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Jornalista cubano Lázaro Yuri Valle Roca, recentemente libertado e exilado nos EUA, conta a história de seus três anos de detenção

dia do funeral de seu avô, o líder comunista Blas Roca Calderío, que durante muitos anos foi secretário-geral do Partido Socialista Popular de Cuba e, por um tempo, foi diretor do jornal Noticias Hoy, o antecessor do atual meio de comunicação oficial Granma.

Valle Roca, então com 26 anos, estava muito ciente da maneira autoritária com que os irmãos Fidel e Raúl Castro haviam tratado seu avô em seus últimos anos de vida. Uma ruptura ideológica havia ocorrido uma década antes entre Roca Calderío e os irmãos Castro, que na época eram os principais líderes do Partido Comunista Cubano e do país, por causa das discussões sobre a criação da Constituição de 1976.

A gota d'água foi quando, durante o velório de seu avô na icônica Plaza de la República, Raúl Castro mandou chamá-lo para sugerir que ele levasse sua avó embora. Valle Roca lembra que ficou furioso e insultou os líderes cubanos na frente da multidão, para depois voltar para ficar ao lado de sua avó, que permaneceu sentada junto do caixão.

Cuban journalist Yuri Valle Roca is being detained in the streets of La Habana.

Lázaro Yuri Valle Roca foi preso em junho de 2021 e, um ano depois, foi condenado a cinco anos de prisão por "propaganda contínua do inimigo". (Foto: Lázaro Yuri Valle Roca)

"Eu não tinha medo deles", disse Valle Roca à LatAm Journalism Review (LJR). "Acho que esse é um defeito que tenho, o fato de não sentir medo.”

Essa imprudência levou Valle Roca, anos mais tarde, a seguir os passos de seu tio, Vladimiro Roca, e a se tornar um opositor declarado do regime cubano. Na oposição, ele fazia parte de um grupo de comunicadores comunitários, o que marcou o início de sua carreira no jornalismo.

Como jornalista, Valle Roca colaborou com meios de oposição, como a Radio Martí, e em 2018 fundou a plataforma de conteúdo Delibera, onde relatou as ações autoritárias da ditadura.

Em junho de 2021, foi preso depois de publicar um vídeo em seu canal do YouTube sobre o lançamento de panfletos com slogans antiditadura e pró-democracia. Ele foi preso em Villa Marista, a sede da Segurança do Estado cubano, e posteriormente transferido para a prisão de segurança máxima Combinado del Este. Um ano depois, em julho de 2022, ele foi condenado a cinco anos de prisão sob a acusação de "propaganda contínua do inimigo".

A prisão e a sentença de Valle Roca foram condenadas por organizações como o Instituto Cubano para a Liberdade de Expressão e Imprensa (ICLEP) e o Observatório Cubano de Direitos Humanos. Organizações internacionais, como o Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ), a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), a Anistia Internacional e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), juntaram-se à condenação.

A saúde do jornalista se deteriorou gravemente durante sua prisão. Sua esposa, a ativista Eralidis Frómeta, denunciou que Valle Roca tinha problemas respiratórios não tratados e ferimentos causados pelas más condições de seu confinamento, e que ele não estava recebendo a atenção médica necessária.

Dois anos depois, em 5 de junho deste ano, o jornalista foi libertado com a condição de deixar o país. Valle Roca e sua esposa puderam deixar a ilha em um voo para Miami, graças a uma permissão humanitária conhecida como "parole", concedida pelo Serviço de Cidadania e Imigração dos EUA. A permissão foi obtida com a ajuda do cunhado do jornalista, que mora nos EUA, assim como três irmãos de Valle Roca.

O jornalista atribui sua libertação, em grande parte, à pressão internacional de organizações de liberdade de imprensa e ativistas que se manifestaram contra sua prisão. De Lancaster, Pensilvânia, onde ele e sua esposa se estabeleceram após chegarem em solo americano, Valle Roca falou à LJR sobre a luta que levou à sua prisão e sobre o que está por vir em sua vida, um mês após seu exílio forçado.

A entrevista a seguir foi editada para fins de extensão e clareza.

LJR: Como está sua saúde e seu ânimo?

Valle Roca: Fisicamente, estou me recuperando rapidamente. Psicologicamente, são muitas coisas. Não estou dormindo bem, tenho esses lapsos mentais, às vezes gaguejo, como você pode ver. Tenho certeza de que, no decorrer da entrevista, você perceberá que eu quero lhe dizer um nome e esqueço naquele momento e ele não sai.

Meus pulmões estão danificados, minha visão, tenho uma pinguécula no olho esquerdo. Tenho furúnculos aqui na minha cabeça. Se não fosse pelo barulho que minha esposa fez do lado de fora, fazendo denúncias e coisas do gênero, eles não teriam me levado ao médico. Tiveram de me tratar com um antibiótico muito forte.

LJR: Por que você acha que o regime cubano concordou com sua libertação?

VR: Para os déspotas da ditadura, nós, minha esposa e eu, éramos um problema a mais. Portanto, eles queriam se livrar de nós de uma forma ou de outra. Eles não conseguiam decidir se era melhor me expulsar de Cuba ou me manter lá como prisioneiro, controlado, até que eu morresse na prisão e depois justificassem que eu tinha tido um ataque cardíaco ou algo assim.

Houve muitas denúncias feitas pela OEA, pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e por organizações jornalísticas. Houve muitas denúncias e muitos protestos, muita solidariedade comigo. Eu realmente me sinto muito grato, devo minha vida a todos vocês, porque realmente, meus amigos, a única família que me resta são vocês e mais ninguém. Vocês realmente aceitaram esse desafio e lutaram por mim.

Parece que eles [as autoridades cubanas] avaliaram e disseram: "Vamos expulsá-lo daqui de Cuba porque ele já deu muito trabalho". E se eu morresse, seria pior. Parece que eles, em sua balança, disseram: "É melhor que o expulsemos e que ele continue falando lá e causando problemas, do que morrer aqui".

LJR: É verdade que inicialmente você não queria sair de Cuba?

VR: Houve um momento em que minha esposa, a menina [sua filha] e meus irmãos me disseram: "Você tem de ir embora porque sua saúde está muito ruim e precisamos de você vivo para o que está por vir, porque isso [a ditadura] tem de cair em algum momento e as coisas já estão em um ponto em que pode haver um desfecho a qualquer momento".

E então pensei, em suma, que o apóstolo nacional José Martí, Antonio Maceo "El Titán de Bronce", Máximo Gómez e todas essas pessoas que foram os libertadores de Cuba do jugo espanhol, tinham de sair de Cuba e se organizar para voltar a guerrear, para poder vir e libertar Cuba. Então, entrei nesse canal, pensei e reagi.

Cuban journalist Yuri Valle Roca greets Normando Hernández, director of the Cuban Institute for Freedom of Expression and the Press (ICLEP) at Miami airport.

O jornalista foi recebido no aeroporto de Miami por Normando Hernández, diretor do Instituto Cubano para a Liberdade de Expressão e Imprensa (ICLEP). (Foto: Captura de tela do YouTube)

Coloquei tudo isso na balança e disse: "Ok, diga a essas pessoas que sim". Poucos dias depois, minha esposa coordenou com meu cunhado e com as autoridades aqui nos Estados Unidos e eles me tiraram de lá sob uma pressão tremenda, porque comigo foi um desdobramento desproporcional.

Me levaram para a casa de alguém, e minha esposa já havia coordenado com ele para que eu pudesse me conectar à internet e então eles validariam [a permissão]. Me levaram de volta à prisão e, alguns dias depois, um mês mais ou menos, a permissão foi concedida. A resposta daqui dos Estados Unidos foi muito rápida.

Um dia, um dos principais chefes da Segurança do Estado chegou e me disse: "Vamos, você está indo embora". Eu estava cortando o cabelo na hora e disse "bem, sim. Deixe-me terminar de cortar", eu disse: "Não estou com pressa para ir embora, deixe-me cortar meu cabelo".

LJR: Havia outros jornalistas naquela prisão?

VR: Não, não no meu andar, mas no Combinado havia vários jornalistas e muitos jovens que participaram dos 11 e 12 [os protestos de 11 e 12 de julho de 2021].

Dos presos políticos que estavam em meu andar, havia [Ernesto] Borges, Yoel [Prieto Tamayo], [Ramón Pérez] "Moncho" e dois ou três outros. Eles nos colocaram no mesmo andar, mas separados, em celas diferentes, e misturados com prisioneiros comuns. Eles nos colocaram com prisioneiros comuns para nos vigiar mais de perto, para saber o que dizíamos, o que fazíamos, se falávamos uns com os outros, porque você sabe como os informantes trabalham para eles [as autoridades].

LJR: Antes de sua prisão em junho de 2021, você suspeitava que isso fosse acontecer?

VR: Olha, eu já suspeitava disso há muito tempo. Há muito tempo essas pessoas, a polícia política, estavam tramando uma jogada me prender, entende o que quero dizer? Para me tirar de circulação e me manter na prisão para que eu não ficasse nas ruas causando os problemas que eu estava causando e fazendo as denúncias que eu estava fazendo.

Não puderam me punir com 20 anos, como exigiam. Não encontraram nenhum tipo de prova porque eu não falei com eles. Não disse uma única palavra durante os interrogatórios. Tudo o que fiz foi olhá-los diretamente nos olhos e eles me diziam: "Você não vai falar?” E eu balançava a cabeça, nada mais. A única coisa que eu dizia era "meu advogado precisa estar presente". Eles nunca trouxeram meu advogado, então não fiz nenhuma declaração, porque não tinha meu advogado presente.

LJR: Você acha que sua detenção ocorreu porque você era jornalista ou porque era ativista?

VR: Para mim, não foi tanto o ativismo, mas o jornalismo. Porque o ativismo sem jornalismo não é nada. Se você não divulgar as ações que os ativistas estão realizando, não haverá conhecimento delas. Você pode fazer um vídeo, ou qualquer outra coisa, mas a maneira como um jornalista aborda o assunto não é a mesma que um ativista aborda. Não estou minimizando ninguém e não quero me colocar acima de ninguém, mas a abordagem é diferente.

Há também um jornalismo social, porque se você puder ver no meu [canal] Delibera no YouTube, há muitos problemas na sociedade cubana, todos os problemas, o sofrimento, os despejos, os deslizamentos de terra....

LJR: Como você se lembra do relacionamento de sua família com Fidel e Raúl Castro?

VR: Sim, eles visitavam minha casa, especialmente aos domingos, quando meu avô estava em casa. Mas meu avô sempre foi um homem muito humilde, muito simples, muito respeitoso, muito sério, muito quieto. Ele não falava nem contava nada, era um cara muito discreto.

Eu vi e testemunhei muitas das discussões do meu avô com Fidel, especialmente quando a Constituição de 76 estava sendo preparada, e ele disse a Fidel, eu me lembro, "temos que institucionalizar o país, não podemos ter uma lei fundamental [que estava provisoriamente em vigor após a Revolução Cubana] e um governo provisório para o resto da vida". Mas o que Fidel queria era manter o poder a todo custo e se perpetuar no poder, como fez. Ele jogou seus jogos e colocou certas coisas dentro da Constituição, mas meu avô estava sozinho e não podia fazer nada. Ele tentou fazer algo de dentro para fora e fazer o melhor que podia, mas, bem, não foi assim. Então, sempre vi todas essas coisas desde que era criança.

Éramos 13 pessoas na casa, quase todos meninos. E vivíamos de acordo com as regras [de racionamento de alimentos]. Nenhum tratamento especial, como os outros líderes, que bebiam uísque e comiam carne. Não, meu avô nunca aceitou nada disso. Na verdade, Raúl Castro uma vez lhe deu um jipe e meu avô o devolveu. E disse: "Não se pode ter mais de dois carros aqui". Ele sempre os manteve à distância, parece que sempre achou que essa era a única maneira de não envolver a família.

LJR: Sua família mencionou que precisava de você vivo para continuar sua luta por Cuba. Como o jornalismo intervém nessa luta?

VR: O jornalismo é usado nessa luta porque temos de denunciar todos esses abusos e ultrajes cometidos pela ditadura. Temos de desmascará-la por meios das denúncias. Eles são lobos em pele de cordeiro, então temos de tirar a pele de cordeiro deles para dizer às pessoas "vejam quem eles realmente são, são mafiosos, traficantes de drogas, gente sem vergonha". É isso que você tem de fazer, é isso que eu fiz com o jornalismo.

Mas quero deixar claro: o único compromisso de um jornalista é com a verdade. E o jornalista tem de ser imparcial o tempo todo.

LJR: O que vem a seguir, e você planeja continuar essa luta nos Estados Unidos?

VR: No momento, não tenho nenhuma ferramenta de trabalho, não tenho dinheiro, não tenho nada. Estou vendo como posso começar a trabalhar e como posso comprar meu laptop e, não sei, começar a trabalhar aos poucos. Pelo menos fazer meus artigos escritos e depois veremos.

Mas que ninguém pense que vou parar de fazer meu jornalismo. Vou continuar lutando.

Traduzido por Carolina de Assis
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