Diante da crise econômica gerada pela pandemia da COVID-19 e da onda de desinformação que se espalha como o vírus em todo o mundo, o jornalismo é considerado mais do que nunca, por várias organizações internacionais, como um serviço essencial, e os jornalistas como trabalhadores essenciais para a sociedade.
No entanto, jornalistas de todo o mundo estão sendo atingidos pelo desemprego, a falta de equipamentos sanitários de proteção por parte dos seus empregadores e a precariedade geral da sua situação e de suas famílias. E a América Latina não é exceção.
No dia 5 de maio, no Paraguai, trabalhadores da imprensa recentemente desempregados, usando máscaras e carregando cartazes, marcharam em direção ao centro da capital, Assunção, para protestar contra as demissões ocorridas no dia anterior, informou a EFE.
De acordo com um comunicado do Sindicato de Jornalistas do Paraguay (SPP, na sigla em espanhol), cerca de 100 trabalhadores de meios de comunicação foram demitidos no dia 3 de maio.
Segundo o SPP, 300 trabalhadores da mídia paraguaia teriam perdido o emprego ou tiveram seus contratos suspensos desde o início da pandemia, informou a EFE.
No dia 1º de maio, no Equador, 35 ex-funcionários da empresa Editorial Minotauro, dona do jornal La Hora, escreveram uma carta ao presidente equatoriano Lenín Moreno, ao presidente da Assembléia Nacional, César Litardo, e a outros funcionários do governo para protestar contra a demissão em massa de trabalhadores do La Hora nas últimas semanas, segundo publicou a Fundamedios.
Ainda de acordo com a Fundamedios, os signatários denunciaram que as demissões foram baseadas no artigo 169, número 6, do Código do Trabalho, que permite a rescisão de contratos por causas de "força maior que impossibilitem o trabalho". Segundo o Fundamedios, e com base nos documentos aos quais teve acesso, os executivos teriam argumentado que a crise gerada pela pandemia foi a causa das demissões.
Alexis Serrano Carmona, que era o editor geral do jornal equatoriano La Hora até duas semanas atrás, disse, em entrevista ao Centro Knight, que quando a crise da pandemia da Covid-19 estourou no país, o jornal já havia acumulado um déficit financeiro de vários anos e estava sobrevivendo a um 2019 muito difícil.
Segundo Serrano, o La Hora ainda não havia superado a crise financeira herdada da década do presidente Rafael Correa (2007-2017), com sua política restritiva e punitiva contra a mídia independente. Também não havia superado o déficit causado pela falta de pagamento pela publicidade oficial, que o Conselho Nacional Eleitoral devia desde as eleições municipais de 2019, além da greve de vários dias que causou a crise social e econômica que eclodiu no país em outubro de 2019, disse Serrano.
Serrano trabalhou no jornal por 13 anos. A empresa parou de pagar salários em fevereiro deste ano e ele pediu demissão no final de abril. “Eu não podia ficar com a incerteza de ter ou não ter o suficiente para meus filhos comerem, então naquele dia, conversando com minha esposa, nós literalmente começamos a vender galinhas. Começamos a ver empresas que distribuíam galinhas e pedimos, e começamos a vender entre os vizinhos, com o carro, como um serviço doméstico ".
Segundo Serrano, os proprietários informaram que concordariam com planos de pagamento para todos aqueles que foram demitidos.
"As demissões intempestivas colocam os trabalhadores da comunicação em todo o Equador em uma situação de extrema vulnerabilidade, razão pela qual é necessário ativar mecanismos de proteção para garantir seu trabalho jornalístico e garantir a liberdade de expressão no país", disse Fundamedios na época, exigindo que o governo respeite e proteja os direitos trabalhistas dos ex-funcionários da La Hora.
A Fundamedios, junto com as organizações Nos Faltan Tres, Periodistas sin Cadenas, o capítulo equatoriano de Chicas Poderosas e a coalizão da sociedade civil de Guayaquil, SOS Familias, estão prestando assistência financeira por meio de vales a jornalistas em situação vulnerável em Guayaquil. A cidade é a mais afetada pelo vírus no país, segundo o Ministério da Saúde Pública.
"No momento, estamos dedicados a ajudar jornalistas e suas famílias que estão em um estado vulnerável na cidade de Guayaquil", disse César Ricaurte, diretor executivo da Fundamedios, ao Centro Knight. "Mapeamos 113 jornalistas nessas condições. Jornalistas que estão infectados com Covid-19, incluindo famílias de jornalistas que morreram, e outros que não foram confirmados como positivos para Covid-19, mas perderam seus empregos ou o seu sustento como resultado da pandemia.”
A campanha começou em meados de abril, depois que o SOS Familias alertou a organização para a situação vulnerável dos jornalistas, disse Ricaurte. Fundamedios e SOS Familias contataram os jornalistas que a organização registrou para verificar seus dados, explicou. "As famílias receberam um pequeno vale de pelo menos US$ 50 para que possam atender às suas necessidades alimentares".
Da mesma forma, no país vizinho, a Federação Colombiana de Jornalistas (Felcoper) e a Federação Internacional de Jornalistas, rejeitaram as violações dos direitos trabalhistas que afetam muitos jornalistas naquele país.
A Felcoper, por meio de sua plataforma de assistência a jornalistas, indicou que havia detectado práticas ilegais, como a imposição de pausas no trabalho não remuneradas impostas unilateralmente a numerosos funcionários da imprensa em face da crise causada pelo coronavírus. Eles também detectaram sobrecarga de trabalho, cortes salariais apesar do número igual ou maior de horas de trabalho, suspensão de contratos, demissão sem indenização, entre outras irregularidades.
"Na Colômbia, a Covid-19 não foi declarada de força maior, nem como uma situação que permite que os trabalhadores sejam demitidos por justa causa", disse Felcoper.
Além disso, a federação denunciou que existe uma "ausência de condições ideais" no país para prevenir e mitigar o vírus nas instalações de vários meios de comunicação, que exigem que os trabalhadores comprem suas próprias máscaras e equipamentos de proteção individual.
No Chile, de acordo com o site El Desconcierto, o canal nacional TVN Chile sofreu uma segunda onda de demissões devido à profunda crise que se arrasta desde o final de 2019. No final de abril de 2020, o canal estadual demitiu 71 funcionários, 35 deles trabalhadores do departamento de imprensa, segundo El Desconcierto. No total, a TVN Chile demitiu cerca de 169 trabalhadores desde o final de dezembro, informou o site.
Existe uma lei que protegeria os trabalhadores no Chile de demissões arbitrárias devido à pandemia, segundo o site chileno El Mostrador. O governo promulgou a Lei de Proteção ao Emprego, que está em vigor desde 6 de abril e protege as relações de renda e emprego dos trabalhadores quando atos de autoridades, como quarentenas ou fechamento de empresas, impedem o trabalhador de prestar seus serviços durante os seis meses após a sua publicação ou enquanto durar o Estado de Catástrofe, explicou o site.
No entanto, o conselho metropolitano da Associação Chilena de Jornalistas rejeitou a lei mencionada, pois permite que os empregadores suspendam contratos de trabalho, reduzam arbitrariamente os salários e obriguem seus funcionários a aceitar suas condições, publicou o Diario de Antofagasta. Da mesma forma, a Associação de Jornalistas rejeitou as demissões em massa realizadas pela TVN, Mega, La Red, El Mercurio, entre outras mídias de alcance nacional, publicou o site.
Da mesma forma, na Argentina, o governo publicou um decreto que proíbe demissões arbitrárias por 60 dias, durante abril e maio, devido à pandemia, informou El Clarín.
No entanto, esta situação de crise afetará tanto os trabalhadores da imprensa empregados quanto os que trabalham de maneira independente, disse ao Centro Knight Fernando Ruiz, presidente do Fórum Argentino de Jornalismo (Fopea). "O jornalismo, e tudo o que isso implica, será afetado", disse Ruiz.
“Uma das características dessa situação é que ela afeta jornalistas, qualquer que seja a sua situação profissional. Tanto jornalistas da grande mídia, quanto de médio porte, bem como pequenos, e aqueles que são freelancers ou empreendedores que gerenciam seu próprio meio. É um apagão muito forte, muito difícil. Portanto, aqui não podemos falar de um setor como sendo mais afetado do que outro", explicou.
Segundo Ruiz, já existem veículos impressos tradicionais e os principais canais de televisão que estão pagando o salário dos seus funcionários em prestações.
Ricardo Kirschbaum, editor-chefe do Clarín, disse ao Centro Knight que eles pararam seus investimentos e cortaram ao máximo suas despesas operacionais para priorizar o pagamento de salários.
"O objetivo é manter a equipe permanente e apoiar, tanto quanto possível, o trabalho de colaboradores externos", afirmou Kirschbaum. “Hoje existem seções do jornal cuja publicação foi suspensa ou visivelmente reduzida devido aos efeitos da pandemia, como a seção dominical de Viagens, por exemplo. Estamos confiantes de que nossos esforços para fornecer jornalismo e serviço de qualidade nos permitirão enfrentar esta crise, que é comum a muitos jornais do mundo.”
Em relação à proteção de seu pessoal, Kirschbaum garantiu que eles estão seguindo todos os protocolos de trabalho e segurança necessários, com o aconselhamento de um médico infectologista. "A redação se mudou em massa para as casas dos nossos jornalistas, desde o primeiro dia", acrescentou.
Em 1º de maio, a Fopea publicou uma declaração com uma série de propostas que enfatizam como o desafio desses tempos pode ser enfrentado para preservar o trabalho jornalístico e sem perder a liberdade de imprensa. "O jornalista precisa manter seu emprego, mas também precisa das condições de trabalho que permitam realizar bem seu trabalho profissional", disse Ruiz.
"Estamos em uma situação de emprego tão precária, na Argentina e na América Latina, que agora a vulnerabilidade pode ser explorada por governos e outros setores com poderes econômicos e políticos, para financiar e sustentar o jornalismo, mas em troca de limitar sua liberdade", ele adicionou.
No México, o sigilo das informações oficiais sobre a pandemia no país está dificultando o trabalho dos jornalistas, que trabalham principalmente em casa, segundo o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ). No entanto, de acordo com a organização, repórteres que precisam ir às ruas para cobrir as notícias do COVID-19 em hospitais, marchas etc, estão pedindo ao governo que facilite os testes para descartar que foram infectados durante o trabalho.
Jornalistas de várias partes do México que foram contatados pela organização comentaram que os governos federal e estadual estão fazendo pouco para protegê-los contra o vírus durante o seu trabalho. Se as autoridades ou seus meios de comunicação fornecem máscaras, elas são escassas e de uso único, o que não cobre vários dias de reportagem, deixando os jornalistas expostos a infecções.
Da mesma forma, segundo o CPJ, já existem meios de comunicação que cortaram sua folha de pagamento, reduziram salários ou fecharam completamente suas edições, agravando a situação econômica dos jornalistas, que já haviam sido afetados pela crise econômica existente no México, e a falta generalizada de proteção para jornalistas no país.
Como medida de prevenção e segurança, o grupo editorial peruano El Comercio enviou 75% de seus funcionários para trabalhar em casa, e o pessoal necessário nas instalações do jornal se revezam, disse Carla Bernaola, gerente de talentos do El Comercio, ao Centro Knight.
Seus repórteres e fotógrafos que cobrem a pandemia nas ruas, necrotérios e hospitais recebem roupas, óculos, luvas e respiradores da 3M, disse Bernaola. Os funcionários que precisam trabalhar pessoalmente seguem um rigoroso regime de desinfecção, além de testes rápidos para descartar a Covid-19, monitoramento diário dos sintomas e registro da temperatura corporal dos trabalhadores, acrescentou.
Já a Associação Nacional de Jornalistas do Peru (ANP) solicitou ao chefe do Ministério da Saúde, Víctor Zamora, que protegesse jornalistas do interior do país que trabalham de forma independente, fornecendo máscaras, luvas e todos os equipamentos de proteção necessário para cobrir a pandemia.
Segundo a ANP, 80% dos jornalistas que trabalham de forma independente em regiões fora de Lima não têm empregadores que cumpram as medidas de proteção exigidas por lei para as empresas e, portanto, sua situação é muito precária.
No Panamá, a Associação Nacional de Jornalistas (Conape) denunciou várias violações dos direitos trabalhistas de jornalistas panamenhos, segundo o site Puro Periodismo Panamá.
A organização denunciou a redução de salários, pagamentos irregulares de salários a trabalhadores e férias forçadas não remuneradas que alguns meios de comunicação impuseram a seus funcionários.
Da mesma forma, Conape pediu ao governo para proteger jornalistas no país, propondo uma série de medidas que ajudariam, como exigir que as empresas de mídia mantenham o trabalho remoto para proteger a saúde dos jornalistas.