Temos muito a aprender com os jornalistas que trabalham na América Latina. Em sua busca pela verdade, eles enfrentam ameaças de governos, organizações criminosas e empresas multinacionais, tudo por causa de suas reportagens. No entanto, repórteres e editores mantêm o jornalismo de qualidade na região florescendo, inovando e também apresentando investigações que expõem e responsabilizam os que estão no poder.
Esta lista destaca algumas das reportagens investigativas mais relevantes produzidas em espanhol pela mídia latino-americana em 2020. Para criar esta lista, concentrei-me em destacar investigações inovadoras sobre temas importantes que muitas vezes são esquecidos: o impacto do COVID- 19 na Amazônia, o uso de redes sociais para um golpe na República Dominicana e crônicas de migrantes da Ásia e da África que cruzam a América Latina, entre outros.
As histórias a seguir são contadas em vários formatos, de episódios de podcast a quadrinhos, e mostram a variedade de reportagens investigativas publicadas na região. Os repórteres contribuem para obter e acessar justiça e transparência em toda a América Latina, por meio de formatos criativos e inovadores.
Um dos melhores trabalhos de investigação que vi este ano, e que reli várias vezes, é o desenho interativo Convoca: Uma criança com chumbo não suporta quarentena. Convoca é uma associação de jornalismo investigativo multidisciplinar do Peru, composta por repórteres, analistas de dados e desenvolvedores. A história em quadrinhos enfoca o caso de Yoran, de quatro anos, um menino exposto a metais pesados por morar perto de uma zona industrial. Yoran, cujas amostras de sangue foram testadas em um laboratório para altos níveis de chumbo, é uma das muitas crianças cuja saúde foi afetada pela indústria de metais e está especialmente vulnerável durante a pandemia de COVID-19. A história em quadrinhos é parte de uma investigação maior sobre metais tóxicos.
Os jornalistas entrevistaram médicos e a mãe de Yoran, tiveram acesso a exames laboratoriais e criaram bancos de dados com base no orçamento de saúde destinado a Callao, região industrial próxima a Lima.
As três mortes de Marisela Escobedo (México)
Este documentário investigativo é um quebra-cabeça no qual várias peças se juntam para contar a história da ativista mexicana Marisela Escobedo, que antes de ser assassinada dedicou sua vida em busca de justiça para sua filha assassinada, Rubí. O corpo da filha, de apenas 16 anos, foi encontrado em um lixão na cidade fronteiriça de Ciudad Juárez. O processo judicial foi o início de um pesadelo para Escobedo, cujas ações durante o documentário expõem a corrupção do sistema judicial no México.
O título fala das "três mortes" de Escobedo: a primeira pode ser interpretada como a morte de sua filha, a segunda, quando o assassino de Rubí é libertado. E a terceira é sua própria morte, pela qual ninguém foi condenado.
As histórias dessas duas mulheres, mãe e filha, dão nomes e sobrenomes a centenas de mulheres que perderam a vida devido à violência de gênero no México. A habilidade dos jornalistas investigativos responsáveis por este documentário de montar esse quebra-cabeça o torna uma excelente seleção. Além disso, a variedade de fontes usadas durante o processo de investigação é a chave para seu sucesso: de gravações judiciais a diários de Escobedo e de vídeos que ela mesma gravou a entrevistas com seus familiares e amigos mais próximos.
Reportagem sobre negociações do governo com gangues (El Salvador)
Em setembro, o veículo investigativo El Faro publicou uma história reveladora: relatórios vazados na prisão mostram negociações entre o governo de El Salvador e líderes presos da Mara Salvatrucha, ou MS-13.
Segundo a investigação, os negociadores da gangue concordaram em reduzir os homicídios e discutiram os privilégios penitenciários que poderiam receber em troca de apoio eleitoral. Essa investigação apareceu mais tarde em meios de comunicação internacionais, como o New York Times, o The Washington Post, a BBC e o InSight Crime.
O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, negou a alegação de que seu governo esteve envolvido nessas negociações. Mas com esta investigação, El Faro, meio independente que foi o primeiro jornal exclusivamente digital da América Latina, continua a mostrar sua força no jornalismo investigativo, incomodando até mesmo membros do palácio presidencial.
Somos milionários (República Dominicana)
Este interessante episódio de podcast da Rádio Ambulante (NPR) conta a história de um golpe que se espalhou por toda a República Dominicana, afetando milhares de pessoas. A história começa com a busca por uma suposta herança de milhões de dólares, que se dizia ser devida a 30 mil dominicanos, simplesmente porque compartilhavam o mesmo sobrenome: Rosário. Rumores nas redes sociais diziam que o dinheiro estava em "bancos na Europa", e muitas pessoas acreditaram. Muitos “Rosários” até pagaram honorários advocatícios para ter acesso ao dinheiro que acreditavam ter sido prometido. Durante anos, esse advogado insistiu que o dinheiro chegaria em breve, até que a jornalista Anibelca Rosario ousou denunciar a mentira.
Rádio Ambulante é um podcast narrativo que conta histórias da América Latina em espanhol, trazendo o jornalismo de profundidade para o áudio. Funciona graças a produtores de rádio, jornalistas e ilustradores baseados em toda a região e nos Estados Unidos.
O rosto da discriminação étnica durante a pandemia (Colômbia)
É o que acontece quando um grupo de cientistas e jornalistas se reúne para usar dados e mapas para investigar as desigualdades no tratamento do COVID-19. A matéria foi publicada pela organização sem fins lucrativos Centro Latinoamericano de Investigación Periodística (CLIP), que aplica tecnologia inovadora ao jornalismo da região.
A pesquisa foi realizada graças ao trabalho de uma equipe de pesquisa multidisciplinar, cujos resultados mostraram as grandes lacunas no sistema de saúde colombiano. A equipe procurou mostrar como a pandemia é uma ameaça à saúde pública de todo o país, mas é mais grave na Amazônia e no Pacífico, onde as comunidades indígenas não têm sido a prioridade do governo federal. O projeto utilizou mapas para mostrar as dificuldades de acesso dessas comunidades para chegar a uma unidade de terapia intensiva quando alguém fica gravemente doente.
Os arquivos FinCEN, baseados em um grande suprimento de documentos que vazaram, revelaram o papel dos bancos em permitir que criminosos e outras pessoas no poder movam dinheiro questionável ao redor do mundo. Os relatórios incluem transações suspeitas enviadas às autoridades dos EUA, que resultaram na colaboração mundial de mais de 400 jornalistas em 88 países.
A investigação na Argentina é particularmente notável, expondo a corrupção generalizada no país por meio de uma série de reportagens. Um deles relatou como os negócios registrados nas Ilhas Virgens Britânicas de um famoso astro do futebol estavam ligados a mais de USD 1 milhão em transações, levantando suspeitas de possível evasão fiscal. FinCEN Files Argentina ganhou o melhor projeto de pesquisa deste ano no Foro de Periodismo Argentino (FOPEA).
Os documentos vazados foram obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, mas a investigação argentina foi um projeto colaborativo liderado por jornalistas argentinos de Infobae, La Nación e Perfil.
Esta série de reportagens é o resultado de uma investigação colaborativa sobre a corrupção na Venezuela e revela como uma rede de empresas relacionadas com o governo beneficiou poucos com laços poderosos. Os grupos responsáveis pelo projeto são Transparencia Venezuela, Alianza Rebelde Investiga (ARI) e a organização jornalística latino-americana sem fins lucrativos CONNECTAS.
No núcleo do Chavismo INC existe um banco de dados aberto ao público: um inventário de venezuelanos exilados em países como República Dominicana, Venezuela, Panamá, Colômbia, Argentina, Bolívia e Estados Unidos. Alguns dos exilados da base de dados merecem destaque, segundo os repórteres por trás desta investigação, por suas relações com o governo de Nicolás Maduro, que ficou no comando da direção do país após a morte de Hugo Chávez.
As operadoras de água (México)
No México, a água é um recurso precioso, controlado por entidades privadas com influência econômica. Nesta investigação, uma equipe de mexicanos contra a corrupção e a impunidade ilustra uma narrativa que se desenvolve em todo o país: desde mineradoras que deixam comunidades inteiras sem acesso à água, até políticos que irrigam suas fazendas enquanto vizinhos sofrem com seca, mesmo a elite usando sua influência para usar a água em excesso com impunidade.
Este projeto ganhou o Prêmio Latino-americano de Jornalismo Investigativo na premiação COLPIN 2020, que homenageia o jornalismo investigativo na região. Os jurados elogiaram os métodos usados para extrair dados de documentos públicos e o uso eficaz de narrativas multimídia.
Histórias de migrantes asiáticos e africanos na América Latina (regional)
Em Migrantes de outro mundo, uma equipe de mais de 40 jornalistas de 24 veículos de comunicação colaborou para contar a história de migrantes e refugiados asiáticos e africanos. Muitos esperam chegar à América do Norte, viajando por toda a região de ônibus, barco, avião ou a pé.
Esta pesquisa detalha os obstáculos que os governos e gangues criminosas impõem a eles. Também registra as mortes de migrantes nessas rotas e mostra como as restrições oficiais às viagens fortaleceram as redes de corrupção e tráfico de pessoas.
Paraíso em perigo: pesca ilegal na América Latina (regional)
Mongabay, um popular site de notícias ambientais, fez parceria com Cuestion Pública de Colombia, El Universo do Equador e Ciper do Chile para investigar a pesca ilegal na América Latina. Por trás da caça furtiva na região, jornalistas descobriram que há corrupção, governos fracos e falta de financiamento.
A equipe usou o monitoramento por satélite em locais onde atividades suspeitas e pesca ilegal foram observadas, comparando as descobertas com outras fontes para identificar quais embarcações tinham histórico de pesca ilegal e as diferentes empresas por trás disso. Os jornalistas constataram que “no papel” as áreas protegidas da região eram bem cuidadas, mas, na realidade, um governo mais atento e mais regulamentações são necessários.
Para saber mais sobre as melhores histórias da América Latina, você pode explorar os finalistas e finalistas dos prêmios COLPIN, FOPEA e Maria Moors Cabot.
Andrea Arzaba é editora em espanhol da GIJN e jornalista que dedicou sua vida a documentar as histórias da América Latina e das comunidades latinas nos Estados Unidos. Ela tem um mestrado em Estudos Latino-Americanos pela Universidade de Georgetown e foi bolsista da International Women's Media Foundation e da Transparency International.
Este artigo foi publicado originalmente na Global Investigative Journalism Network