nacional de Proteção está exercendo. E expor um pouco o que foram 20 anos de perseguição no quadro de mudanças não só tecnológicas mas também nos contextos de informação e, portanto, também mudanças nos contextos da própria perseguição”, acrescentou a jornalista.
Na palestra de abertura, estará também o diretor de Relações Institucionais e Regulação do Grupo Globo (Brasil), Marcelo Bechara.
Após este painel, será entregue o Prêmio Mundial de Liberdade de Imprensa UNESCO/Guillermo Cano.
Durante os três dias da conferência também haverá espaço para sessões paralelas, algumas delas focadas na região latino-americana. Por exemplo, em 2 de maio, o evento "Acompanhamento da Declaração de Windhoek +30: A transparência das plataformas da Internet: uma agenda para a América Latina e o Caribe" será realizado pela Observacom e pela UNESCO.
O Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos e a UNESCO realizarão o evento regional "Décimo aniversário do Plano de Ação das Nações Unidas sobre a Segurança dos Jornalistas e a Questão da Impunidade - conquistas e desafios na América Latina e no Caribe".
No dia 4 de maio, a Federação Internacional de Jornalistas (FIJ), juntamente com a Associação Uruguaia de Imprensa e a Federação de Jornalistas da América Latina e do Caribe (Fepalc) realizará um painel que analisará o impacto da vigilância dos trabalhadores da imprensa na região.
O painel contará com a presença de Claudia Julieta Duque; César Fagoaga, presidente da Associação de Jornalistas de El Salvador; Julia Gavarrete, jornalista do El Faro; Juan Carlos Rojas, membro do Sindicato Nacional de Redação da Imprensa do México; e Jeremy Dear, Secretário Geral Adjunto da FIJ.
Outro dos eventos regionais de 4 de maio é a chamada "Última jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre liberdade de expressão, liberdade de imprensa e segurança de jornalistas", liderada por Columbia Global Freedom of Expression, Cátedra UNESCO de Liberdade de Expressão da Universidad de los Andes, Observacom e UNESCO.
Para ver todo o programa da conferência mundial, bem como para se inscrever, você pode visitar a página oficial do evento.