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Investigação transnacional revela rede de contrabando de ouro que devasta florestas tropicais da América do Sul

Empresas fantasmas no Equador que exportam milhões em ouro, tráfico ilegal em terras indígenas na Amazônia brasileira, extração sem regulamentação por parte das autoridades na Venezuela e na Colômbia são alguns dos mecanismos que alimentam uma rede internacional de mineração ilegal, marcada pela corrupção, violência e destruição ambiental.

Isso revelou a reportagem "Opacidade Dourada", uma investigação transfronteiriça liderada pelo veículo  Convoca, do, Peru com a colaboração de jornalistas e editores de  Repórter Brasil, Plan V, do Equador; Consejo de Redacción e Rutas del Conflicto, da Colômbia; Armando.Info e a Alianza Rebelde Investiga (ARI), formada por Runrunes, El Pitazo e Tal Cual, da Venezuela. 

Durante 11 meses, quase 20 jornalistas atino-americanos identificaram rotas de tráfico de ouro, empresas envolvidas e negligência estatal a partir de bases de dados, análise de documentos e trabalho de campo em áreas amazônicas, andinas e costeiras.

"Investigar redes ilegais e más práticas do poder econômico e político exige jornalistas corajosos,que usem metodologias sólidas, hábeis em aprender rapidamente sobre um tema de interesse público e humildes para colaborar uns com os outros em contextos difíceis e complexos", disse à LatAm Journalism Review (LJR) Milagros Salazar, diretora da Convoca e coordenadora da Opacidade Dourada.

"Em tempos desafiadores, o jornalismo colaborativo é um excelente caminho de oportunidades", acrescentou.

Este compromisso com a colaboração lhes rendeu o Prêmio Rei da Espanha de Jornalismo Internacional 2025 na categoria Jornalismo Narrativo, superando 112 candidaturas de toda a região. O júri da premiação valorizou a pesquisa como "uma obra de excelência inusitada" e "uma peça que quebra moldes jornalísticos".

 

Protocolo de segurança

Um dos maiores desafios desta investigação transfronteiriça foi a segurança dos jornalistas.

Por exemplo, na Colômbia, a investigação centrou-se no departamento de Antioquia, área onde é extraído pelo menos um quarto do ouro exportado naquele país. O local é caracterizado por alto conflito devido à presença de grupos paramilitares.

collage of journalists

"Opacidade Dourada" é uma investigação transfronteiriça liderada pelo veículo  Convoca, do, Peru com a colaboração de jornalistas e editores de  Repórter Brasil, Plan V, do Equador; Consejo de Redacción e Rutas del Conflicto, da Colômbia; Armando.Info e a Alianza Rebelde Investiga (ARI) da Venezuela

"Sabemos que é uma região perigosa, mas entendemos que com os protocolos adequados poderíamos fazer o trabalho bem", disse Óscar Parra, diretor de Rotas de Conflito, à LJR.

Algumas das medidas tomadas foram visitar o local por curtos períodos de tempo, contratar um fixer que conhecia bem a área e podia orientar os repórteres e coordenar as entrevistas com antecedência, e ter um monitor da viagem em Bogotá que acompanharia a viagem do repórter e estaria em constante coordenação com a equipe da Convoca.

Nos demais países, Equador, Peru e Venezuela, o mesmo padrão também foi seguido. As equipes trabalharam com protocolos de segurança e planos de viagem antes de entrar nos territórios.

"No caso do Peru, fizemos um planejamento muito detalhado de intervenção no terreno, nosso objetivo era acompanhar os carregamentos de ouro que saíam de áreas informais ou ilegais e que entravam em fábricas de processamento de ouro como Laytaruma", disse Salazar.

"Monitoramos os caminhões por meio de drones enquanto outro jornalista, da redação, recebia as informações das placas para corroborar quem eram os proprietários dos veículos, se tinham licenças, antecedentes, etc.", acrescentou.

Outras medidas tomadas incluem que algumas das reportagens não foram assinadas pelos repórteres encarregados da investigação, mas pelos editores. Esta é uma forma de proteger a identidade dos jornalistas no terreno e evitar possíveis retaliações.

"Outra medida que tomamos é que para as entrevistas após a publicação da investigação os porta-vozes sejam os editores e diretores dos veículos de comunicação", disse à LJR Juan Carlos Calderón, editor-chefe do Plano V. "O processo de edição também foi fundamental para não deixar pontas soltas ou cometer erros e assim evitar uma questão judicial posterior".

Segundo Calderón, o processo de edição durou aproximadamente 4 meses e demandou uma verificação rigorosa de dados. Além de cada veículo fazer sua própria edição, houve uma edição externa da Convoca, que liderou o projeto.

"Nessas questões é muito importante que um olhar de fora do Equador esteja nos observando e fazendo as perguntas pertinentes", disse Calderón. "Há coisas que parecem óbvias por dentro, mas não são."

 

A pesquisa continua apesar de dificuldades

O projeto Opacidade Dourada foi financiado pelo National Endowment for Democracy (NED).

A group of journalists talking on a stage

Parte da equipe da Dorada Opacidad durante o IV Encontro Latino-Americano de Jornalismo Investigativo sobre Corrupção e Redes Criminosas (ELPIC) (Foto: Cortesia).

Esta fundação americana apoiou diversas iniciativas de jornalismo independente na América Latina. No entanto, quando o presidente dos EUA, Donald Trump, assinou uma ordem executiva para congelar a ajuda externa, a continuação desta e de outras iniciativas jornalísticas foi afetada.

"A investigação da Opacidade Dourada vai continuar porque é necessária para os cidadãos", disse Salazar. "O jornalismo já conseguiu avançar em contextos de crise. Cada vez que há um desafio, há também uma oportunidade".

Por exemplo, o Plano V, com a colaboração da Convoca e do Centro Latino-Americano de Investigação Jornalística (CLIP), deu continuidade às investigações sobre as exportações de ouro no Equador.

No dia 20 de janeiro, a equipe jornalística descobriu que esse tipo de exportação não é realizado apenas por empresas, mas também por pessoas.

"Continuamos a expandir o tema porque continuamos a expandir a base de dados sobre exportações de ouro, empresas registradas, concessões, licenças, localizações de minas, etc.", disse Calderón. "À medida que continuamos a expandir e revisar a base, percebemos que o que havíamos encontrado no início era apenas a ponta do iceberg."