As instalações do jornal nicaraguense La Prensa já foram invadidas e confiscadas, os seus diretores presos e seus jornalistas forçados ao exílio. Em meio a tanto, o diretor-geral do jornal, Juan Lorenzo Holmann Chamorro, vê provas de que o seu jornalismo ainda ressoa no país no ataque mais recente do governo contra a publicação.
"Cada vez que fazemos uma denúncia, uma acusação, descobrimos algum ato de corrupção ou alguma violação dos direitos humanos, é um golpe para a ditadura, um golpe que os fere", disse Holmann à LatAm Journalism Review (LJR). "Cada vez que negamos uma de suas mentiras, eles se contorcem".
No dia 3 de maio, o jornal de 99 anos foi reconhecido com o Prêmio Mundial de Liberdade de Imprensa Unesco/Guillermo Cano 2025 no âmbito das comemorações do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Nesse mesmo dia, o Governo da Nicarágua anunciou que se retirou da Unesco em resposta ao prêmio.
O regime do presidente Daniel Ortega e da copresidente Rosário Murillo disse que La Prensa era uma "cria diabólica contra a pátria" que representa "traição ao país" por supostamente ter promovido e apoiado "a violência, interferência, crimes de ódio, crueldade, anticultura e antivalores".
Para Holmann, a reação reafirma a relevância e o merecimento do prêmio da Unesco.
"Quando reagem assim, é mais um incentivo. É um reforço do mérito que a Unesco nos dá ao reconhecer-nos como eles nos reconhecem", disse.
O prêmio foi entregue formalmente aos editores do La Prensa, Dora Luz Romero e Fabián Medina, no dia 7 de maio, durante cerimônia em Bruxelas, Bélgica. Membros da equipe e os dirigentes, incluindo Holmann, estiveram presentes por meio de videoconferência. O diretor-geral não pôde comparecer devido a complicações de imigração decorrentes do exílio em que vive.
O anúncio do prêmio pela Unesco ocorreu poucos dias depois de a Nicarágua aparecer como o país latino-americano com a pior classificação entre os países latino-americanos no Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa de 2025 da Repórteres Sem Fronteiras (RSF).
Holmann disse que o prêmio é o mais importante na história, não só do jornal, fundado em 2 de março de 1926 e administrado pela família Chamorro desde que Pedro Joaquín Chamorro Zelaya o adquiriu na década de 1930, mas do jornalismo nicaraguense em geral.
O prêmio, acrescentou, fortalece o esforço que a equipe do La Prensa faz para continuar fazendo jornalismo nas condições mais hostis.
"Esse é também um reconhecimento a todas aquelas pessoas que estiveram anteriormente no La Prensa, que ajudaram a construir o que o La Prensa é hoje do ponto de vista filosófico, por assim dizer, dos seus princípios e valores", disse.
O diretor-geral também dedicou o prêmio a todos os jornalistas nicaraguenses que tiveram que abandonar famílias, amigos e bens materiais e exilar-se para poder continuar a fazer jornalismo independente.
"Eu os chamo, todos esses jornalistas, de apóstolos da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa. Por que apóstolos? Porque eles não buscam nada para si mesmos. O que eles fazem é um sacrifício", disse ele.
O Prêmio Mundial de Liberdade de Imprensa Unesco/Guillermo Cano distingue, todos os anos desde a sua criação em 1997, uma pessoa ou organização que tenha contribuído significativamente para a defesa ou promoção da liberdade de imprensa, especialmente em condições de perigo, disse a Unesco ao anunciar o vencedor deste ano. Esse é o único prêmio das Nações Unidas para jornalistas.
"O jornal La Prensa fez grandes esforços para levar a verdade ao povo da Nicarágua. Como outras organizações da sociedade civil, o La Prensa teve que enfrentar severa repressão. Forçado ao exílio, este jornal defende corajosamente a chama da liberdade de imprensa", disse Yasuomi Sawa, presidente do júri internacional que escolheu o vencedor deste ano.
O restante do júri de 2025 foi composto por Jaime Abello Banfi (Colômbia), Rebekah Awuah (Gana), Nima Elbagir (Sudão), Aneta Grosu (Moldávia) e Åsne Seierstad (Noruega).
O diretor-geral da Unesco lamentou a reação do Governo da Nicarágua e a saída do país da agência. Ele afirmou que esta decisão privará a população da Nicarágua dos benefícios da cooperação em áreas como a educação e a cultura.
"A Unesco também desempenha plenamente o seu papel quando defende a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa em todo o mundo", disse Azoulay em uma declaração.
Uma das acusações que o regime de Ortega-Murillo lançou contra o La Prensa após o anúncio da premiação é que a mídia promoveu e apoiou a ingerência militar e política dos Estados Unidos na Nicarágua.
No entanto, disse Holmann, esta acusação faz parte das tentativas da ditadura de distorcer a realidade e impor uma narrativa falsa. O jornal, disse ele, sempre foi contra a ingerência estrangeira e defendeu a soberania da Nicarágua, e a prova está nas edições que compõem o arquivo do jornal, que foi confiscado junto com o restante dos meios de comunicação em 2022.
"Vendo o que a carta que ela [Murillo] escreveu e como ela se refere ao La Prensa, o que você acha que ela vai fazer com a biblioteca de jornais? Ela vai destruí-la. Sim, ela ainda não fez isso", disse Holmann. "Porque naquele arquivo do jornal há a defesa do La Prensa, dizerndo que na verdade não estamos incitando as pessoas a venderem o país e que estamos defendendo a sua soberania".
O jornalista nicaraguense Juan Lorenzo Holmann Chamorro no Colóquio Ibero-Americano de Jornalismo Digital na Universidade do Texas em Austin em 2023(Foto: Patricia Lim/Knight Center)
Holmann disse que a decisão da Nicarágua de se retirar da Unesco em resposta ao prêmio La Prensa é desproporcional e insultuosa, uma vez que o reconhecimento é concedido por recomendação de um júri independente.
"Há um painel de especialistas que compõe o júri que atribui este prêmio. [...] Eles analisam [o vencedor] a fundo e se tivessem encontrado alguma área, nem preta, mas cinzenta, nas nossas ações, certamente não teriam concedido esse reconhecimento", disse Holmann. "Dizer o que a suposta copresidente diz em sua carta é um insulto, uma falta de cortesia, na verdade uma falta de educação".
O jornalista disse que a reação do regime é um exemplo de que a censura que tenta impor na Nicarágua não é tanto para impedir que os cidadãos se expressem, mas sim para evitar que a narrativa que pretendem impor seja negada.
A luta diária da equipe do La Prensa, disse Holmann, é justamente para combater essa realidade que a ditadura quer impor.
"Por que querem silenciar os meios de comunicação? Porque os meios de comunicação não só transmitem o que a sociedade sente, mas também nós ajudamos a desmascarar, a apontar a mentira que querem construir como a sua própria realidade", disse. "E é isso que os incomoda, não é tanto eu dizer o que penso".
Holmann admite que entre a equipe do La Prensa, que atua quase inteiramente no exílio, ainda existe o medo de ser alvo de ataques. No entanto, eles tentam usar esse medo como um impulso para seguir em frente.
"Sempre existe o medo. Mas cada um é dono do seu próprio medo. Ou seja, cada um decide como lidar com esse medo. E lidar com o medo não significa ir em cima do medo e atacá-lo, mas é simplesmente saber como lidar com ele e ver como você transforma esse medo em uma ferramenta", disse Holmann. "O medo não é uma opção. O silêncio não pode ser uma opção."
Saber que seu jornalismo continua impactando a Nicarágua é a principal motivação para enfrentar esse medo todos os dias, disse Holmann. Em sua resposta nas redes sociais sobre a reação do regime ao prêmio da Unesco, o jornalista disse que a rejeição da ditadura é um sinal de que o La Prensa continua a ser "o jornal dos nicaraguenses", como indica o slogan do meio.
"A imprensa semeia em terras férteis. Terra fértil que aceita essa semente e a faz germinar e se alimenta dela. Não é semear no deserto. E o regime sabe disso", disse Holmann. "Esse lema não é algo que nasce de nós. É algo que nasce da própria sociedade nicaraguense, dos nicaraguenses. Por quê? Porque você vê que o La Prensa, em todas as etapas destes últimos 99 anos, esteve aí a serviço dos nicaraguenses, para os nicaraguenses. É o jornal de todos os nicaraguenses".