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Jornal brasileiro com maioria de assinantes do impresso encerra versão diária no papel e aumenta margem de lucro

A partir do dia 1 de junho, a Gazeta do Povo, jornal de maior circulação no estado brasileiro do Paraná, deixará de publicar sua edição impressa diária. A transição para um modelo de negócios focado em plataformas móveis digitais é ousada, considerando o público do jornal: mais da metade dos assinantes da Gazeta vem do impresso.

Neste ano, a empresa decidiu fechar seu parque gráfico, terceirizar a impressão e manter apenas uma edição no papel, remodelada, aos finais de semana. Enquanto isso, a Gazeta investiu R$ 23 milhões em tecnologia para mudar o fluxo interno de trabalho, trocar equipamentos e sistemas e alavancar as assinaturas digitais. As medidas aumentaram a margem de lucro do impresso e contribuíram para incrementar a sustentabilidade do negócio como um todo, afirmou ao Centro Knight Guilherme Pereira, presidente do GRPCom, grupo ao qual pertence a Gazeta.

Pereira explicou que o impresso ainda era viável financeiramente, mas que a decisão de encerrar o jornal diário foi estratégica.

"A margem do impresso era levemente positiva, mas a equipe, de forma muito visionária até, decidiu não mantê-lo, porque, com isso, damos um passo a frente e conseguimos ter mais foco. Ao desligar [a versão diária do impresso] nós aceleramos a criação de uma nova cultura organizacional", disse Pereira.
Segundo o executivo, a empresa monitorava o comportamento da audiência e o impacto disso no modelo econômico do jornal há três anos. No entanto, não havia ainda, de acordo com ele, uma clareza sobre qual caminho seguir.

"Percebemos que vinha ocorrendo uma mudança paulatina na publicidade, receitas e audiência digitais. Mas foi só no ano retrasado e no ano passado que ficou muito claro que o modelo de produto é digital e mobile first. Já o modelo de negócios é subscription first, isto é, as assinaturas digitais em primeiro lugar", afirmou.

Assim, a empresa montou um plano de transição que, em princípio, não incluía o fim da edição impressa diária. "O papel estava em segundo plano", contou Pereira. O objetivo principal era descobrir como entregar a qualidade editorial e tecnológica necessária no digital para atrair os assinantes – o site da Gazeta do Povo tem um modelo de paywall.

Além de uma mudança na cultura interna e nos fluxos de trabalho, encerrar a edição impressa diária permitiu que a empresa tivesse uma grande redução de custos fixos. O parque gráfico foi encerrado e a impressão da edição de final de semana, terceirizada – uma opção muito mais econômica, segundo Pereira.

Apesar de acabar com o impresso diário, a empresa decidiu manter uma edição especial semanal. "Nós achamos que a experiência do papel continua fascinante, acreditamos em produtos físicos, ainda há espaço para eles", disse Pereira.

A edição de fim de semana circulará aos sábados e apenas na capital do estado, Curitiba. O produto terá um papel de melhor qualidade, edição mais trabalhada e matérias mais aprofundadas. A ideia é valorizar a experiência da leitura no papel. "No dia a dia, na tela, você lê as notícias inclinado para frente. No final de semana, quando você tem mais tempo, lê reclinado para trás", resume Pereira.

O diretor de redação da Gazeta do Povo, Leonardo Mendes Jr., afirma que vê o jornal impresso como um disco de vinil. "Você consome pelo formato e pela experiência de consumo. É o que nós buscamos com o nosso produto semanal, uma leitura um pouco mais lenta, que você possa apreciar melhor, algo mais prazeroso. Porque mesmo matérias de mais profundidade nós consumimos em uma velocidade alucinante no dia a dia. O formato digital acaba levando a isso", disse ele ao Centro Knight.

Outro motivo para manter uma edição de fim de semana, segundo Pereira, é fazer uma transição gradual para o digital, mantendo a marca próxima de leitores mais tradicionais até que eles se habituem ao novo formato.

Além disso, a opção pelo produto semanal permitiu ao jornal manter parte da publicidade do impresso, que costuma ter um valor mais alto do que o anúncio digital.

"Nós vamos ter uma redução das edições impressas, de 7 para 1, mas a publicidade atrelada ao papel não cai na mesma proporção. Ela já era mais concentrada no final de semana, e nós conseguimos transportar uma parte da publicidade dos outros dias para a edição semanal. Então ferecemos um produto de mais qualidade, com maior margem de lucro", conta Pereira.

Se o impresso passou a ser mais sustentável financeiramente, o crescimento das assinaturas digitais também promete deixar o jornal mais rentável. "Mesmo com um valor menor, a margem de lucro da assinatura digital é muito maior do que a do impresso. E, como estamos conseguindo fazer a migração dos anunciantes do diário para a edição impressa semanal, a perda com a publicidade é menor e acaba sendo compensada pela queda nos custos", defende o presidente.

Os executivos comemoram também a alta taxa de adesão de leitores ao novo modelo: 92% aceitaram migrar para o formato de impresso semanal ou para a assinatura puramente digital. Apenas 8% deixaram de assinar a Gazeta com as mudanças, anunciadas em 6 de abril.

"Nos nossos planos, tínhamos calculado 60% de conversão. Mas nós estamos tendo uma resposta espetacular", afirmou Pereira. Segundo o presidente do grupo empresarial, antes do processo de mudança havia cerca de 18 mil assinantes digitais e 44 mil do impresso. O objetivo é chegar a 50 mil no digital até o final de junho e 300 mil até o fim de 2018. Com isso, a Gazeta busca acelerar uma alteração que já está em curso no orçamento. A meta é chegar a ter 30% da receita vinda da publicidade e 70%, de assinantes. "A publicidade, neste ano, ainda vai ser maior, vai ser cerca de 60% da receita", aponta o presidente.

Investimento em tecnologia

Nos últimos anos, a empresa investiu cerca de R$ 23 milhões para alterar o fluxo interno de trabalho e voltar toda a produção para o digital. A Gazeta agora afirma ser o "primeiro jornal do país feito originalmente para plataformas móveis".

"Em 2015, o nosso volume de acesso em dispositivos móveis superou o desktop. E essa distância vem aumentando gradativamente. Atualmente, 66% da nossa audiência digital vem do móvel e um terço do desktop. Isso deixava muito evidente que a nossa lógica de produção precisava mudar", conta Mendes Jr.  Hoje a redação já produz o texto ao mesmo tempo em que visualiza como o conteúdo vai aparecer no móvel, explica o diretor.

Um dos principais investimentos da Gazeta do Povo foi em um novo publicador, um aplicativo de celular da EidosMedia, empresa que desenvolveu plataformas para jornais como Washington Post, The Wall Street Journal, Financial Times, Le Figaro, Le Monde, entre outros. O aplicativo, chamado Méthode Memo, permite que o jornalista publique, diretamente do celular, textos, fotos, vídeos e lives.

"O repórter vai poder fazer a publicação pelo celular, de qualquer lugar, sem precisar que o conteúdo passe pela redação. Sem que o jornalista tenha que parar em algum lugar e abrir o notebook, ou mesmo voltar para a redação", afirma Mendes Jr. Para ele, isso vai favorecer relatos mais próximos dos acontecimentos.

"Há uma ideia de que a tecnologia tirou o jornalista da rua, porque ficou muito prático produzir da redação. Com esse publicador móvel, a gente consegue estar ainda mais na rua, colado ao que está acontecendo e com uma publicação rápida", disse o diretor.

Outra inovação na Gazeta é a organização editorial da home do site em função da geolocalização do leitor. De acordo com Pereira, há três níveis de informação: Curitiba, Paraná e fora do estado. Dependendo do local do usuário, as notícias mais relevantes aparecem no topo da página. A hierarquização é automática, mas o leitor também pode escolher qual grupo de informações quer visualizar, no menu do site.

Ainda em fase de testes, o jornal também elabora uma integração com o Facebook que indicaria, ao usuário, quais matérias do site da Gazeta foram lidas pelos seus amigos. "Isso resgata um pouco a ideia de que o jornal é um motivo de conversa entre as pessoas", explica Pereira.

As mudanças no veículo vão além da tecnologia. A Gazeta também contratou colunistas já conhecidos, que vão produzir conteúdo multimídia em diversas plataformas, com o objetivo de aumentar a audiência do site. Por outro lado, três novos jornalistas foram chamados para reforçar a cobertura de política nacional em Brasília, antes realizada por uma única correspondente.

A Gazeta decidiu ainda valorizar o jornalismo de impacto social. "É uma forma de prestar contas para o nosso assinante. Mostrar que fazemos um jornalismo relevante, que ajuda a transformar e melhorar a sociedade", afirma Pereira. Para isso, o jornal usa métricas quantitativas, como pageviews, compartilhamentos e likes, mas também adotou um método próprio de mensuração, mais qualitativo.

"Chamamos o Pedro Burgos, pesquisador brasileiro da Universidade de Columbia. Ele desenvolveu uma métrica de impacto para o The Marshall Project e está implementando o mesmo processo na Gazeta. Queremos mensurar o impacto social do que nós produzimos", diz Pereira.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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