A InfoAmazonia, plataforma trilíngue dedicada à cobertura da Floresta Amazônica, lançou uma Rede Cidadã de meios de comunicação sediados na Amazônia brasileira que cobrem temas socioambientais. A ideia é fortalecer o jornalismo local na região e ampliar as audiências dos meios, qualificando e levando o conteúdo produzido na e sobre a Amazônia às populações locais e a um público global.
A Rede foi lançada em outubro de 2022 com a publicação de um mapeamento de mídias no território amazônico, que traz também uma análise sobre os desafios do jornalismo feito na região sobre questões socioambientais, como desmatamento e mudanças climáticas. O Mapa Vivo de Mídias da Amazônia encontrou 282 meios de comunicação nos nove estados da Amazônia brasileira com cobertura socioambiental em 2021. Amazonas, maior estado do Brasil, foi o estado amazônico com mais meios mapeados (58). Apenas 20% dos meios amazônicos que publicaram notícias socioambientais em 2021 mantinham editorias, seções ou categorias agrupando estas notícias.
O mapeamento permitiu entender o que existe de cobertura socioambiental na Amazônia para basear a construção da rede, disse Stefano Wrobleski, diretor de tecnologia da InfoAmazonia, à LatAm Journalism Review (LJR). “Não é como se a gente não soubesse de vários meios que estão lá, mas ter essa visão geral ajuda a iniciar o trabalho efetivamente”, afirmou.
A equipe da InfoAmazonia então identificou meios em cinco estados cuja cobertura de temas socioambientais se destacou entre os demais e os convidaram para inaugurar a rede. “São veículos completamente diferentes”, disse Débora Menezes, coordenadora da Rede Cidadã, à LJR. “O que eles têm em comum, e que eu acho que é o mais interessante e mais desafiador deste início da rede, é que não são veículos tradicionais, não são veículos convencionais, não são a grande mídia local. São veículos mais independentes. A maioria deles não tem recursos de financiamento publicitário, trabalham com projeto ou, por exemplo, o Vocativo, do Amazonas, que tem muito investimento do próprio jornalista que criou o site.”
Além do Vocativo, são parte da rede neste primeiro momento o Tapajós de Fato, do Pará; a Agência Tambor, do Maranhão; o Comitê Chico Mendes, do Acre; e a AgCom/Unifap, Agência Experimental em Comunicação da Universidade Federal do Amapá.
“Formalizamos a rede com um encontro para conversar sobre as dificuldades que estes meios têm de construir as reportagens”, contou Menezes. “Este encontro também serviu como uma espécie de reunião de pauta para entender quais são as pautas que eles gostariam de trabalhar no próximo ano nas quais eventualmente a InfoAmazonia pode ser parceira, tanto ajudando a editar quanto com fontes, informação, mapas, etc.”
Fred Santana, fundador e editor do Vocativo, considera “fundamental que exista uma integração entre jornalistas nessa região”, disse ele à LJR. “Se por um lado ela está interligada em diversos aspectos, as distâncias entre nós são consideráveis e os desafios logísticos para o trabalho de campo são ainda maiores e mais complexos. Trabalhando em rede integrada, podemos cobrir assuntos diversos colaborando uns com os outros, trocando informações ou mesmo indo onde a notícia está”, afirmou.
Para ele, temas socioambientais pertinentes à região amazônica, que são o foco da Rede Cidadã, ainda “são pouco acessíveis tanto para a opinião pública nacional e internacional quanto para nosso próprio público”. Isso porque “são trabalhados de maneira muito distante do público em geral, ou mesmo com olhar de veículos externos”.
“É preciso que jornalistas daqui debatam temas daqui sob a ótica e compreensão daqui. Eu sinto que hoje nosso maior desafio – tanto como jornalistas quanto cidadãos – é fazer valer e ocupar nosso lugar na mesa de debate”, disse Santana.
Lylian Rodrigues, professora do curso de jornalismo da Unifap e coordenadora da AgCom/Unifap, disse à LJR que o convite para participar da Rede Cidadã foi “muito gratificante” pelo reconhecimento ao trabalho desenvolvido por professores e alunos da universidade pública. A AgCom é um projeto de extensão da universidade no qual estudantes de jornalismo aprendem na prática, realizando reportagens de interesse à comunidade universitária e à população do Amapá.
“O curso de jornalismo [na Unifap] completou 11 anos em 2022. É um curso novo, em um mercado profissional muito jovem [no Amapá]. Então nós temos uma gana por fazer isso crescer e dar conta desses alunos que estão se formando. Quando a InfoAmazonia nos procura, é mais uma maneira de nos motivar e incentivar a permanecer com esse trabalho de agência experimental para fazer com que esses alunos também se motivem a se manter na produção jornalística e criar neles essa natureza de trabalho coletivo e independente”, disse Rodrigues.
Segundo Wrobleski, a proposta da Rede Cidadã parte de uma “premissa dual”.
“A gente entende que o conteúdo da InfoAmazonia e de vários outros meios que vieram nessa leva de jornalismo nativo digital é um conteúdo de muita qualidade, mas não chega a muitas pessoas justamente pela falta de acesso a uma internet de qualidade ou financeiramente acessível, ainda que esse conteúdo fale sobre essas populações. Por outro lado, também existem conteúdos hiperlocais ou locais sendo produzidos que não recebem a atenção devida no nível regional, nacional ou global”, disse ele.
Com a Rede Cidadã, o conteúdo da InfoAmazonia poderá chegar a estas populações, que têm maior contato com meios de comunicação locais. Não apenas porque eles são do terreno, e portanto são parte das comunidades que informam, mas também porque “são desenvolvidos em tecnologias mais acessíveis, como o rádio, que é muito mais acessível nos lugares onde ou a internet não chegou ou ela chega de uma forma muito cara ou precária”, disse ele.
“Então nosso conteúdo pode chegar [a essas populações] dessa maneira. Ao mesmo tempo em que a gente, como um meio de comunicação que faz a cobertura da Pan-Amazônia olhando para os nove países e publicando em espanhol e inglês além do português, e tendo contato também com meios de comunicação grandes e estabelecidos não só no Brasil, mas em outros países, também pode apoiar na disseminação de temas apurados localmente”, disse Wrobleski.
Segundo Menezes, os conteúdos produzidos em colaboração entre InfoAmazonia e os parceiros da Rede Cidadã serão publicados a partir deste mês. Enquanto o trabalho colaborativo vai sendo desenvolvido, a plataforma já conta com uma editora e uma repórter em sua equipe dedicadas a produzir conteúdo na lógica da Rede, com perspectiva local para temas como a COP27, por exemplo.
O trabalho colaborativo não é novidade para a InfoAmazonia, que tem acordos de republicação e desenvolve reportagens em parceria com outros meios desde sua fundação em 2012, explicou seu diretor. Entre elas estão as investigações “Venezuela, o paraíso dos contrabandistas” e “Explorando o Arco Mineiro”, realizadas em conjunto com meios de outros países e vencedoras do prêmio Online Journalism Awards em 2020 e 2018, respectivamente.
A Rede Cidadã, no entanto, foi criada também com o objetivo de tornar o trabalho em rede “algo mais sistemático”, disse Menezes. “Para aquele trabalho em rede que InfoAmazonia já fazia naturalmente, com o projeto se pretende criar um método, um princípio para trabalhar em rede e desenvolver pautas e estratégias de distribuição de material juntos”, disse ela.
Wrobleski disse que esta é uma das três áreas às quais InfoAmazonia decidiu se dedicar após uma reformulação em 2020. Além de trabalhar com a formação de uma rede de meios, InfoAmazonia manteve o foco na produção de conteúdo e passou a investir em educação em geojornalismo, vertente do jornalismo de dados na qual o meio é especialista. “Começamos um curso em que conectamos jornalistas a acadêmicos que trabalham em áreas de tecnologia geoespacial, com dados geográficos. A partir dessa conexão construímos este curso e estamos construindo metodologias a partir dos aprendizados neste curso para novas edições que vão começar em 2023”, afirmou.