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Jornalistas colombianos seguem buscando justiça apesar das sanções contra membros do Exército por vigilância ilegal

A recente decisão da Procuradoria-Geral da Colômbia que puniu nove militares por criar perfis e vigiar mais de 130 pessoas, incluindo pelo menos 30 jornalistas, mais uma vez provocou medo e estresse no jornalista Óscar Parra.

O diretor do veículo Rutas del Conflicto, que cobre o conflito armado do país sul-americano, voltou mentalmente a 2020, quando a revista Semana revelou o caso conhecido como "Las carpetas secretas” (As Pastas Secretas).

De acordo com a investigação da Semana, unidades de inteligência do Exército espionaram mais de 130 pessoas por meio da coleta massiva e indiscriminada de informações para elaborar relatórios de inteligência militar através do uso de ferramentas de fontes abertas (OSINT). Os perfis dessas pessoas continham telefones, endereços de trabalho e residência, e-mails, informações sobre filhos, familiares, colegas, locais de votação e até infrações de trânsito, reportou a Semana.

Os alvos desses perfis incluíam jornalistas, vários deles americanos, mas também líderes sociais, políticos, sindicalistas e membros de ONGs, publicou na época a Semana.

As informações coletadas e as conexões feitas pelo Exército vinculavam de maneira injustificada jornalistas a grupos guerrilheiros, segundo mostram dois pen drives que são prova no processo na Procuradoria, informou a Fundação para a Liberdade de Imprensa (FLIP) em um comunicado.

A equipe do Rutas del Conflicto encontrou seus nomes e fotografias entre "as pastas secretas".

Cinco anos depois, em decisão emitida no dia 2 de maio e comunicada no dia 13 de maio, a Procuradoria-Geral da Nação, que fiscaliza os servidores públicos do país, declarou que os nove militares cometeram uma "falta disciplinar grave". Isso consistiu em ordenar, coordenar e executar atividades de OSINT sem fundamento contra os jornalistas, segundo o comunicado da FLIP.

Os nove militares, entre os quais se encontra um Brigadeiro General, foram punidos com a suspensão de seus cargos e inabilitação para exercer funções públicas entre três e seis meses.

Embora a decisão "marque um precedente" e esclareça que a equipe foi vinculada de maneira injustificada com grupos armados, Parra disse à LatAm Journalism Review (LJR) que ver artigos e documentos que insinuavam isso reabriu o trauma de cinco anos atrás.

"Sinto que isso é uma coisa horrível porque nos coloca em uma situação em que, mesmo quando a Procuradoria aponta que isso é injustificado, conhecendo como é este país, a gente já sai numa situação muito desconfortável [...] como se defendendo. Por isso, tinha muito medo de que isso viesse à tona. Mas agora é preciso sair e enfrentar", disse Parra.

Sanções insuficientes, processos demorados

Apesar do progresso no caso com essa decisão, defensores da imprensa consideram que as sanções são insuficientes e esperam que avance o processo criminal contra os responsáveis.

Jonathan Bock, diretor executivo da FLIP no momento em que falou com a LJR, disse que devido ao fato de a Procuradoria não ter classificado a conduta como "gravíssima", mas sim como "grave", as sanções foram menores do que as esperadas, como poderia ser a destituição permanente das instituições.

"Há frustração de que não tenha havido sanções maiores pelo efeito tão grande que isso teve", disse Bock.

Por exemplo, Bock considera que não foi contemplado o caso do Rutas del Conflicto, vinculado a uma universidade e, portanto, composto por jovens jornalistas menores de 30 anos cujas famílias também foram gravemente afetadas. Ou o caso de Nick Casey, correspondente americano na Colômbia do The New York Times, que deixou o país em 2019 após ser perseguido por legisladores que o acusavam de estar envolvido com grupos guerrilheiros. Ou o de Andrea Aldana, jornalista independente que cobre o conflito armado e que se exilou na Espanha em 2021.

"O outro ponto importante a não perder de vista é que isso é também uma retaliação contra jornalistas que estavam investigando assuntos que envolviam o Exército e a Polícia, como poderia ser a história das execuções extrajudiciais ou má gestão de recursos públicos", disse Bock.

Por essa razão, a FLIP, que representa a equipe do Rutas del Conflicto e Andrea Aldana, recorreu da decisão da Procuradoria. Da mesma forma, com base nessa decisão recente, Bock considera que é possível tentar movimentar a investigação que também conduz a Promotoria Geral da Nação, mas que em cinco anos não teve avanços.

Por meio de um funcionário do escritório de imprensa, o Exército Nacional respondeu à LJR que a instituição respeita os processos que são conduzidos nos órgãos de controle e de justiça. E que, caso sejam determinadas responsabilidades individuais, "essas pessoas deverão responder perante as autoridades competentes".

"O Exército disponibilizou todo o apoio e as informações disponíveis para que as autoridades conduzam as investigações sob o princípio da colaboração harmônica entre as instituições", acrescentou a instituição em sua resposta oficial.

'Um antes e um depois' para o Rutas del Conflicto

Fundado há 11 anos, o Rutas del Conflicto se dedica a cobrir a "reconstrução das memórias da guerra e a resistência de centenas de comunidades de todo o país". Parra, que também é professor da Universidade del Rosario de Bogotá, lidera esse projeto. Embora o Rutas del Conflicto não seja da universidade, por ter sua sede ali, é constituído principalmente por estudantes e profissionais jovens dessa instituição.

Parra está convencido de que a equipe do Rutas se tornou alvo do Exército por uma série de investigações que começaram a realizar em 2019. Em fevereiro daquele ano, o Rutas solicitou ao Exército informações sobre convênios firmados com empresas de mineração e energia, no que o veículo analisava como um conflito de interesses.

A partir daí surgiram uma série de pedidos de informação, solicitações de informação e até ações judiciais, diante da recusa do Exército em fornecer as informações. O caso chegou a envolver o então comandante do Exército, que entrou com uma ação judicial contra Parra.

Parra disse que a atitude do Exército com os pedidos de informação foi "desproporcional", especialmente porque grande parte dos contratos foi encontrada por jornalistas do veículo através da plataforma do Estado que contém os contratos públicos.

Em julho de 2019, o Rutas del Conflicto publicou sua investigação sobre as empresas petrolíferas e de mineração junto com La Liga Contra el Silencio.

Em janeiro de 2020, Parra e Bock (na FLIP) souberam do que estava acontecendo no Exército e do acompanhamento do qual eram alvos jornalistas e outras pessoas. Segundo Bock, o caso do Rutas era particular, uma vez que se tratava do único veículo que tinha sua própria pasta.

A investigação da espionagem do Exército só foi divulgada publicamente pela Semana em maio de 2020.

Parra, que até quatro semanas atrás e no âmbito do processo perante a Procuradoria pôde ter acesso a essa pasta, encontrou várias coisas "suspeitas". Uma das que mais o afetou, disse, foi uma fotografia da equipe do Rutas que havia se reunido para um jantar de Natal. Cada membro da equipe tinha um número sobre suas cabeças.

"Entrei em pânico", lembra Parra, que por ser não só o diretor, mas também o mais velho, sentiu responsabilidade pela segurança de seus jovens repórteres. Na época, pelo menos uma das pessoas da equipe que foi alvo desse perfil ainda era estudante.

"Havia gente que me dizia que eu seria responsável se acontecesse algo com os meninos", disse.

O ambiente familiar de Parra e dos jornalistas também foi afetado. As famílias começaram a pressionar para saber o que estava acontecendo no trabalho. Alguns dos jornalistas se exilaram, outros desenvolveram síndromes de perseguição ou burnout.

As fontes do veículo deixaram de responder e outras exigiam se encontrar pessoalmente (em plena pandemia). Parra deixou de cobrir temas do Exército por quase um ano e, por questões de saúde mental, aceitou uma bolsa da Repórteres Sem Fronteiras que o levou a Madri, Espanha, por três meses.

Mas os efeitos continuam. A equipe do Rutas, que era composta por 25 pessoas em 2020, agora conta com cinco.

"Acho que é inevitável não relacionar isso com a crise dos meios de comunicação, mas que isso influenciou, definitivamente influenciou", disse Parra. "Em termos de estudantes que se aproximavam do projeto, de pessoas que se sentiram ameaçadas e foram embora. Eu acredito que isso marcou um antes e um depois do veículo de comunicação".

Mas especialmente para Parra, e também para Bock da FLIP, depois de cinco anos restam dúvidas e perguntas sem respostas: quem ordenou fazer esse acompanhamento, qual era o propósito e o que se ia fazer com essa informação, para mencionar algumas.

"É claro que as coisas estiveram muito focadas nessa via de incriminar. Gostaríamos de saber para quê. Gostaríamos de saber para que faziam isso", disse Parra, para quem esses cinco anos foram dolorosos e os processos judiciais revitimizantes.

"Me dói muito voltar um pouco a essa situação, que se torne público o fato de que tenham documentos onde nos 'vinculam' (a grupos ilegais)", acrescentou o jornalista. "Mas quando isso vem à luz pública, é preciso sair para contar o que aconteceu, e acreditamos também que o fato de se tornar visível pode ajudar a nos proteger [...] é importante para nós que se saiba e que se saiba de uma maneira digna".



Traduzido por Marta Szpacenkopf
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