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Jornal Extra comemora um ano de projeto que conecta leitores e jornalistas via WhatsApp

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  • 24 junho, 2014

Por Guilherme Ramalho

Em meio às manifestações de junho de 2013, que levaram milhões de pessoas às ruas do Brasil, o jornal carioca Extra aproveitou a mobilização popular para lançar um projeto pioneiro no país: o uso do aplicativo de mensagens WhatsApp na cobertura jornalística. De forma rápida, simples e direta, leitores passaram a enviar à publicação, pelo próprio celular, informações em textos, fotos, voz e vídeos. Em entrevista ao Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, o editor Fábio Gusmão, idealizador do projeto, faz um balanço dessa colaboração e vê com entusiasmo os resultados da iniciativa, que completa um ano nesta terça-feira (24).

“Em junho, quando começaram as manifestações, lembrei da Primavera Árabe, quando Twitter e Facebook foram bloqueados, mas todo mundo se comunicava pelo WhatsApp”, contou o jornalista. “A gente anunciou a iniciativa no dia 24 de junho de 2013 na internet e depois no jornal. Em 48 horas, foram 348 pessoas adicionadas do país inteiro e até gente do exterior. Chegou muita coisa de manifestação, mas não só isso. Começou a chegar informação de buraco, falta d’água, uma grande história de uma mulher que foi assassinada pelo marido e que ninguém sabia da imprensa. E aí só foi crescendo.”

Hoje o Extra possui 26 mil usuários cadastrados, segundo estimativas do próprio Gusmão. Mais de um milhão de mensagens foram enviadas para a redação, além de 50 mil fotos, 2 mil vídeos e 1,8 mil áudios. Mas nem tudo consegue ser aproveitado. Ao todo, foram cerca de 500 reportagens publicadas no jornal impresso e mil no site. “A gente não aproveita nem 5% do que chega ali, porque não tem como. Tem muita coisa que não vira notícia. Mas tudo o que vem por ali, quando é relevante, a gente tenta usar”, disse.

Com uma tropa de milhares de pessoas circulando, diariamente, em diferentes pontos da cidade, o Extra vem conseguindo denúncias e informações exclusivas, muitas vezes na hora em que o fato acontece. O aplicativo aproximou ainda mais os repórteres do público, alterando a rotina da redação e impulsionando a produção jornalística. “É a nossa escuta agora. A gente usa até para buscar personagem. Às vezes, o repórter sai com a matéria apurada praticamente, porque tudo chega por ali. Muitas vezes - e este é o sucesso - a testemunha já aciona a gente e conta o que viu, mas conta com vídeo, foto, áudio, além do relato. Dali pode vir alguma coisa para o repórter ir à rua. Às vezes, ali é o início”, destacou.

Para administrar com mais eficiência as mensagens, o Extra utiliza o WhatsApp no computador. Repórteres e editores se revezam para responder, mas apenas uma pessoa, por vez, consegue usar o aplicativo, já que uma mesma conta não pode ser operada em vários dispositivos ao mesmo tempo. Para que mais jornalistas pudessem acompanhar o processo, foram instaladas, no alto da redação, duas televisões de tela plana. Quando algo de urgente aparece, qualquer um pode ver e alertar os outros colegas.

“Não é uma operação saudável, mas está muito melhor do que era no início. Antes, era muito limitado”, reconheceu Gusmão. Segundo ele, a plataforma ainda está sendo aperfeiçoada e muitos contatos são perdidos durante os períodos de instabilidade.  “[O aplicativo] já foi resetado várias vezes. A gente já foi bloqueado duas vezes pelo WhatsApp. Hoje a gente faz parte de uma lista VIP. Minha meta é chegar a 100 mil usuários até o final do ano. Já teria chegado se a ferramenta não desse tanto problema.”

O número crescente de celulares com internet no Brasil permite que mais pessoas possam, em tempo real, registrar e compartilhar fatos vivenciados no dia a dia. Dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) mostram que a quantidade de aparelhos celulares no país cresceu 526% nos últimos dez anos e que a base de 275,45 milhões de linhas móveis, registrada em maio deste ano, já supera a própria população brasileira. Pesquisas recentes também apontam que cada vez mais brasileiros acessam a internet em dispositivos móveis.
Com mais pessoas conectadas pelo celular, o WhatsApp se popularizou rapidamente e mudou o comportamento das pessoas. Criado em 2009 por dois ex-funcionários do Yahoo!, o aplicativo revolucionou a comunicação entre celulares, sendo uma alternativa ao SMS. Líder no ramo, hoje com meio bilhão de usuários ativos, foi comprado pelo Facebook em fevereiro deste ano por US$ 16 bilhões, o mais alto valor já pago por um aplicativo. “O Facebook comprou a maior agenda de telefones do mundo”, comentou Fábio, que durante meses pesquisou, por contra própria, maneiras de implementar o aplicativo na redação. “Passei sábados, domingos, lendo, lendo, lendo, lendo... Pesquisei muito! E fui fazendo aos poucos”.

A ideia de utilizar o WhatsApp para fins jornalísticos veio justamente da observação diária do editor, que percebeu nas ruas um maior envolvimento das pessoas com seus celulares, na maioria das vezes de cabeças baixas, teclando sem parar.

“Quando ando nas ruas, observo muito as pessoas. Eu percebi um comportamento diferente. Por exemplo, você não usa o Facebook ou o Twitter com esse comportamento físico, digitando freneticamente. Ninguém usa SMS dessa forma também, porque tem um delay. Comecei a pesquisar e vi que estava todo mundo usando [o WhatsApp], principalmente os mais novos”, disse.

Com o sucesso do Extra, outros veículos de comunicação no Brasil, como Folha de São PauloEstadãoZero HoraCBNBand e SBT, passaram a utilizar o WhatsApp em suas redações. Atento aos concorrentes, Fábio testa todos os números lançados por eles pelo próprio celular:

“Toda vez que alguém lança, eu mando uma mensagem. Aí vejo, pela resposta, se a pessoa está sabendo trabalhar ou não. Ninguém está fazendo direito. Não sabem usar tudo o que a ferramenta lhes permite, não sabem usar as pessoas a seu favor, não sabem usar as suas fontes. Quem opera com celular, duvido que consiga responder para todo mundo como a gente responde aqui. A gente, numa plataforma mais confortável, não consegue. O conteúdo vai ser compartilhado com quem se relacionar melhor. O segredo é esse”.

Rede de colaboração entre repórteres

Depois de um ano experimentando o uso do Whatsapp para ampliar a relação do jornal com sua audiência, o Extra criou uma rede de colaboração entre jornalistas que cobrem o crime organizado na América Latina, a Rede Narcosul. Lançada no início de junho deste ano, a rede conecta por meio do aplicativo repórteres do continente que buscam trocar informações, ideias ou pedir ajuda uns aos outros em investigações sobre narcotráfico, lavagem de dinheiro, tráfico de pessoas e evasão de divisas.

A iniciativa também veio de Gusmão, durante a produção da série de reportagens "Os embaixadores do Narcosul", publicada pelo Extra no dia 25 de maio. O trabalho de reportagem, cofinanciado pelo Instituto Prensa y Sociedad (Ipys), envolveu idas à Bolívia, Paraguai e Peru, além de capitais e cidades de fronteira do Brasil. O repórter envolvido na investigação, Guilherme Amado, teve a colaboração de diversos jornalistas do continente.

“O que temos feito bastante é transmissão de dicas para os jornalistas. A rede é para encurtar o caminho, um vai passando informação para o outro e depois criando grupos. As pessoas vão se conhecendo e formando suas redes para ajudar nas suas reportagens. Está dando certo", destaca Gusmão.

A Rede Narcosul é aberta também a jornalistas investigativos independentes, que muitas vezes não têm equipes para compartilhar técnicas e trocar ideias sobre suas coberturas. Via WhatsApp, qualquer jornalista pode escrever para o número da Rede Narcosul (55 61 9963-4315) e pedir ajuda para uma reportagem, sem ter que dizer qual é a pauta em que está trabalhando.

Guilherme Ramalho é estudante de jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Edição: Natália Mazotte

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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