Com a chegada do hidrogênio verde na América Latina, alguns meios de comunicação posicionaram essa fonte de energia como "o combustível do futuro" ou "a energia contra as mudanças climáticas".
No entanto, jornalistas da Climate Tracker, uma organização que apoia, treina e promove um melhor jornalismo sobre clima em todo o mundo, alertam para a necessidade de uma cobertura mais crítica que vá além da economia, da política e de matérias simplistas sobre a produção dessa fonte de energia.
Para promover uma cobertura jornalística mais aprofundada dos impactos sociais e ambientais do hidrogênio verde na América Latina e no Caribe, a Climate Tracker realizou um community hangout em 19 de outubro, uma conversa pública com 12 jornalistas da região que fizeram reportagens relacionadas ao impacto da produção de hidrogênio verde em seus países.
Em conjunto com o evento "Desafios do hidrogênio verde", a Climate Tracker também lançou um guia para ajudar a reportar sobre o hidrogênio verde.
Como o hidrogênio verde, também chamado de hidrogênio renovável, é extraído por meio do processo de eletrólise da água, que é alimentado inteiramente por energia renovável, ele não gera nenhuma emissão de poluentes na atmosfera.
Esse combustível se tornou popular devido ao papel proeminente que pode desempenhar na descarbonização do planeta e na redução dos gases de efeito estufa, explica o guia da Climate Tracker. O guia também afirma que a América Latina é uma região estratégica para sua produção devido ao seu amplo desenvolvimento de energias renováveis.
"Não me parece que, por enquanto, se possa falar de uma ‘indústria de hidrogênio verde’ na América Latina, porque não há esse desenvolvimento", explica Víctor L. Bacchetta, jornalista especializado em questões ambientais com uma longa carreira em meios latino-americanos, à LatAm Journalism Review (LJR). "O que há são projetos, a maioria dos quais está em fase de definição e avaliação".
Há muita especulação sobre o assunto nos meios de comunicação da região, explicou Paula Díaz Levi, jornalista da Climate Tracker, durante o community hangout.
Ela acredita que a cobertura do hidrogênio verde pelos 12 jornalistas da América Latina promovida pela Climate Tracker revelou algumas questões a serem levadas em conta. Por exemplo, embora o hidrogênio verde não gere emissões poluentes na atmosfera, é necessário avaliar outros tipos de impacto ambiental que esses projetos podem ter, como a quantidade de água necessária para sua operação, ou que podem afetar a biodiversidade e as comunidades que vivem nas áreas onde estão instalados.
Durante a conversa, a jornalista Alicia Martins Morais mencionou sua reportagem a partir da Amazônia brasileira, no estado do Amapá, onde descobriu que um projeto de hidrogênio verde foi instalado em uma área onde não há energia para toda a população, mas o projeto fornecerá energia para o mercado europeu.
Martins Morais explicou que, em geral, a cobertura dos meios no Brasil posiciona o hidrogênio verde como se fosse uma "solução mágica ou a nova solução verde para a energia do mundo". Segundo ela, essa é "uma visão positiva, mas superficial".
No entanto, ela acredita que está crescendo uma cobertura cada vez mais crítica que analisa os impactos negativos do setor.
O jornalista argentino Fernando Heredia explicou que em seu país "praticamente não há cobertura ambiental na mídia".
Com relação à cobertura do hidrogênio verde, ele disse que "começou a ser visto como um tema estranho e como uma grande oportunidade de salvar a economia do país".
No entanto, Heredia disse que "há muitas pessoas que alertam o contrário", que o hidrogênio verde não será a "salvação" e que se deve dar mais atenção às vozes de especialistas e às comunidades que vivem onde os projetos de hidrogênio verde estão sendo instalados.
O jornalista argentino também disse que a mídia faz comparações com países vizinhos ao informar sobre essa nova fonte de energia em potencial.
"É muito comum dizer: 'Não é possível que a Argentina esteja atrasada em relação aos seus vizinhos'. Mas há muitos espaços para trabalharmos juntos, para pensarmos em uma sinergia regional que poderia ser benéfica para todos", explicou.
Por esse motivo, o jornalista concentrou sua reportagem no potencial associativo entre a Argentina e o Chile para desenvolver projetos conjuntos de hidrogênio verde.
Blanca Velázquez, jornalista mexicana, explicou que o desafio de fazer investigações sobre o hidrogênio verde em seu país é ter acesso a autoridades governamentais e especialistas relevantes que, além de se especializarem em "transição energética" (ou seja, o conjunto de mudanças feitas no modelo de produção e consumo para evitar emissões de gases de efeito estufa), especificam seus estudos sobre o hidrogênio verde.
Na mesma linha, Martins Morais disse que o acesso às informações públicas foi uma dificuldade em sua pesquisa, além do fato de haver poucas pesquisas no meio acadêmico. "Há muito pouco estudo e muito pouco entendimento sobre o assunto. Como jornalistas, podemos incentivar esse debate público", acrescentou a jornalista brasileira.
Bacchetta concordou com os jornalistas da Climate Tracker que, na América Latina, "a cobertura da grande mídia sobre o hidrogênio verde tem sido complacente, sem muita análise própria, reproduzindo as mensagens oficiais de governos e empresas interessadas em promover os projetos".
Em resumo, "não há uma análise séria da crise energética e da proclamada transição energética", acrescentou o jornalista.