“Inocente”. Com essa palavra, o jornalista equatoriano Martín Pallares anunciou no Twitter a decisão do juiz após sua audiência em uma ação judicial movida pelo ex-presidente Rafael Correa, que ocorreu neste 3 de julho. Correa, que estava na audiência, processou Pallares em resposta a um artigo escrito pelo jornalista.
De acordo com Correa, o artigo de Pallares chamado ‘Si a Correa lo sorprenden robando, podría decir que estaba cuidando’ (Se flagrassem Correa roubando, ele poderia dizer que estava tomando conta) continha "expressões de descrédito e desonra" contra ele, segundo o Fundamedios. No processo, Correa citou uma lei que pode causar até 30 dias de prisão, e pediu "indenizações civis no montante que você considerar pertinente”, segundo o 4Pelagatos, portal do qual Pallares é co-fundador.
Após ouvir os argumentos da acusação e da defesa, o juiz determinou que se provou que a autoria era de Pallares, mas não se mostrou que Correa foi afetado pelo artigo, segundo publicou no Twitter o Observatorio Derechos y Justicia. A defesa de Correa anunciou que vai recorrer da decisão, informou o El Telégrafo.
Juan Pablo Albán, um dos advogados do jornalista, expressou por meio de seu Twitter seu descontentamento de que audiência ocorreu mesmo com "vícios processuais”.
“A única ‘prova’ é que [Pallares] escreveu um artigo. Tudo errado”, escreveu Farith Simon, outro dos advogados de Pallares.
Em seu artigo, publicado no dia 25 de abril de 2017 no portal 4Pelagatos, Pallares assinala que Correa é “capaz de distorcer o significado das palavras para que elas se adaptem ao que lhe convém”, ao referir-se ao caso de um ex-ministro da Energia do Equador, investigado por corrupção no caso do escândalo mundial da Odebrecht.
Segundo Pallares, em uma de suas declarações enquanto era presidente, Correa defendeu o ex-ministro, ao assegurar que ele recebeu um milhão de dólares quando ainda não era funcionário, e a irregularidade estava na não-declaração do dinheiro.
“Pallares comentou que foi feita uma comparação a respeito para demonstrar a lógica absurda do ex-presidente, mas assegurou que não o acusou de nada”, segundo o Fundamedios.
Em sua queixa, Correa afirmou que o jornalista "se refere a mim com expressões que afetam a minha honra, acusando-me de atos que conflitam com a lei e a moral, e ao fazê-lo, também usando um meio de comunicação amplamente difundido, fornece provas de que havia uma intenção maliciosa de me causar danos", acrescentou o Fundamedios.
Durante a audiência houve confronto entre os seguidores de Correa e os apoiadores de Pallares. As hashtags #TodxsSomosMartin e #CorreaVsPallares foram utilizadas para informar o que ocorria no julgamento.
O processo apresentado por Correa novamente gerou debate sobre a proteção da liberdade de expressão e da imprensa. O jornalista questionou que Correa apresentou o processo como cidadão, quando o artigo foi publicado enquanto ele ainda era presidente, e portanto, deveria ter sido mais tolerante com as críticas.
Correa deixou o cargo em 24 de maio de 2017 e foi sucedido por um de seus ex-vice-presidentes, Lenín Moreno.
"Esta é uma questão de liberdade de expressão e um presidente é obrigado a assumir responsabilidades e receber as críticas e o escrutínio dos cidadãos, seus constituintes. Este é um tópico de tentar criminalizar a opinião, mas as opiniões não podem ser consideradas crimes", disse Pallares, de acordo com a Fundamedios.
Por sua vez, o site do qual Pallares é fundador junto com outros colegas indicou que eles se defenderiam neste caso.
“4Pelagatos encarará esta denúncia pelo significado que ela tem: outro atentado de Correa contra a liberdade de expressão. Uma nova demonstração de seu desejo de intimidar e punir, agora viúvo de poder, as vozes e canetas que não desistiram durante seu governo autoritário. Este julgamento será realizado sob o governo Lenín Moreno e servirá para mostrar se os juízes atuam agora vinculados à lei. Ou se eles ainda recebem ordens de um ex-presidente que, além de ser autoritário e intolerante, vê fantasmas onde não há nenhum", escreveu o portal.
O embate entre a imprensa e Correa é amplamente conhecido. A partir do primeiro dia de seu mandato, ele chamou a mídia de "inimigo". Mais tarde, através de suas transmissões semanais conhecidas como "sabatinas", ele constantemente criticou os jornalistas, geralmente chamando-os de "imprensa corrupta" e alguns profissionais de "assassinos de tinta".
Pallares foi um de seus alvos. Correa o chamou de nomes como doente, incapaz, mentiroso, entre outras. De fato, em 2013, a ONG Fundamedios publicou um relatório chamado ‘El caso Martín Pallares o los estigmas de ser periodista’ (O caso Martín Pallares, ou os estigmas de ser jornalista).
Em 2015, Pallares foi demitido do jornal El Comercio, onde trabalhava há 13 anos, porque se negou a deixar o veículo condicionar a forma com que ele expressava sua opinião no Twitter. Segundo Pallares, a direção do diário havia dito que ele "estava expondo a empresa por [sua] forma de tratar o Presidente da República e que ele havia produzido muitos enfrentamentos contra os irmãos Alvarado”, na época os secretários de Administração Pública e de Comunicação.
Na época, Pallares disse ao Centro Knight que o medo que os jornalistas e os meios de comunicação tinha a ver com a Lei Orgânica de Comunicação (LOC), que pode impor uma série de sanções, que incluem multas exorbitantes e podem levar à autocensura.
No último dia 25 de junho, a LOC completou quatro anos de vigência, durante os quais sancionou 675 meios e jornalistas.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.