No espectro das revistas de jornalismo acadêmico, e em geral, se costuma publicar de forma mais frequente as pesquisas de autores do hemisfério norte. Pesquisadores acadêmicos do hemisfério sul muitas vezes não têm esse espaço em revistas de prestígio para postular suas pesquisas.
No entanto, a revista Digital Journalism, com base no Reino Unido, uma das mais renomadas na área, publicou recentemente seu Volume 9, um número especial sobre a América Latina com artigos de jornalistas e pesquisadores latino-americanos. Os editores convidados para esta edição foram os argentinos Pablo Boczkowski e Eugenia Mitchelstein.
"Nossa experiência como pesquisadores foi desafiadora e gratificante", disseram Boczkowski e Mitchelstein à LatAm Journalism Review (LJR). “Desafiador porque, como dissemos na introdução [da apresentação dos artigos], a própria existência de um número especial sobre jornalismo digital na América Latina evidencia as desigualdades entre Norte e Sul na produção de conhecimento sobre jornalismo e comunicação".
Para os editores, essas desigualdades afetam especialmente as regiões “mais desfavorecidas” do mundo, mas também empobrecem o trabalho de pesquisa como um todo, porque “todo conhecimento é contextual e comparativo em essência”.
Boczkowski é professor do Departamento de Estudos da Comunicação da Northwestern University, nos Estados Unidos, e Mitchelstein é professora adjunta do Departamento de Ciências Sociais e diretora da licenciatura em comunicação da Universidade de San Andrés, na Argentina. Ambos são cofundadores e codiretores do Centro de Estudios sobre Medios y Sociedad (MESO) na Argentina.
A parte gratificante do trabalho de edição, segundo os editores, foi ver o grau de avanço e consolidação dos estudos de jornalismo online e jornalismo digital na América Latina.
Desde que a Digital Journalism foi criada em 2013 na British University of Cardiff, foram publicadas nove edições de pesquisas acadêmicas, sempre incluindo edições especiais sobre vários tópicos a cada ano. Além de publicar uma newsletter mensal e ter perfis nas redes sociais, outro esforço da revista para expandir e diversificar sua difusão foi incluir três embaixadores internacionais (international engagement editors) desde janeiro de 2020.
Magdalena Saldaña, jornalista e pesquisadora chilena, atualmente professora da Escola de Comunicação da Pontifícia Universidade Católica de Chile, é a embaixadora para o espanhol. Os outros dois embaixadores estão nos Estados Unidos e em Cingapura.
Saldaña divulga conteúdo da revista nas redes sociais, traduzido para o espanhol. Também traduz a newsletter para que tenha um maior alcance entre os pesquisadores de língua espanhola. “Minha esperança é que mais pesquisadores da América Latina enviem artigos para esta revista, porque acho que a América Latina está sub-representada”, disse Saldaña à LJR.
Saldaña, junto com a jornalista peruana Lourdes Cueva, é coautora de uma das pesquisas publicadas na edição especial da América Latina, sobre as motivações do jornalismo investigativo e colaborativo na região. Ambas foram autoras pela primeira vez na revista.
A edição digital de seu artigo foi publicada em junho de 2020, e a impressa, em março de 2021, quase dois anos após o envio de sua pesquisa à revista, a sua aceitação e revisão por pares.
Outras publicações da edição especial da América Latina trataram da relação da TV com os meios digitais e as audiências na Colômbia, o que os usuários do WhatsApp compartilham e a relevância das plataformas de mensagens para notícias, polarização e participação no Chile, e sobre a proteção dos veículos de jornalismo e seus leitores contra as políticas das mídias sociais nas redações latino-americanas. Da mesma forma, sobre o consumo incidental de notícias no Facebook e a atual institucionalização do jornalismo digital independente no Brasil.
“Em geral, as revistas acadêmicas dos Estados Unidos e da Europa não oferecem muitas oportunidades como o especial da América Latina do Digital Journalism. Assim que descobrimos, decidimos enviar nosso artigo de pesquisa. Outro incentivo foi saber que os editores convidados eram jornalistas e acadêmicos especialistas na região”, disse Cueva, professora de jornalismo da San Diego State University, nos Estados Unidos, à LJR.
Para Cueva, esse tipo de espaço de publicação incentiva os pesquisadores latino-americanos a continuar seu trabalho. “Acreditamos firmemente que o jornalismo digital e investigativo pode contribuir para o fortalecimento das democracias latino-americanas”, acrescentou.
Saldaña também compartilha da opinião de Cueva sobre os poucos periódicos de países mais desenvolvidos que são abertos a pesquisadores acadêmicos da América Latina e do sul global.
Se, em geral, o processo de edição e publicação no campo da pesquisa do jornalismo em periódicos acadêmicos se tornar mais justo e equilibrado – o que segundo Boczkowski e Mitchelstein seria o correto –, isso ajudaria a construir um “corpus de conhecimento” mais robusto, afirmaram os editores.
“Nós que estudamos as práticas de comunicação na América Latina já recebemos em algum momento de nossas carreiras uma resenha de um periódico que gentilmente nos convidava a 'contextualizar' os achados, algo que raramente se pede para pesquisas em países centrais, ou tivemos um manuscrito rejeitado porque 'uma pesquisa sobre um único país não é relevante', quando sabemos que centenas de pesquisas são publicadas em um único país -os Estados Unidos. Além disso, [há estudos] em uma única cidade de um único país –sem nenhum revisor fazendo esse tipo de comentário."
Desse modo, ressaltaram Boczkowski e Mitchelstein, as pesquisas latino-americanas deixariam de ser sobre "uma alteridade" em um número especial de periódico acadêmico, se fizessem parte das principais publicações de jornalismo digital do mundo.