Em um painel emotivo que às vezes resultou em lágrimas tanto dos palestrantes quanto dos participantes, jornalistas da Nicarágua explicaram aos colegas ibero-americanos as condições em que o jornalismo é feito naquele país, no âmbito do 12º Colóquio Ibero-Americano de Jornalismo Digital, que aconteceu em 14 de abril na Universidade do Texas em Austin.
O painel "Jornalismo independente em tempos de crise: Nicarágua" foi moderado por María Lilly Delgado, correspondente da Univisión, e contou com a participação de Luis Galeano, diretor do Café con Voz; Álvaro Navarro, principal jornalista do site Artículo 66; Cinthia Membreño, diretora de estratégia digital da Confidencial e Sergio Marín, apresentador do La Mesa Redonda.
O dia 18 de abril marca um ano desde o início dos protestos sociais na Nicarágua, que levaram ao aprofundamento da crise de direitos humanos no país. Segundo dados compartilhados por Delgado, a CIDH registrou a morte de 325 pessoas em meio à crise, incluindo o jornalista Ángel Gahona, que morreu durante a transmissão de um protesto no Facebook Live. A CIDH também registrou o exílio de centenas de pessoas, incluindo mais de 60 jornalistas.
A imprensa tem sido um dos alvos das forças paramilitares ou "turbas", como são conhecidas no país, segundo Navarro. O jornalista falou dos diferentes ataques cometidos contra repórteres e também contra redações, e explicou que no início a polícia era um agente que, apesar de não ajudar a imprensa, pelo menos não a atacava.
"Nos últimos 12 meses, eles vêm atuando juntos", disse Navarro, referindo-se à polícia e às forças paramilitares.
Navarro falou de Miguel Mora e Lucía Pineda, diretor e chefe de informação do Canal 100% Noticias, que estão detidos há quase quatro meses. Ele também falou dos ataques às sedes de diferentes meios de comunicação, como a Rádio Darío e a revista Confidencial, agora ocupada pelas forças policiais.
Superando suas emoções, Navarro disse que eles continuam trabalhando em quatro frentes: melhorando as alianças, gerando mais união, resistindo e apoiando.
"Todos os colegas estão tentando lutar, alguns da Costa Rica, outros na Espanha e outros nos Estados Unidos", disse Navarro. "Continuaremos a resistir porque acreditamos que a Nicarágua merece isso".
Galeano, que trabalhava para o canal 100% Noticias, explicou como é trabalhar no exílio e a dor que representa para ele ver seus colegas "com quem compartilhava todos os dias" que agora estão na prisão. Depois de narrar como as prisões de Mora e Pineda ocorreram, destino do qual ele foi salvo apenas por "um milagre", ele disse que os jornalistas na Nicarágua têm três opções: morte, prisão ou exílio.
Dos Estados Unidos, onde ele está exilado, Galeano continuou com seu programa com o objetivo de superar o "blecaute de informação" que os cidadãos nicaraguenses vivem no país.
“Daniel Ortega e sua esposa mostraram que são capazes de qualquer coisa”, disse Galeano, que tenta rir de seu novo local de trabalho nos Estados Unidos: uma estação cristã logo acima de uma sex shop.
“Você tem que rir porque estamos lutando. A vida não comete erros - disse um amigo a Galeano quando foi à estação - o bem está acima do mal", ele terminou entre risadas.
Membreño, que também foi palestrante do ISOJ, explicou o que ela identificou como bom, ruim e feio em toda a situação. Ela, também exilada, continua trabalhando para a Confidencial, para cuja sede ela não pode voltar depois que o espaço foi invadido e ocupada pela polícia.
Da parte ruim e feia, ela falou do confisco dos escritórios da revista e de seus materiais, bem como da repressão que não apenas seus colegas, mas também cidadãos que protestam contra o regime, vivem.
Mas ela enfatizou o bem. Ela disse que seu site, assim como outras mídias independentes, foram fortalecidos porque acredita que as pessoas começaram a entender a importância da imprensa para a democracia.
“Em face do bloqueio e da repressão, somos a única coisa que marca uma luz no fim da estrada. Se eles estão informados, eles estão empoderados. E se eles estão empoderados, eles podem reivindicar seus direitos", explicou Membreño.
A jornalista ofereceu números sobre como o tempo de leitura, visitas e visualizações de páginas estão aumentando. "As pessoas estão gastando tempo para ler o que relatamos", disse ela. "Se esta crise nos ensinou algo, é que deveríamos sair da nossa zona de conforto, e temos que nos mover muito rápido".
A crise não apenas gerou novas mídias digitais, mas também o nascimento de um novo sindicato. Marín explicou o nascimento da organização Jornalistas Independentes e Comunicadores da Nicarágua, primeiro com reuniões semi-clandestinas. Seus principais objetivos são conseguir a sobrevivência dos jornalistas e continuar a informar dentro e fora da Nicarágua.
"Resistir para informar é informar para resistir", disse Marín. "É difícil na Nicarágua, mas também é difícil em outro país".
Entre as maneiras de melhorar a segurança dos jornalistas, eles oferecem conselhos que incluem a mudança de rotinas ou a melhoria das habilidades de segurança digital. Eles também procuram se unir a outras organizações ao redor do mundo e encontrar alianças para fazer orçamentos que lhes permitam continuar resistindo. Até mesmo reuniões para aprender a administrar as emoções, "mesmo que não conseguimos", disse Marín rindo.
"Tem sido um ano de tanta tensão, o simples fato de poder falar, compartilhar com jornalistas de todo o mundo, é emocionante", disse Delgado, referindo-se às lágrimas dos oradores. “Na Nicarágua você não pode se expressar, há muitas limitações”.
No final do painel, e como iniciativa própria, os participantes do Colóquio assinaram uma declaração em que não apenas rejeitavam os ataques à mídia na Nicarágua, mas também exigiam a libertação de jornalistas presos.