Por Isabela Fraga
Os principais jornais brasileiros abandonaram o serviço Google Notícias, depois que o maior buscador da Internet no mundo negou-lhes qualquer compensação financeira pelo direito de usar suas manchetes. A debandada ocorreu durante o último ano, quando a Associação Nacional de Jornais do Brasil (ANJ) começou a orientar seus associados a sair do serviço.
A recomendação da ANJ foi seguida em massa pelos 154 jornais que integram a associação e respondem por mais de 90% da circulação de jornais no Brasil. Google argumenta que não há necessidade de nenhum pagamento pelo uso das manchetes, porque esta prática beneficia os jornais ao enviar a seus sites um grande volume de usuários.
A controvérsia gerou um dos mais intensos debates na 68ª Assembleia Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, por suas iniciais em espanhol), realizada de 12 a 16 de outubro, em São Paulo. A posição da ANJ foi apresentada por Judith Brito, da Folha de S. Paulo, enquanto a posição do Google foi defendida pelo diretor de políticas públicas da empresa no Brasil, Marcel Leonardi.
Para ilustrar seu argumento, Leonardi fez uma comparação, pedindo à plateia que imaginasse que absurdo seria um restaurante tentar cobrar uma taxa a um motorista de táxi por ter levado um turista para almoçar lá.
Marcel Leonardi disse que a cada mês o Google Notícias gera um bilhão de cliques para sites de notícias em todo o mundo.
Outro participante do painel da SIP, o advogado alemão Felix Stang, também confrontou a posição do Google. Stang disse que "plataformas como o Google são concorrentes diretos de jornais e revistas, porque têm conteúdos deles, são como home pages".
Ao final do debate da SIP, continuava o mesmo impasse que há anos separa os jornais e o Google no Brasil. Para as empresas brasileiras, os números de acesso aos sites dos jornais gerados pelo Google não são suficientes para justificar o uso de suas manchetes sem o pagamento de direitos autorais.
"O Google News se beneficia comercialmente desse conteúdo qualificado e não abre espaço para discutir um modelo de remuneração pela produção desse material", explicou o presidente da ANJ, Carlos Fernando Lindenberg Neto, em entrevista por e-mail ao Centro Knight para o Jornalismo nas Américas.
"Concluímos (...) que a permanência dos jornais no Google Notícias não estava contribuindo para o crescimento de nossa audiência no meio digital. Ao contrário, ao fornecer algumas linhas iniciais de nossas histórias ao internauta, o serviço reduz a possibilidade de que este busque a história completa em nossos sites", acrescentou Lindenberg.
Procurado pelo Centro Knight para comentar sobre o tema, o Google não quis dar entrevistas.
O debate também tem ambiguidades, uma vez que os veículos jornalísticos precisam de agregadores para atrair mais leitores. Mas a perda de tráfego online causada pela saída dos jornais do Google Notícias não fez com que a ANJ voltasse atrás em sua orientação. Isso porque, segundo Lindenberg Neto, "a presença do Google Notícias no mercado brasileiro é pequena. Julgamos que [essa perda de tráfego] era um preço aceitável pela proteção de nossos conteúdos e marcas".
Como os jornais continuam no serviço básico de busca do Google (Google Search), no entanto, o presidente da ANJ admite que também essa busca, mais geral, será prejudicada, uma vez que a presença no Google Notícias é considerada no ranqueamento dos sites. O Google responde por 92,15% do mercado de serviços de busca no Brasil, segundo uma pesquisa de 2011 da Serasa Experian, empresa focada em marketing digital.
Leonardi, diretor de políticas públicas do Google, afirmou durante o debate na assembleia da SIP que "se o leitor se satisfaz com o pequeno trecho é porque a matéria não despertou tanto interesse".
Para o Google, o ideal é chegar a uma solução em que ambas as partes ganhem -- jornais e agregadores de notícias --, em vez de condenar sites como o Google por não pagar os veículos de mídia. Para a ANJ, no entanto, atualmente há uma concentração maior em um dos polos da discussão (o Google), enquanto o "modelo ideal seria um em que as partes sentassem à mesa reconhecendo a importância de cada um na cadeia de valor", como afirmou o presidente da associação.
História antiga
A discussão da ANJ com o Google é longa: ainda em dezembro de 2010, ambos acordaram que o Google Notícias exibiria apenas uma linha de cada matéria, o que atiçaria a curiosidade do leitor e o levaria ao link original. Mas a medida não foi suficiente para estimular mais cliques nos sites dos jornais, segundo Lindenberg Neto. "Com a saída dos jornais do Google Notícias, a maioria dos usuários da internet que buscavam conteúdo jornalístico no Google News passou a recorrer diretamente ao sites dos jornais", disse o presidente da ANJ.
Tampouco a questão é inédita. Em 2010, a agência de notícias Associated Press (AP) chegou também a parar de ser exibida no agregador, pelos mesmos motivos; mas retornou ao Google Notícias sete semanas depois. Apesar disso, o caso da ANJ é o primeiro em que uma associação de jornais movimenta-se para que seus associados saiam em massa do serviço de busca de notícias.
Na Europa, alguns casos judiciais consideraram a prática de agregadores de notícias uma violação das leis europeias de direitos autorais, como explica o analista digital Robert I. Berkman, autor do livro "Digital Dilemmas: Ethical Issues for Online Media Professionals" ("Dilemas digitais: questões éticas para profissionais de mídia online", em tradução livre).
Importante lembrar, no entanto, que embora todos os jornais associados à ANJ tenham saído do Google Notícia, muitos de seus portais na internet ainda são fontes do agregador, como os portais das Organizações Globo e do UOL, que pertence ao jornal Folha de S. Paulo. Assim, não é possível buscar conteúdos publicados na versão impressa dos jornais, mas sim os que foram divulgados em seus respectivos sites.
Por exemplo, se buscarmos "Dilma", presidente do Brasil, no Google Notícias e especificarmos os resultados da busca para apenas do jornal O Globo, a mensagem que surge é "A pesquisa - Dilma source:"O Globo" - não corresponde aos resultados de notícias". No entanto, se buscarmos o mesmo nome tendo como fonte apenas a palavra "Globo" -- que incorpora outros veículos digitais da empresa, são encontrados resultados do portal Globo.com. Atualmente, o Google Notícias exibe cerca de três linhas de cada matéria ou reportagem, além da manchete e de uma imagem pequena ao lado.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.