Um movimento interessante começa a surgir, ainda que tardiamente, na América Latina: a criação de laboratórios de inovação, ou media labs, em veículos jornalísticos da região. Inspirados por uma tendência global, os labs são espaços, reais ou virtuais, interdisciplinares de inovação, em que se busca desenvolver o pensamento inovador, acelerar a aplicação de tecnologia, buscar soluções para problemas e gerar algum tipo de impacto jornalístico.
O artigo “Inovação em jornalismo: como os media labs estão moldando o futuro da mídia e do jornalismo,” publicado na revista acadêmica Brazilian Journalism Research, identifica um aumento do número de labs em organizações de mídia a partir de 2014.
“Estamos falando de menos de dez anos em que começamos a ver realmente empresas de mídia criando laboratórios de inovação,” disse à LatAm Journalism Review (LJR) uma das autoras do artigo, pesquisadora Ana Cecília Bisso Nunes, da PUCRS. “Quando a gente olha esse contexto da América Latina, parece que essa fase de esses laboratórios passarem a ser criados por empresas e ter mais laboratórios de empresas e mais laboratórios independentes de mídia e jornalismo, ainda está por vir.”
De acordo com Bisso Nunes, na América Latina os media labs associados a universidades ainda são os mais comuns, ao contrário do que ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos e na Europa. Um dos motivos para isso, segundo a pesquisadora, são os custos associados a qualquer coisa que não esteja diretamente relacionada ao negócio principal do jornalismo, especialmente nas empresas mais tradicionais. Por isso, na América Latina, os exemplos de laboratórios de inovação são mais predominantes nos nativos digitais.
“A questão financeira é importante. Para essas empresas de legado, tradicionais, isso é ainda uma barreira, um risco maior. Para as empresas nativas digitais, construir esse tipo de laboratório vai ser muito mais tranquilo o processo de estabelecer esse tipo de estrutura porque as barreiras à cultura de inovação são menores,” disse Bisso Nunes.
Neste artigo, a LJR conversou com jornalistas responsáveis por media labs em três veículos da região: la diaria (Uruguai), Pública (Brasil) e OjoPúblico (Peru). Com abordagens diferentes, o foco dos três é semelhante: o uso da tecnologia para aproximar a redação das audiências. No caso de la diaria, isso é fundamental para garantir a sustentabilidade financeira do negócio. Para OjoPúblico, uma forma de encontrar colaboradores em outros veículos e regiões do país. Na Pública, a experiência com o lab rendeu um aprendizado importante: a tecnologia serve para resolver problemas, e não pode ampliar barreiras de acesso.
Na gênese do jornal uruguaio la diaria, um impresso lançado em 2006, o desafio era como prescindir da venda em bancas para distribuição da edição em papel. Sem anunciantes, o então novo jornal, de propriedade de uma cooperativa de trabalhadores, tinha nos leitores a principal fonte de receita, mas a fatia que cabia aos jornaleiros tornaria o negócio inviável. A necessidade levou à inovação, num modelo que apostava 100% em assinaturas e que garante a saúde financeira do jornal até hoje.
“Nós queríamos construir um meio de comunicação distinto, mas que disputasse a agenda central, e percebemos que teríamos que fazer por fora do sistema de distribuição existente no país, que eram as bancas de jornal. (...) Não aceitamos as condições que o sistema de distribuição nos impunha,” disse à LJR Damian Osta, gerente de inovação de la diaria. “La diaria tem em seu DNA uma veia inovadora. (...) A inovação nos países centrais obviamente é filha da abundância. No nosso caso, inovamos muitas vezes porque tínhamos que sobreviver.E aí é onde nos reinventamos e corremos até a barreira do possível.”
Desde 2016, o jornal mantém o la diaria lab no térreo do edifício de três andares onde a redação funciona, no centro velho da capital Montevidéu. É nesse espaço onde jornalistas e outros profissionais trabalham para desenvolver produtos, processos e estratégias que farão parte da rotina do jornal e dos seus leitores.
O primeiro grande projeto gerido pelo la diaria lab foi Río Abierto, no qual se buscaram os assinantes do jornal cientistas que pesquisam os recursos hídricos e o uso da água. A partir daí, se desenhou um modelo de jornalismo especializado que articula o conhecimento disponível na base de leitores, no qual os assinantes assessoram o trabalho dos jornalistas. Hoje, as “unidades de jornalismo especializado” de la diaria incluem educação, ciências, meio ambiente, economia, trabalho e saúde.
Mais recentemente, foi também a partir da comunidade de leitores que la diaria lab lançou um sistema para acompanhamento da projeção dos resultados eleitorais. E, atualmente, a equipe do lab trabalha na investigação de aplicações para a tecnologia blockchain no processo jornalístico.
“Nós, dos meios de comunicação, somos tomadores de inovação. Adaptamos de forma tardia tudo o que as grandes plataformas criam. E fazemos de forma acrítica. Estamos todo o tempo correndo atrás do último que temos que fazer. Mas nossa experiência mostra que não é por aí. Tentamos depender o mínimo possível da tecnologia provida pelas plataformas para chegar à nossa audiência,” disse Osta.
O Lab de Inovação Jornalística da Agência Pública de Jornalismo Investigativo, do Brasil, funcionou em caráter limitado entre 2016 e 2019. Ao promover encontros entre profissionais de áreas diferentes para a produção de reportagens, o lab experimentou uma série de aplicações da tecnologia no jornalismo. Ao todo, se desenvolveram seis grandes projetos de reportagem que aliaram novas tecnologias para contar histórias.
“Um dos principais [aprendizados], e é por isso que fizemos apenas esses seis e paramos, é que acabamos descobrindo no caminho que, muitas vezes, há uma fetichização do uso da tecnologia. Jornalistas muitas vezes usam tecnologia para uso próprio, por interesse em inovar. É uma inovação pela inovação. E o acesso desse tipo de coisa ao público não é tão fácil. O público prefere uma coisa mais simples, com uma experiência de usuário a mais simplificada possível,” disse à LJR Natalia Viana, diretora-executiva da Pública.
Entre as ferramentas tecnológicas experimentadas pelo lab da Pública estão base de dados, jogos interativos, mapas colaborativos, aplicativo, bots e vídeo 360. Três desses especiais foram reconhecidos em premiações nacionais e internacionais e jornalismo.
Viana listou três inovações do lab que, segundo ela, “funcionaram muito bem”. Todas elas têm em comum a possibilidade de participação da audiência, seja colaborando para a apuração ou usando os dados disponíveis para outras pesquisas.
“[Com] o mapa interativo das praias, as pessoas se mobilizam muito com a questão das praias no Brasil. Isso foi um aprendizado, a gente não sabia, mas recebeu centenas e centenas de denúncias de privatização da praia. Uma coisa que o brasileiro gosta é de praia. Então, nesse, o que funcionou foi o interesse público para utilizar o jornalismo participativo,” disse Viana.
Um dos ‘filhos’ do lab da Pública ainda ativo é o Robotox, um bot para o Twitter que tuíta toda vez que o governo brasileiro autoriza um novo agrotóxico no mercado, desenvolvido em parceria com o Repórter Brasil.
“ Ele é um código que raspa o DOU (Diário Oficial da União), transforma em texto e tuíta. É super utilizado como referência. Ele é simples e responde a uma demanda real. Um pouco do nosso percurso foi isso. O uso de tecnologia funciona quando é uma resposta a uma necessidade,” disse Viana.
Por trás de OjoLab, o laboratório de inovação jornalística do site investigativo peruano OjoPúblico, está a mentalidade open source presente na comunidade tecnológica. Desde o lançamento do site, os jornalistas de OjoPúblico se aproximaram de especialistas em tecnologia para desenvolver ferramentas e metodologias inovadoras no jornalismo. Entre eles, se destaca o algoritmo anticorrupção Funes, que permite identificar indícios de corrupção com base em cruzamento de dados públicos.
“Não sabíamos praticamente nada de tecnologia e nossa entrada neste mundo se deu graças a uma aproximação com a comunidade de tecnólogos do Peru”, disse David Hidalgo Vega, diretor de notícias da OjoPúblico, ao LJR. “Nesse contato, aprendemos que a comunidade de tecnologia é muito aberta e assimilamos essa mentalidade.”
Por isso, OjoLab funciona há cinco anos como uma unidade de capacitação de jornalistas e do público em geral para difundir técnicas de investigação que fortaleçam o jornalismo. Se por um lado OjoLab dá oferece ao público de OjoPúblico mais transparência sobre o processo jornalístico, contribuindo para sua credibilidade, ele também treina jornalistas do interior que possam trabalhar eventualmente em investigações colaborativas.
“É uma grande diferença entre as novas metodologias e formas de trabalho do jornalismo digital independente, basicamente. Ao contrário do que tem sido a indústria da mídia tradicional, que é bastante fechada e unidirecional. Em vez disso, essas novas experiências visam promover uma relação mais horizontal com os leitores, com outros atores da sociedade. E eu acho que isso é muito valioso agora,” disse Hidalgo Vega. “Quando temos um componente de inovação, tentamos divulgar este exemplo através do OjoLab.”