Por Mónica Almeida, editora regional do jornal El Universo no Equador.
Na terça-feira, 25 de outubro, um grupo de jornalistas e organizações de defesa dos direitos humanos compareceu a uma audiência na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em Washington D.C., para apresentar os problemas que estão afetando a liberdade de expressão no Equador.
Foi a nossa primeira audiência internacional para defender a liberdade de expressão para os equatorianos frente ao governo do nosso país. Talvez na melhor corte disponível aos cidadãos, a CIDH.
Lamentavelmente, duas pessoas não puderam nos acompanhar, Pepe Acacho, vice-presidente da Confederação das Nações Indígenas do Equador (CONAIE, em espanhol) e diretor da rádio Arutam da comunidade Shuar (Amazônia), acusado de terrorismo; e Wilson Cabrera, proprietário de uma rádio amazônica cuja licença de transmissão não foi renovada e cujo equipamento foi confiscado, impedido de embarcar pelo controle imigratório no aeroporto por razões desconhecidas.
Preparamo-nos até o último minuto para uma exposição de 20 minutos, com a qual queríamos sensibilizar quem pudesse nos ouvir sobre a situação no Equador. Estávamos nervosos porque sabíamos que do outro lado estaria o procurador federal, mas ao mesmo tempo cheios de coragem com a convicção de que estávamos defendendo princípios.
Do lado de fora não faltaram partidários do governo com discursos em favor do presidente e do ministro das relações exteriores, Ricardo Patiño, e cartazes contra a mídia. Era o que esperávamos.
Nossa exposição começou com um vídeo mostrando como o poder executivo no Equador considera normal interferir nos outros poderes do Estado, a campanha sistemática para estigmatizar jornalistas e quatro casos específicos de tentativas de silenciar jornalistas e meios de comunicação por meio de processos administrativos e judiciais.
Além das duas estações de rádio já citadas, o terceiro caso foi sobre o processo judicial que o presidente Rafael Correa apresentou, como cidadão, contra os jornalistas investigativos Juan Carlos Calderón e Christian Zurita pela publicação do livro "El Gran Hermano" (O grande irmão) , em que se revelou como Fabricio Correa, irmão do presidente, ganhou com contratos com o governo cerca de US$ 170 milhões.
Correa pediu ao jornalistas, que exercem a profissão há mais de 20 anos e têm apenas uma casa e um carro, uma indenização de US$ 10 milhões. Se condenados, eles terão que trabalhar 200 anos para o presidente cidadão.
O outro exemplo é a condenação em segunda instância no tribunal penal, que envolve também Rafael Correa como cidadão, contra o jornalista Emilio Palacio, os três diretores do jornal El Universo e a empresa CA El Universo. A pena imposta foi o pagamento de 40 milhões de dólares e três anos de prisão para essas quatro pessoas.
O vídeo apresentado pode ser visto abaixo.
O resto da intervenção foi para destacar que estes quatro casos não são isolados, pois os cidadãos comuns também têm sido presos por desrespeitar o presidente Correa.
O mais grave é que, apesar de há mais de um ano o Estado equatoriano ter se comprometido perante a CIDH a eliminar o crime de desacato, agora, o governo, que conta com a maioria no Congresso, apresentou um novo projeto de lei em que se tipifica o crime de injúria à autoridade, em um momento em que esta figura penal está desaparecendo em todo continente por ser considerada atentatória à liberdade de expressão.
Alertamos também para o fato de que a designação e a remoção de juízes no Equador estão nas mãos de apenas três pessoas ligadas ao governo. Se vamos enfrentar um julgamento, que garantias temos de sermos julgados por magistrados independentes?
O Estado equatoriano também tinha representantes na audiência. Chegou a Washington uma considerável delegação na qual todos os poderes do Estado estavam representados. Inclusive o presidente da Corte Constitucional, Patricio Pazmiño, que pode ser juiz de última instância nos casos do Grande Irmão e do jornal El Universo. Na última hora Pazmiño não compareceu e enviou um comunicado informando que estava em Washington para cumprir atividades acadêmicas.
No início da audiência, a presidente da CIDH, Dinah Shelton, enumerou todos os credenciados pelo Estado equatoriano. Não só Pazmiño e seu assessor foram mencionados como também Tania Arias, integrante do Conselho Judicial de Transição e Defensor Público. Nenhum dos três compareceu.
O vídeo da audiência pode ser visto abaixo.
Dois funcionários falaram pelo estado equatoriano. Diego García, procurador da república, que considerou que os casos apresentados são casos específicos e de nenhuma maneira refletem o estado da liberdade de expressão no Equador. Ele também criticou a nossa exposição sobre a criminalização do protesto social, a manipulação da justiça e o código penal. Garcia alertou os comissários que nossa intenção era a de converter a audiência em um julgamento político contra o governo.
Em seguida falou o ministro das Relações Exteriores, Ricardo Patiño, para quem nós representávamos os grupos de poder responsáveis pelo congelamento bancário no Equador em 1999 e pela crise financeira daquele ano. E além de assegurar que a censura vem dos donos dos meios de comunicação, ele listou todas as conquistas do governo de que faz parte.
Para nós, jornalistas que revelamos casos emblemáticos sobre a crise bancária da época, foi ultrajante a acusação de representar aqueles que foram responsáveis pela crise. Foi uma prova de que, em última instância, quando o poder é exercido com arrogância, procuram bodes expiatórios entre os mensageiros.
A fala do estado superou o limite previsto e a presidente da CIDH nos concedeu novamente cinco minutos, que utilizamos para ressaltar que os nossos questionamentos não haviam sido respondidos.
Nos minutos finais os comissários levantaram várias questões, que se centraram na auto-regulação da mídia, na independência dos poderes no Equador, no decreto de mobilização do sistema judiciário emitido por Correa, e na preocupação de que aparentemente o crime de injúria se aplicaria no Equador só contra jornalistas e cidadãos comuns, mas não em razão dos insultos oriundos do poder. Shelton concluiu dizendo que esperava o convite do governo para visitar o país.
Acreditamos que vencemos esse "round" por pontos, como alguém disse. Mas é apenas um "round" e em um tribunal justo. Um tribunal onde não podem cortar a nossa palavra com cadeias de propaganda do governo, ou desacreditar jornalistas, ou mandar partidários fazerem manifestações contra a imprensa, escoltados pela polícia. Um tribunal em que somos ouvidos de forma imparcial.
De volta ao Equador, nos esperam as mesmas batalhas e até piores, pois as cartas já estão dadas. Mas seguiremos buscando força para enfrentá-las.
Monica Almeida, sediada em Quito, é a editora regional do jornal El Universo. Ela ganhou uma Bolsa Nieman em 2008-2009.