Vinte anos atrás, os jornalistas não poderiam imaginar a situação atual da imprensa na Venezuela, segundo Luz Mely Reyes, diretora e cofundadora do site Efecto Cocuyo.
No entanto, em 2000, havia sinais do que estava por vir. Esse foi o começo do assédio à mídia de radiodifusão e do fechamento de fontes públicas de informação, juntamente com a agressão a jornalistas e proprietários de mídia pelo ex-presidente Hugo Chávez.
"Sempre acreditamos que era um tipo de confronto, um confronto natural e normal entre um líder muito carismático e a mídia", disse Reyes. "Acho que temos que fazer um exercício de autocrítica, porque há 20 anos não tínhamos uma mídia muito forte ... não tínhamos uma democracia muito forte." Ainda assim, ela disse, eles não acreditavam que o que inevitavelmente viria a acontecer era possível.
Nos anos seguintes, o país viu o fechamento do canal RCTV e de 32 estações de rádio, ataques digitais contra sites, aquisição estatal de mídia impressa, escassez de materiais de impressão, demissões de jornalistas e muito mais.
Durante uma apresentação na Universidade do Texas em Austin (UT Austin) em 1º de novembro, Reyes explicou a história recente e a situação atual da mídia na Venezuela como parte do evento “Mídia e democracia em tempos de cólera digital e polarização na América Latina”. A conferência foi organizada pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas e pela LLILAS Benson Latin American Studies and Collections.
O site que ela fundou, Efecto Cocuyo, nasceu em 2016 durante o que ela chama de “primavera da mídia digital”, que viu o surgimento de sites nativos digitais independentes, muitos liderados por jornalistas que deixaram a mídia tradicional. Hoje, esses sites são as fontes de informação independente em um país onde a mídia impressa independente foi amplamente erradicada.
"Estamos criando o novo sistema de mídia na Venezuela", disse Reyes ao moderador e professor Joseph Straubhaar da UT Austin. Esse é um "trabalho muito, muito exigente" e envolve tirar proveito das mudanças no setor de mídia e experimentar como será o futuro da mídia.
Desde 2015, a Venezuela tem passado por uma grave crise que levou 4,5 milhões de refugiados a deixar o país, segundo a ONU, e muitos jornalistas independentes fazem parte desse grande número. Aqueles que permanecem se tornaram alvos do governo, incluindo o bloqueio de sites.
O Efecto Cocuyo encontrou outras maneiras de levar informações para onde as pessoas estão (dentro e fora do país), usando o WhatsApp, as redes sociais e o serviço de streaming de vídeo Periscope.
"Eu tenho um programa no Periscope e as pessoas procuram as informações lá, especialmente as pessoas que estão no exterior e têm parentes na Venezuela, e elas compartilham as informações", explicou Reyes. “Eu jogo a bola para fora e a bola está chegando até nós. Eu acho que temos que procurar algumas estratégias. ”
A equipe também tem usado um método único para alcançar e aprender com seus próprios leitores: “guayoyos”, ou reuniões para um café.
“Eu digo que ser jornalista é estar com o povo. Eu acredito nisso e meus colegas acreditam nisso. Por isso, convidamos na Venezuela alguns leitores do Efecto Cocuyo para um café e perguntamos como podemos melhorar o jornalismo”, disse Reyes. “Porque acho que temos que ser autocríticos. Os jornalistas às vezes acreditamos que somos como um herói. Então, agora temos que ir com as pessoas. ”
Agora eles estão recebendo migrantes que vivem em outras partes da América Latina para melhorar a cobertura da migração. Até o momento, realizaram guayoyos com migrantes em São Paulo, Brasil, e Medellín, Colômbia. Nesses encontros, por exemplo, eles tiveram a ideia de uma newsletter em espanhol que ajudaria os migrantes a entender as políticas de imigração na região.
Em relação à categoria jornalística no país, Reyes disse que há uma unidade entre jornalistas independentes por causa das ameaças e outras agressões que enfrentam.
"Se não estivéssemos unidos, não poderíamos fazer as coisas que precisamos fazer, e sabemos disso", disse Reyes.
Reyes comentou três lições que aprendeu nas últimas duas décadas.
A primeira é produzir "mais e melhor jornalismo". A segundo, "polarização é uma armadilha". E a terceira, Reyes enfatizou que "ser jornalista é estar com o povo".
"Se contamos a história que é importante para as pessoas e estamos olhando para o que está acontecendo com as pessoas, acho que podemos mostrar o que está acontecendo em qualquer sociedade, não importa de que lado as pessoas estejam", disse Reyes. "Se as pessoas estão morrendo, é preciso dizer, não importa se as pessoas apoiam [Nicolás] Maduro, Chávez, Donald Trump ou quem quer que seja."